12 Dezembro 2024
O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seus aliados pretendem se amparar no direito à legítima defesa para justificar sua ação violenta na Síria, quando, na prática, trata-se de uma nova violação do direito internacional.
A reportagem é de Jesús A. Núñez, publicado por El Diario, 11-12-2024.
No início de uma transição tão delicada como a que a Síria agora enfrenta – com graves fraturas internas a serem reparadas e ainda profundamente afetada pela prolongada ingerência em seus assuntos por parte de atores externos empenhados em resolver ali suas diferenças –, o que o país menos precisa é de se ver imerso em outro episódio violento, além dos que já carrega há tanto tempo. No entanto, Israel parece determinado a aproveitar as circunstâncias em benefício próprio, arrogando-se indevidamente o papel de garante da segurança regional.
Nos poucos dias transcorridos desde a fuga do ditador Bashar al-Assad, já são centenas os ataques – principalmente aéreos, mas também terrestres – que as Forças de Defesa de Israel (FDI) realizaram em território sírio, incluindo a capital, Damasco. Tel Aviv argumenta que todos os ataques têm alvos militares e que seu objetivo é, especialmente, destruir os arsenais de armas químicas e os lançadores de mísseis de longo alcance existentes na Síria para evitar que caiam em “mãos erradas”.
Isso implica não apenas ter bombardeado instalações militares, armazéns, aeroportos, bases navais e sistemas de defesa antiaérea, mas também ter realizado incursões terrestres para ampliar a área ocupada nas Colinas de Golã, expandindo sua presença para a zona desmilitarizada estabelecida por um acordo em 1974, onde atua a Força de Observação da Separação das Nações Unidas (FNUOS) para monitorar o cessar-fogo entre Israel e Síria.
Em um jogo rocambolesco de palavras, Israel tenta convencer o mundo de que suas ações são temporárias e que precisa de um colchão de amortecimento para garantir a segurança das Colinas de Golã, como se esse território ocupado ilegalmente já não fosse, por si só, um colchão de amortecimento para o próprio Israel.
Mais uma vez, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seus aliados procuram se amparar no direito à legítima defesa para justificar sua ação violenta, quando, na prática, trata-se de uma nova violação do direito internacional. E, como em tantas ocasiões anteriores, após anos de bombardeios regulares contra alvos em território sírio para impedir que o Irã fornecesse suprimentos e armas à milícia xiita libanesa Hezbollah e que as milícias pró-iranianas se aproximassem demais de Israel, não era de se esperar que as condenações da ONU fossem capazes de deter as Forças de Defesa de Israel (FDI).
Além dos subterfúgios discursivos empregados em cada caso, é fácil compreender que esse comportamento agressivo de Israel responde a dois planos distintos. Para um governo que já expressou abertamente sua intenção de criar uma nova ordem regional, trata-se de dar mais um passo na tentativa de redesenhar o mapa do Oriente Médio, aproveitando, desta vez, a extrema fragilidade de um vizinho que, no fundo, sob a liderança de Al Assad, foi o mais cômodo durante décadas.
Uma nova ordem regional que implica eliminar qualquer esperança de que os palestinos possam, algum dia, ter um Estado próprio, anexar definitivamente a Cisjordânia, subordinar o Líbano às suas imposições e expandir a área já ocupada na Síria. Além disso, contando com o possível retorno de Donald Trump à Casa Branca, o que poderia garantir o apoio necessário para concluir essa tarefa, Netanyahu tem pressa em criar uma situação favorável no terreno para que o presidente dos Estados Unidos apenas legitime os fatos consumados.
A isso se soma o interesse pessoal do próprio Netanyahu em se manter protegido da justiça, já que foi acusado em 2019 de três crimes de suborno, fraude e abuso de confiança. Por isso, seguindo a lógica que em grande medida explica seu comportamento nos Territórios Ocupados Palestinos e no Líbano desde 7 de outubro de 2023, ele se empenha em prolongar o conflito com os vizinhos como método ideal para preservar a imunidade que a posição de primeiro-ministro lhe confere. Assim como parece não se incomodar com a ordem de detenção emitida contra ele pelo Tribunal Penal Internacional, tampouco demonstra grande preocupação se seu comportamento coloca em risco a vida das dezenas de seus concidadãos que ainda estão nas mãos do Hamas ou arruína a imagem internacional de Israel devido à acumulação de tantas violações e crimes cometidos sob sua autoridade.
Por ora, ao procurar que a própria dinâmica do conflito continue adiando a possibilidade de eleições antecipadas, Netanyahu conseguiu implementar uma reforma judicial que pretende colocar o Poder Legislativo acima da Suprema Corte, permitindo que uma simples maioria parlamentar possa anular uma decisão final da mais alta instância judicial do país. Da mesma forma, ele conseguiu adiar por mais de um ano sua audiência no tribunal distrital de Tel Aviv, marcada para terça-feira, 10 de dezembro.
Olhando para o futuro, resta saber até onde ele pode ir no desenvolvimento de ambos os planos. No primeiro, Netanyahu conta com a incapacidade demonstrada pelas forças armadas sírias de defenderem seu próprio território diante do avanço dos insurgentes, o que lhe oferece ampla margem de manobra para avançar o quanto julgar necessário. No segundo, calcula que, embora a obrigação de comparecer três vezes por semana ao tribunal tenha um custo para sua imagem pessoal – sendo a primeira vez que um chefe de governo em exercício senta no banco dos réus –, sua longa experiência no cargo lhe permitirá continuar navegando indefinidamente em águas tão turbulentas.
E, enquanto isso, os sírios procurando evitar a queda no abismo em que outros povos árabes se precipitaram nos últimos anos. São muitos os empenhados em não facilitar isso.
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Netanyahu aproveita a debacle síria para avançar com sua tentativa de redesenhar o mapa do Oriente Médio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU