17 Dezembro 2024
A Igreja de Inglaterra, que em novembro foi abalada pela demissão do seu líder devido a um caso de abuso sexual infantil, voltou a estar em crise na segunda-feira, após revelações sobre o seu sucessor no cargo, o Arcebispo de York.
A reportagem é publicada por Página/12, 17-12-2024.
Os acontecimentos revelados pela BBC remontam a 2010, quando Stephen Cottrell, hoje número 2 da instituição, era bispo de Chelmsford, no sudeste da Inglaterra.
Ele é acusado de ter mantido no cargo um padre, David Tudor, que foi proibido pela Igreja de ficar sozinho com crianças após vários casos de agressão sexual.
A pressão surge depois de se ter revelado que Cottrell permitiu que o padre David Tudor continuasse na diocese apesar de saber que estava proibido pela Igreja de ficar sozinho com menores e que tinha indenizado uma vítima de abuso sexual, segundo uma investigação realizada pela BBC.
Segundo a BBC, Cottrell, que virou bispo de Chelmsford em 2010, soube em 2012 que Tudor pagou uma quantia de 10.000 libras (12.000 euros) a uma mulher que alegou ter sido abusada sexualmente pelos religiosos, por vezes de forma muito violenta, desde os 11 anos, na década de 1970, quando Tudor estava se formando como ministro da Igreja.
Em declarações ao referido canal público, um porta-voz de Cottrell destacou que o religioso não tinha então o poder legal para despedir Tudor, que tinha sido banido há apenas dois meses depois de ter admitido acusações contra ele de abuso sexual contra duas meninas.
Cottrell disse na segunda-feira que “lamenta profundamente não termos sido capazes de agir mais cedo”, mas defendeu suas ações. “Suspendi David Tudor do seu cargo na primeira oportunidade, quando uma nova vítima se apresentou à polícia em 2019”, disse ele.
Tudor foi expulso do ministério há dois meses depois de admitir ter tido relações sexuais com duas meninas, uma delas de 15 anos, informou a BBC.
No total, pelo menos sete mulheres afirmam ter sido agredidas sexualmente pelo padre quando eram crianças. Segundo a imprensa britânica, uma delas recebeu uma indenização de “seis dígitos” da instituição em 2019, e outros apresentaram uma queixa civil.
Tudor serviu na Igreja da Inglaterra por mais de 46 anos, em Londres e no leste do país, subindo na hierarquia da instituição graças aos seus sermões carismáticos.
Em 1989, um tribunal eclesiástico proibiu-o de exercer a profissão durante cinco anos. Ao retornar à Igreja, reconhecido pelo poder carismático e pelo apelo popular de seus sermões, chegou a exercer o cargo de reitor, tendo 12 paróquias sob sua égide. Em 2005, foi novamente investigado por outro caso de abuso que remonta à década de 70. Ele foi autorizado a continuar trabalhando com a condição de não ficar sozinho com menores.
“O mais surpreendente de tudo é que durante os anos em que esteve suspenso ele recebeu pagamento e teve o seu alojamento e estilo de vida cobertos”, afirma o advogado David McClenaghan, que defende uma das vítimas e aponta também o papel que o ex-arcebispo de Canterbury, Justin Welby pode ter tido que encobrir seu caso.
“A falta de ação neste caso mina completamente a credibilidade” do Arcebispo de York, disse a Bispa de Newcastle, Helen-Ann Hartley, à BBC. “Como podemos ter autoridade moral e ética para dirigir uma instituição sob tais condições?”
Os apelos à demissão do Arcebispo Cottrell são um novo golpe para a Igreja de Inglaterra, questionada por encobrir agressões físicas e sexuais a mais de uma centena de crianças cometidas durante décadas por um advogado ligado à instituição, John Smyth, implicado em pelo menos 130 casos de abuso e punição corporal de menores.
A pressão para que Cottrell renuncie ocorre quando faltam apenas alguns dias para ele assumir o comando temporário da Igreja da Inglaterra, depois que o dignitário mais antigo da Igreja, o Arcebispo de Canterbury, Justin Welby, anunciou sua renúncia em 12 de novembro por não ter agido quando, em 2013, tomou conhecimento do grave caso de abuso infantil cometido pelo advogado.
A sua demissão poderá levar a Igreja Anglicana a uma dupla crise e a um vácuo de poder sem precedentes, que poderá levar um ano a resolver.
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Um novo caso de abuso sexual abala a Igreja da Inglaterra - Instituto Humanitas Unisinos - IHU