19 Dezembro 2024
A reportagem é de Isabella Piro, publicada por Vatican News e reproduzida por Religión Digital, 17-12-2024.
O “concentrado de humanidade” vivido nas favelas de Buenos Aires e a “ferida no coração” que representa o Iraque, país que visitou em 2021: isso e muito mais se encontra nas duas antecipações da autobiografia do Papa Francisco intitulada "Esperança", escrita com Carlo Musso.
O volume, publicado pela Mondadori, estará à venda no dia 14 de janeiro em mais de cem países. E neste dia 17 de dezembro – dia em que o Pontífice completa 88 anos – os jornais italianos “La Repubblica” e “Il Corriere della Sera” publicaram alguns trechos.
Reprodução da capa do novo livro do Papa Francisco a ser lançado em janeiro de 2025.
“Quando alguém me diz que sou um Papa villero, rezo para que eu seja digno disso”, diz Francisco, lembrando aquele “microcosmo complexo, multiétnico, multirreligioso e multicultural” que representa o bairro das Flores, o bairro da cidade de Buenos Aires onde viveu sua infância. “As diferenças eram normais e respeitadas”, recorda Bergoglio, evocando grupos de amigos católicos, judeus e muçulmanos, sem distinções.
O Papa recorda o encontro com algumas prostitutas, imagem daquele “lado mais sombrio e difícil da existência” que conheceu quando criança nas periferias argentinas. Com efeito, ao tornar-se bispo, Bergoglio celebrará missa por algumas destas mulheres que, entretanto, mudaram de vida. "Já fui prostituta em todo o lado", confessa uma delas, chamada Porota, "até nos Estados Unidos. Ganhei dinheiro, depois me apaixonei por um homem mais velho, ele era meu amante, e quando ele morreu mudei minha vida. Agora tenho uma pensão. E vou dar banho nos velhos e nas casas de repouso que não têm quem cuide deles. Não vou muito à missa e com o meu corpo já fiz de tudo, mas agora quero cuidar dos corpos que ninguém liga".
“Uma Madalena contemporânea”, define Francisco. Porota o chamará uma última vez, do hospital, pouco antes de morrer, para receber a Unção dos Enfermos e a Comunhão. "Ele foi bem", escreve o Papa, "como os publicanos e as prostitutas que nos precedem no Reino de Deus (Mt 21,31). E eu a amava muito. Mesmo agora, no dia da sua morte, não me esqueço de rezar por ela".
Não faltam lembranças dos detentos, que confeccionavam escovas de roupa, bem como a história do nascimento da amizade com José de Paola, conhecido como “Padre Pepe”, pároco da Virgem de Caacupé, na Villa 21, e apoiado com escuta e proximidade pelo futuro Pontífice num momento de crise vocacional.
Naqueles territórios situados nas periferias da cidade, onde “o Estado está ausente há quarenta anos” e onde a toxicodependência é “um flagelo que multiplica o desespero”, precisamente ali – reafirma o Pontífice – “nas periferias que param, a Igreja deve ser cada vez mais um novo centro, um grupo de leigos e sacerdotes como o Padre Pepe vive e testemunha o Evangelho todos os dias, entre os descartados de uma economia que mata”.
Uma realidade difícil da qual emerge claramente que a religião não é de forma alguma, como dizem alguns, “o ópio do povo, uma história reconfortante para alienar as pessoas”, reafirma mais uma vez o Papa. Com efeito, é precisamente “graças à fé e a este compromisso pastoral e civil” que as cidades “progrediram de forma impensável, apesar das enormes dificuldades”. E "tal como a fé, cada serviço é sempre um encontro, e somos nós, sobretudo, que podemos aprender muito com os pobres".
Do drama das periferias urbanas ao drama do Iraque devastado pelos conflitos, o olhar de Francisco não muda, mas está sempre cheio de atenção e cuidado para com uma humanidade ferida. Daquela visita histórica realizada de 5 a 8 de março de 2021 – a primeira de um Papa ao país – Francisco recorda “a ferida no coração” que Mossul representa:
“Uma das cidades mais antigas do mundo transbordando com história e tradições, que viram a sucessão de diferentes civilizações ao longo do tempo e foram um emblema da coexistência pacífica de diferentes culturas num mesmo país – árabes, curdos, arménios, turcomenos, cristãos, Siríacos – apareceram diante dos meus olhos como uma extensão de escombros, após os três anos de ocupação pelo Estado Islâmico, que o escolheu como sua própria fortaleza. E ao sobrevoar de helicóptero, o território apareceu como “o raio X do ódio, um dos sentimentos mais eficazes do nosso tempo”.
Dessa viagem, Francisco recorda o difícil contexto organizacional, tanto pela persistência da pandemia de Covid-19 como pela questão da segurança. “Quase todo mundo me desaconselhou... mas senti que deveria” ir para a terra de Abraão, “a ancestralidade comum de judeus, cristãos e muçulmanos”. Bergoglio não esconde a informação recebida dos serviços secretos ingleses sobre dois ataques em preparação durante a sua visita a Mossul. Um dos agressores era uma mulher, carregada de explosivos, e o outro estava a bordo de uma van. Ambos foram interceptados e mortos pela polícia iraquiana antes que pudessem concretizar o seu plano. "Isso também me impactou muito", enfatiza Francisco. "Este também foi o fruto envenenado da guerra".
Porém, no meio de todo esse ódio, o Papa vislumbrou uma luz de esperança no encontro com o Grã Aiatolá Ali al-Sistani, no dia 6 de março, há três anos, em Najaf: um encontro que “a Santa Sé vinha preparando desde décadas atrás”, que aconteceu em clima fraterno na própria casa de al-Sistani: “Um gesto que no Oriente é ainda mais eloquente do que as declarações, os documentos, pois significa amizade, pertencer à mesma família – explica. Fez bem à minha alma e me senti honrado”. O Pontífice recorda em particular a “exortação comum do Aiatolá às grandes potências para que renunciem à linguagem da guerra, dando prioridade à razão e à sabedoria”. E depois uma frase, que levava consigo “como um presente precioso: os seres humanos ou são irmãos pela religião ou iguais pela criação”.
Além do livro “Esperança”, a vida do Papa Francisco também será narrada em um filme baseado em “Vida. Minha história através da História”, autobiografia escrita com Fabio Marchese Ragona e publicada em março passado pela editora HarperCollins.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Confissão ‘comunista’ de Francisco: “Somos nós que podemos aprender muito com os pobres” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU