22 Dezembro 2024
"É por isso que a minha fé, que chamo de “fé filosófica”, retomando Jaspers, é a fé na harmonia como lógica geral do mundo e da vida. Meu ponto fixo, mas não imóvel, é dado pela harmonia e pela sua busca", escreve Vito Mancuso, ex-professor da Universidade San Raffaele, de Milão, e da Universidade de Pádua, em artigo publicado por La Stampa, 15-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A alavanca da inteligência nos elevou, como teorizado por Arquimedes, mas precisamos de uma fé para nos apoiar. A filosofia, a religião ou a política oferecem uma solução somente se não acreditarmos que elas são imóveis, porque nada é imóvel.
Imaginem (como aconteceu comigo) que vocês tenham que expor publicamente qual é a sua filosofia de vida, sua escala de valores, o ponto de apoio da sua mente para se orientar no mundo: em resumo, qual é o seu “ubi consistam”. A expressão latina é extraída da frase proferida por Arquimedes após descobrir o princípio da alavanca: “Da ubi consistam et terram caelumque movebo”, “Dê-me um ponto de apoio e eu moverei a terra e o céu”. Aqui, porém, não está em jogo um ponto de apoio material, mas sim o ponto de apoio imaterial necessário para que a consciência não se perca no labirinto da vida. Bem, como vocês responderiam?
A Arquimedes ninguém conseguiu dar o ponto de apoio físico pedido e o mundo continuou em seu curso regular. E foi exatamente essa regularidade cósmica que constituiu ao longo dos séculos o ponto de apoio mental dos seres humanos. Shakespeare ilustrou a situação assim: “Os próprios céus, os planetas, e este centro reconhecem graus, prioridade, classe, constância, marcha, distância, estação, forma, função e regularidade, sempre iguais” (Troilo e Cressida, I,3). Sobre essa cosmologia se apoiavam a religião e a política, a ética e a estética, produzindo o que, em sua belíssima autobiografia intitulada O mundo de ontem, Stefan Zweig chamava de “o mundo da segurança”.
Hoje, as coisas mudaram. A alavanca da inteligência humana conseguiu efetivamente mover o mundo como Arquimedes sonhava. Daí o desmonte da antiga cosmologia, da religião, da ideologia política, da ética, da estética e da socialidade. Todo o mundo de ontem, hoje, não existe mais. Era um trabalho que tinha de ser feito? Acho que sim, mas a consequência é que agora ficamos sem nenhum ponto fixo que nos permita ter uma base comum sobre a qual construir o mínimo de comunidade. O mundo de ontem fazia pagar a segurança e a unidade conferidas negando liberdade e direitos aos indivíduos; o mundo de hoje garante liberdade e direitos aos indivíduos, mas o faz esfacelando os valores e gerando solidão e insegurança.
Como, entretanto, a primeira necessidade da mente é a segurança (sentida com mais urgência do que a liberdade), dessa insegurança deriva um mal-estar geral cujo nome mais preciso é: medo. O medo tem diferentes gradações: preocupação, inquietação, temor, agitação, ansiedade, tremor, desorientação, consternação, susto, fobia, horror, pânico, terror. Mas uma coisa é certa: ele é superado quando se reencontra segurança, e a segurança necessita de um ponto fixo arquimediano sobre o qual se possa alavancar não apenas o mundo, mas a si mesmos em relação ao mundo. Em outras palavras: dê-me um ponto fixo e eu me elevarei do mundo. E quando eu estiver lá em cima com minha mente, o mundo se tornará menos assustador e minha respiração voltará ao normal. Mas existe um ponto fixo no qual a mente possa se apoiar?
O ato de fé constitui a posição de um ponto fixo no qual se pode exercer o movimento da alavanca. Apoiamo-nos nesse ponto e nos elevamos. Talvez essa seja a missão mais importante da vida: erguer a si mesmos e, assim, vencer os próprios medos. Exatamente como Etty Hillesum escrevia: “Afinal, nosso único dever moral é lavrar dentro de nós vastas áreas de tranquilidade, de tranquilidade cada vez maior”. Somente da serenidade interior, de fato, brota uma vida autenticamente capaz de bem, de justiça, de verdadeira beleza.
Mas em que ter fé? Aqui o discurso se torna estritamente pessoal, pode-se de fato ter uma fé religiosa, uma fé filosófica, uma fé política ou até mesmo outro tipo de fé. Antigamente se procurava o ponto fixo no qual ter fé, pensando que algo (Deus, o partido, a ciência...) que pudesse ser imóvel ou, teologicamente falando, infalível, mas depois se percebeu que, na realidade, nada fica parado e ninguém é infalível. Mesmo quando estamos parados, estamos em um planeta que gira sobre si mesmo a uma velocidade de 1.700 km/h e gira em torno do Sol a uma velocidade de cem mil. Em nosso corpo, além disso, tudo está em constante movimento: células nascendo, células morrendo, microrganismos de nossa microbiota ora lutando, ora cooperando, e milhares de outros processos sem controle. Nada fica parado fora de nós, nada fica parado dentro de nós. Portanto, hoje nós só podemos honestamente conseguir um ponto de apoio para nossa fé sob condição de não buscarmos um ponto fixo que seja imóvel, porque nada é imóvel (e se, apesar disso, o fizermos, cairemos no dogmatismo e na dureza ideológica). Um ponto fixo só pode existir se não for imóvel: essa é a condição para que nós, pós-modernos, tenhamos um ponto de apoio.
É por isso que a minha fé, que chamo de “fé filosófica”, retomando Jaspers, é a fé na harmonia como lógica geral do mundo e da vida. Meu ponto fixo, mas não imóvel, é dado pela harmonia e pela sua busca. Em toda essa incessante mutação que produz desorientação, eu tento, da melhor forma possível, com minha vida e meu trabalho, inserir energia positiva dentro e fora de mim com o objetivo de criar harmonia. Quanto mais harmonia houver, mais saudável será a vida: essa é a minha verdade.
Por falar em verdade, um dia me dei conta que, em latim, a palavra verdade (veritas) tem a mesma raiz que a palavra primavera (ver). Não creio que seja mera coincidência. Pelo contrário, em minha opinião, essa ligação entre verdade e primavera atesta que, originalmente, o conceito de verdade não tinha nada a ver com mera exatidão (verdade científica) nem com uma imutável doutrina (verdade religiosa), mas com o dinamismo natural que faz a vida florescer e reflorescer: ou seja, com a harmonia como capacidade de agregação. É também por isso que a cor da primavera por excelência foi chamada de “verde” (em latim virĭdis). Esse é um dado que deve ser cuidadosamente considerado: as raízes do nosso idioma nos entregam a raiz “vr” ligada à primavera e à verdade, que, portanto, não deve ser entendida como fórmula ou doutrina, mas como energia e informação que fazem a natureza florescer e reflorescer. Como harmonia.
Agora, permitam-me, vou convidar aqueles que leram até aqui a dizer em voz alta a raiz “vr” de veritas; aliás, a seguinte sequência: “vr vr vr vr vr”. Não lhes parece como o som de um motor tentando dar a partida? Que motor é esse? Acredito que aqui estamos lidando com a reprodução, intuída pela mente arquetípica, da vibração originária do ser como motor que gera vida, do ser como energia. Energia etimologicamente significa “ao trabalho”, neste caso, poderíamos dizer “em movimento”. Por meio da raiz vr, a mente antiga de nossa civilização chegou a compreender a energia que põe em movimento e produz trabalho e, portanto, a expressar a harmonia. Nós estamos dentro desse processo e, quanto mais estivermos conformes com sua lógica relacional, servindo ao seu florescimento, por nossa vez, mais floresceremos. Esse é o meu “ubi consistam”.
O ponto fixo, mas não imóvel, da harmonia como lógica profunda da vida foi compreendido por todas as grandes civilizações da antiguidade e nomeado de várias maneiras, entre as quais “logos, dharma, tao, hochma, maat”. Para mim, o nome mais belo é “sophia”, e é por isso que vivo meu “ubi consistam” como philo-sophia: como serviço amoroso da lógica mais profunda da vida.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A harmonia é a chave para salvar o mundo, somente assim podemos sonhar com justiça e beleza. Artigo de Vito Mancuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU