15 Fevereiro 2025
Apesar da atenção do governo e da comoção internacional com o assassinato, outras 21 pessoas foram mortas no contexto de luta pela terra em Anapu.
A informação é publicada por ClimaInfo, 14-02-2025.
Em 12 de fevereiro de 2005, seis tiros rasgaram o ar quando Dorothy Stang, então com 73 anos, foi emboscada em Anapu, no interior do Pará. Conhecida por sua luta em defesa da Floresta Amazônica e dos trabalhadores rurais, a missionária, segundo uma testemunha, ergueu a Bíblia e disse “eis a minha arma!” diante de seus assassinos.
Duas décadas depois, a justiça ainda parece uma realidade distante em Anapu, e a reforma agrária – uma das suas bandeiras – não foi feita, destaca a DW. Dezenas de assassinatos em conflitos agrários seguem impunes. Segundo a Agência Pública, outras 21 pessoas foram assassinadas no contexto de luta pela terra no município, localizado a 375 km da capital paraense, Belém.
A pressão pela punição dos assassinos da irmã Dorothy, caso que gerou comoção internacional e recebeu atenção especial do governo federal, resultou em uma investigação que chegou a executores e mandantes, que foram julgados e presos após alguns anos de batalha judicial. Mas essa não é a regra na região. A impunidade é a marca dos crimes que voltaram a ocorrer ainda em 2005, com dois mortos, e chegaram a 19 vítimas em sequência, entre 2015 e 2019.
Nenhum executor ou mandante está preso por qualquer um dos crimes, segundo um levantamento feito a partir do cruzamento de informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Defensoria Pública do Pará (DPE-PA) e de processos judiciais no Tribunal de Justiça do Pará (TJPA). Em apenas três dos casos, houve julgamento em alguma instância, com duas absolvições.
Em oito homicídios a investigação policial não deu em nada, e o inquérito foi arquivado a pedido do Ministério Público, sem que nenhum responsável tenha sido apontado. Em três das mortes, não há nenhum registro de investigação policial ou processo judicial, e em duas os inquéritos não foram concluídos. Os outros cinco assassinatos estão tramitando em primeira instância.
Os cinco homens envolvidos no assassinato de Dorothy Stang foram condenados com penas de 17 a 30 anos de prisão, mas conseguiram progressão e estão fora do regime fechado. Dois deles já se envolveram em outras ações criminosas, relata Vinicius Sassine na Folha.
A luta da irmã Dorothy também envolvia o estabelecimento de assentamentos conhecidos como Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS). Os PDS se multiplicaram na Amazônia Legal desde o assassinato, mas estão longe de alcançar o que a missionária e os outros defensores da modalidade almejavam.
Um levantamento da Agência Pública revela que os PDS da região, planejados para promover um tipo de reforma agrária com proteção da floresta, sofreram, juntos, um desmatamento de pelo menos 496 mil hectares entre 2005 e 2023, mais de três vezes a cidade de São Paulo. No mesmo período, a área ocupada pela agropecuária saltou de 4,4% para 22,3% – acima inclusive do limite que o Código Florestal permite em qualquer tipo de ocupação no bioma amazônico, que é de 20%.
Além de sua luta por justiça social e ambiental, Dorothy Stang é lembrada em nomes de escolas, assentamentos e organizações sociais. Mas sua memória também enfrenta tentativas de apagamento e distorção. Em Anapu, a igreja local cobriu com um pano uma pintura que homenageia a missionária, mostrou Daniel Camargos na Repórter Brasil e Carta Capital. O padre responsável pela paróquia disse que a ação “não tinha motivação política” e que “a maioria dos fiéis dizia que quando ia rezar não gostava de ver a pintura e os desenhos”. Dez dias após a reportagem, o bispo da Diocese do Xingu, Dom Frei João Muniz Alves, interveio e determinou que a imagem da religiosa fosse definitivamente descoberta, revelou a Repórter Brasil.
g1, Agência Brasil e Greenpeace também repercutiram os 20 anos do assassinato de Dorothy Stang.