13 Fevereiro 2025
"Ao anunciar a escolha de Belém para receber a COP30, Lula comemorou e disse que seria uma oportunidade única realizar a conferência na Amazônia e “apresentá-la” a todo mundo. Resta saber se nessa “apresentação” os presidentes da República e do Senado, Davi Alcolumbre, vão contar a quem estiver lá que comemoraram a abertura de um poço de petróleo a algumas centenas de quilômetros dali. Um projeto que, além de agravar a crise climática, ameaça a fauna e a flora amazônicas e atinge em cheio Comunidades Tradicionais, Indígenas e Quilombolas", escreve Alexandre Gaspari, jornalista no ClimaInfo, 13-02-2025.
A COP30 foi celebrada pelo presidente porque vai acontecer na Amazônia. Mesma região onde ele e o senador querem explorar combustíveis fósseis a qualquer custo.
Preocupado com sua popularidade, afetada pelo aumento de preços dos alimentos, o presidente Lula resolveu viajar pelo país para “mostrar o que seu governo está fazendo”. Uma de suas primeiras paradas é no Amapá. Ao lado do novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), oficialmente Lula inaugura obras do Novo PAC no estado.
Mas a visita é mais do que palanque. É outro sinal explícito de que ambos estão em sintonia na defesa da exploração de combustíveis fósseis na Amazônia – região que foi castigada por dois anos consecutivos por secas históricas e queimadas recordes agravadas pelas mudanças climáticas que, por sua vez, têm na queima de combustíveis fósseis a sua principal causa.
O foco da “força-tarefa” de Lula e Alcolumbre é o bloco FZA-M-59, na foz do Amazonas. É nessa área, no litoral do Amapá, a 160 km mar adentro a partir da cidade de Oiapoque, que a Petrobras quer perfurar um poço para explorar petróleo e gás fóssil. Ou melhor: verificar se há petróleo e gás fóssil comercialmente explorável.
Em maio de 2023, por motivos eminentemente técnicos, o IBAMA negou a licença para a empresa, que recorreu da decisão. Desde então, após sucessivas avaliações técnicas, analistas do órgão ambiental continuaram negando a autorização, chegando a recomendar o arquivamento do processo de licenciamento. Mas a pressão política, capitaneada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e pela presidente da petroleira, Magda Chambriard, está jogando a legislação ambiental pela janela. Sob as bênçãos de Lula e de Alcolumbre.
Mas não para aí. Se antes os apelos dos defensores da exploração de petróleo “até a última gota” tratavam de falácias que os próprios dados jogavam por terra, agora a ordem é atacar diretamente o IBAMA e transformá-lo em “vilão” do desenvolvimento econômico do país. Algo similar foi feito no primeiro governo de Lula quando o assunto era a hidrelétrica de Belo Monte. Passados tantos anos, a hidrelétrica comprovou ser o “monstro” antecipado pelos técnicos, provocando impactos ambientais e sociais incalculáveis na região do Pará onde foi instalada.
Até pouco tempo, a ala do governo pró-petróleo soltava falas soltas do tipo “o dinheiro do petróleo é fundamental para financiar a transição energética”, mesmo com os dados mostrando que as petroleiras são responsáveis por apenas 1% dos investimentos globais em fontes renováveis de energia.
A mesma ala também bradava que o [suposto] petróleo da foz do Amazonas é fundamental para evitar que o Brasil volte a importar o combustível fóssil. Só que a grande província petrolífera do país, o pré-sal, ainda tem vários campos lotados de petróleo, fora aqueles que ainda estão sendo descobertos. Sem falar que as projeções da Agência Internacional de Energia (IEA) são de queda da demanda por petróleo a partir de 2030. No Brasil, a própria Petrobras projeta estabilidade no consumo a partir deste mesmo ano.
Como os fatos contradizem os discursos, era preciso mudar a narrativa e transformar o IBAMA em “inimigo público número um” do progresso brasileiro. Foi o que Davi Alcolumbre começou a fazer em outubro passado, quando já era apontado como futuro presidente do Senado. Após um encontro com Magda Chambriard, o senador amapaense bradou que a negativa da licença para a Petrobras era um “boicote contra o Brasil”.
Na semana passada, dois dias após Alcolumbre ser eleito presidente do Senado, Lula se encontrou com ele e se comprometeu a “destravar” a licença para o poço FZA-M-59. Logo depois saiu em defesa da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, ao dizer que ela não tinha qualquer responsabilidade sobre a [falta de] autorização. Mas deixou claro que queria a exploração de combustíveis fósseis na foz.
A simpatia do presidente da República pelo projeto não era novidade. Mas Lula tomava cuidado nessa defesa, frisando a necessidade de se observar e respeitar as leis ambientais. Só que isso acabou. E com um reforço à narrativa anti-IBAMA de Alcolumbre.
Em entrevista a uma rádio de Macapá na 4ª feira (12/2), véspera de sua visita ao estado ao lado do novo presidente do Senado, Lula bradou que o órgão ambiental precisa dar fim ao “lenga-lenga” da licença para a Petrobras. Mas a cereja do bolo veio quando disse que o IBAMA “é um órgão de governo parecendo que é um órgão contra o governo”. Qualquer semelhança não é mera coincidência.
Aliás, alguém pode avisar ao Lula que o IBAMA é um órgão de Estado, e não do governo de plantão?
Voltando à licença para Belo Monte: diante da pressão pela autorização para construir o “monstrengo” hidrelétrico na Amazônia, Marina Silva, a então ministra do Meio Ambiente, pediu demissão em 2008. Dois anos antes, em uma entrevista, saiu em defesa do IBAMA, que sofria as mesmíssimas acusações de hoje. E sobre a possibilidade de flexibilizar regras ambientais por conta própria, anunciou: “perco o pescoço, mas não perco o juízo”.
Com a COP30 batendo à porta, é pouco provável que Marina “perca o pescoço”. Ela é um ativo importantíssimo para as pretensões de Lula de fazer do Brasil um dos líderes da agenda climática global e referência na transição energética. Mas, com a autorização para a Petrobras perfurar um poço de combustíveis fósseis em plena Amazônia sendo obtida “no grito” e a poucos meses da conferência do clima, não há Marina ou qualquer outra pessoa capaz de curar o imenso estrago na imagem brasileira.