30 Outubro 2024
O que têm em comum o maltês Mario Grech, o norte-americano Joseph Tobin, o cingalês Vimal Tirimanna e o italiano Dario Vitali? Entre outras coisas, uma energia que parece inesgotável. Depois de terem passado o último mês no Vaticano, totalmente dedicados ao Sínodo dos Bispos, na manhã seguinte ao Sínodo ter terminado, o que fizeram eles? Se o leitor respondeu “descansar”, está completamente enganado. A resposta certa é: deram continuidade ao Sínodo, mas agora nas universidades católicas de Roma. E procuraram mostrar a alunos e professores que a sinodalidade é muito mais que teoria.
A reportagem é de Clara Raimundo, publicada por 7Margens, 28-10-2024.
Pouco depois das nove horas desta segunda-feira, 28 de outubro, já a aula magna da Accademia Alfonsiana se enchia para escutar o que o cardeal Joseph Tobin e o padre Vimal Tirimanna, ambos redentoristas, tinham para partilhar. Dezenas de padres, algumas (muito poucas) religiosas, e duas leigas ocupavam as cadeiras da longa sala. Uns estavam visivelmente expectantes, vários liam (ou reliam) atentamente o documento final dado a conhecer no sábado, outros teriam preferido ficar a dormir. Mas até os mais ensonados despertaram quando o prelado dos EUA iniciou o seu testemunho: afinal de contas, não é todos os dias que se escuta alguém que já participou em seis sínodos diferentes.
E, de todos esses, “este foi o mais diferente”, assinalou o cardeal Tobin. Referia-se, claro, ao fato de a participação ter sido alargada a não bispos, à disposição em grupos na sala, à metodologia de trabalho utilizada… e àquilo que isso possibilitou: “Este sínodo permitiu-nos experimentar como praticar o mandamento novo do amor, um amor recíproco”.
Lembrando que “não se pode amar aquilo que não se conhece”, o arcebispo de Newark garantiu que os delegados sinodais se conheceram e que “esse conhecimento não fez desaparecer todas as diferenças teológicas e pastorais, mas fez crescer a confiança que permitiu caminhar juntos sobre essa estrada para o bem da Igreja”.
“A verdade é que a sinodalidade é um elemento necessário para construir uma cultura do encontro”, continuou Tobin, sublinhando que “o Papa Francisco insistiu na importância desta cultura do encontro desde o início do seu pontificado”.
Mas o Papa não foi o primeiro a fazê-lo. E na manhã desta segunda-feira, na Accademia Alfonsiana, o cardeal cujos pais chegaram aos EUA idos da Irlanda do Norte recordou um padre amigo – e praticante da sinodalidade – que teve um papel determinante para que aquele país regressasse à paz, em 1998.
“Um dos arquitetos do processo de paz na Irlanda do Norte foi Alec Reid, um missionário redentorista”, disse. “Quando ele estava nos seus últimos anos de vida, em Dublin, perguntei-lhe uma vez: “Alec, o que aprendeste durante estes 30 anos de derrotas e de vitórias?’ Ele respondeu: ‘Tobin, creio que aprendi duas coisas: primeiro, que tens de acolher todos à mesa, caso contrário o grupo que excluíres vai atirar uma bomba. E segundo, que a presença das mulheres é essencial, porque com a presença delas o discurso muda…'”
Um “testemunho espiritual” que encerra em si um “modelo e justificação para a sinodalidade”, tal como o Papa Francisco a entendeu, com base na importância de “escutar todos” e “promover um sentido de corresponsabilidade”.
Modelo esse que Tobin pensa que já não poderá ser substituído pelo que lhe precedeu. “Não quero colocar limites ao Espírito Santo, mas se me pedires que aposte, eu digo que este modelo vai perdurar. Seria muito difícil voltar atrás… Creio que o Santo Padre viu isto como uma chave, como instrumento essencial para evangelizar no futuro. E é para continuar”, reconheceu o cardeal no final do encontro, em declarações ao 7MARGENS.
O padre Vimal Tirimanna, que foi um dos membros não episcopais com direito a voto no Sínodo sobre a Sinodalidade, concorda. E considera que a dificuldade de inclusão “tem sido um problema na Igreja ao longo dos tempos, não é de agora”. “Por isso, o Papa repetiu neste Sínodo: ‘todos, todos, todos!'”, assinalou o também redentorista e professor de Teologia Moral na Accademia Alfonsiana. E perguntou: “Qual é o ponto de partida da teologia, as pessoas ou a doutrina?”, para logo a seguir responder: “Alguns fazem teologia moral sempre abstrata, mas nós, sendo fiéis ao nosso fundador [Santo Afonso de Ligório], temos de partir sempre do contexto onde vivem as pessoas”. E escutar é muito importante. “Escutar os que estão na periferia, e escutar também aqueles que não estão de acordo connosco”, defendeu.
Porque “a cultura de sinodalidade não é uma teoria”, sublinhou ainda. “Cultura aqui significa um modo de viver, um modo de comportar-se, um modo de agir”. E significa também “conversão e mudança”.
Na opinião do padre do Sri Lanka, “há necessidade de conversão em todas as áreas da Igreja, e uma delas é a litúrgica”, disse em resposta ao uma pergunta do 7MARGENS, e partilhando que logo na primeira semana desta segunda sessão do sínodo, uma religiosa da Dinamarca confessou o seu desconforto e perplexidade com a diferença entre o modo como todos estavam misturados na aula Paulo VI, e separados de acordo com a hierarquia nas celebrações litúrgicas. “Eu próprio dei por mim a pensar nisso ontem, quando estávamos na Basílica de São Pedro para a missa de encerramento do Sínodo: então estamos a dizer uma coisa na assembleia, e chegamos aqui e fazemos isto? Neste momento, não é possível fazer diferente, mas devemos encontrar uma solução para isso, tal como encontrámos para dentro da aula Paulo VI”, afirmou.
Na plateia, muitos davam sinais de concordar. O padre Lucas Moreira Reis, 34 anos, era um deles. Vindo de Minas Gerais (Brasil) para fazer o mestrado em Teologia Moral, este clérigo diocesano considera, no entanto, que a mudança mais importante a fazer é na formação dos novos padres. “Temos de perceber que a mentalidade de uma Igreja se constitui a partir das primeiras formações no seminário”, disse ao 7MARGENS, no final da conferência. “Na nossa formação, no Brasil, encontramo-nos diversas vezes com pessoas que querem manter a mentalidade de uma Igreja pré-conciliar. E isso não existe, já passou, já acabou. Isso é uma desonestidade espiritual… Dizer que o Concílio Vaticano II não foi válido é muita pretensão!”, assinala.
Ainda dentro da formação nos seminários, o padre brasileiro considera que existe uma dimensão “muito importante” que não está a ser devidamente trabalhada: “A dimensão humana afetiva, que não é mais do que primeiro constituirmo-nos como pessoas, como seres humanos, encontrando as nossas alegrias, as nossas tristezas, os nossos dons, as nossas fraquezas… e concluir: pronto, é este que vai começar a encontrar uma outra pessoa, o próprio Jesus.”
A partir daí, é preciso “recordar a escolha de Jesus, que disse: ‘eu vou estar no pobre, eu vou estar no preso’… É a escolha d’Ele, não a nossa. E se na nossa formação não conseguimos constituir uma dimensão afetiva que nos ajude a pelo menos experimentar isso como uma opção do próprio Jesus, então todo o projeto de Igreja está falido”.
Lucas Moreira Reis reconhece que, felizmente, na sua formação teve “uma graça muito grande”. A de “pegar na literalidade do Evangelho” e fazer missões em áreas do interior do Estado que sofrem com “crises sociais, económicas e ambientais” e também na cidade de Belo Horizonte, “junto das prisões, dos moradores de rua, dos hospitais e dos hotéis de prostituição”.
“A partir daquelas missões, compreendi o que é ser discípulo de Jesus. Não é discutir se uma pessoa tem determinada orientação sexual, isso é secundário… O primeiro a fazer é experimentar aquilo que Jesus nos pede. Só assim teremos capital humano verdadeiro para trabalhar”, defende, lamentando que isso não seja “uma normativa em todos os seminários”, que na sua maioria “são mais gnósticos”.
Um gnosticismo que também pode afetar o Sínodo. “Porque não é só fazer reuniões para ficar a saber das coisas, caso contrário quando o Senhor voltar e a História da Igreja acabar… vai haver muito papel”, concluiu, meio a brincar, meio a sério, o padre Lucas.
Enquanto isso, a poucos quilómetros dali, na Universidade Pontifícia Gregoriana, começava um congresso internacional sobre o Sínodo, reunindo teólogos e canonistas. A abertura dos trabalhos, que se estendem até quarta-feira, ficara a cargo do cardeal Mario Grech, secretário-geral do Sínodo, que alertou para o fato de que as mudanças em áreas como a “transparência” ou a “corresponsabilidade”, nas instituições e comunidades católicas “precisam de tempo para se poderem declinar” e serem “implementadas por toda a gente”.
O congresso, intitulado “Do Concílio ao Sínodo. Releitura de um percurso eclesial, 60 anos depois da Lumen Gentium (1964-2024)”, apresentava-se como “o primeiro ato de reflexão teológica após o encerramento da segunda sessão da Assembleia Sinodal”.
O moderador era o padre italiano Dario Vitali, docente da Gregoriana e coordenador dos peritos teólogos na assembleia sinodal, que se mostrou otimista. “Penso que o exercício contínuo, a experiência mais aprofundada da sinodalidade, nos tornará capazes de pensar num modo de participação verdadeiramente partilhado e não à espera uma decisão vinda de cima, que pode ser facilmente dada, mas que deve, pelo contrário, tornar cada um responsável por cada um, amadurecer neste modo de corresponsabilidade diferenciada”, disse à agência Ecclesia.
Mas, ao mesmo tempo, reconheceu: “Um dos processos mais difíceis de realizar em qualquer sociedade, também na Igreja, é uma mudança de mentalidade.”
Conscientes disso mesmo, as universidades católicas em Roma não perderam tempo. E no dia a seguir ao fim do Sínodo, foi dele que fizeram questão de falar. Já diz o velho ditado: “non rimandare a domani quello che puoi fare oggi“. Que também tem a sua versão em português… Será que as nossas faculdades católicas vão fazer o mesmo?
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Veio a tarde e em seguida a manhã… e as universidades viram que o Sínodo era bom - Instituto Humanitas Unisinos - IHU