02 Outubro 2024
A reportagem é de Hernán Reyes Alcaide, publicada por Religión Digital, 05-09-2024.
O Papa Francisco pediu hoje que nenhum participante do Sínodo dos Bispos, que começa esta quarta-feira em Roma, procure “impor agendas” ou “levar água ao moinho”, ao celebrar a missa de abertura da assembleia para a qual prometeu total liberdade de expressão e que ele chamou a enfrentar com “escuta e humildade”. No final da homilia, anunciou que neste domingo rezará o Terço diante de Santa Maria Maior para pedir a paz. No dia seguinte, 7 de outubro, “peço a todos que vivam um dia de jejum e oração pela paz no mundo”.
“Especificamente, tenhamos o cuidado de não transformar as nossas contribuições em pontos a defender ou em agendas a impor, mas ofereçamo-las como presentes a partilhar, mesmo dispostos a sacrificar o que é particular, se isso puder servir para realizar, juntos, algo novo segundo o plano de Deus”, disse o pontífice durante a celebração de hoje na Praça de São Pedro, início do encontro de bispos e leigos de todo o mundo que debaterão até 27 de outubro sobre o futuro da Igreja universal.
“Caso contrário, acabaremos encerrando-nos em diálogos entre surdos, onde cada um tenta ‘levar água ao seu moinho’ sem ouvir os outros e, sobretudo, sem ouvir a voz do Senhor”, alertou Jorge Bergoglio.
Segundo o Papa, porém, o Sínodo deve ser vivido “com respeito e atenção, na oração e à luz da Palavra de Deus, a todas as contribuições compiladas ao longo destes três anos de intenso trabalho, de intercâmbio mútuo, de debates e esforços pacientes para purificar a mente e o coração”.
Com algumas questões de grande atenção mediática na agenda sinodal, especialmente ligadas à participação das mulheres, Francisco afirmou que “trata-se, com a ajuda do Espírito Santo, de ouvir e compreender as vozes, isto é, as ideias, expectativas, as propostas, para discernirmos juntos a voz de Deus que fala à Igreja”.
Neste quadro, o bispo de Roma reiterou o que alertou em 2023, durante a primeira sessão do Sínodo, e afirmou: “a nossa não é uma assembleia parlamentar, mas um lugar de escuta em comunhão”.
No início daquela que é formalmente a XVI Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos e cujo lema é “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”, o Papa afirmou que, “para que isto aconteça há, no entanto”, uma condição: que nos libertemos daquilo que, em nós e entre nós, pode impedir que a ‘caridade do Espírito’ crie harmonia na diversidade”.
Segundo o pontífice, que participará de vários debates na Sala Nova do Sínodo, “aquele que, com arrogância, presume e pretende ter o direito exclusivo sobre a voz do Senhor, não é capaz de ouvi-la”, enquanto, “pelo contrário, cada palavra deve ser recebida com gratidão e simplicidade, para se tornar um eco daquilo que Deus deu em benefício dos nossos irmãos”.
“Todos aqui se sentirão livres para se expressar tanto mais espontaneamente e livremente quanto mais perceberem ao seu redor a presença de amigos que os amam e respeitam, os apreciam e querem ouvir o que eles têm a dizer”, enfatizou Francisco.
Segundo o Papa, não se trata de “uma técnica facilitadora do diálogo ou de uma dinâmica de comunicação de grupo, porque abraçar, proteger e cuidar faz parte, de facto, da própria natureza da Igreja, que é pela sua própria vocação lugar de acolhimento e encontro, onde a caridade colegial exige perfeita harmonia, da qual deriva a sua força moral, a sua beleza espiritual, a sua exemplaridade”.
Antecipando os encontros e debates que acontecerão ao longo do mês com delegados de todo o mundo, Bergoglio especificou que “a Igreja precisa de “lugares pacíficos e abertos”, que se criam sobretudo nos corações, onde cada um se sinta acolhido como uma criança nos braços de sua mãe e como uma criatura segurada contra o rosto de seu pai.”
Assim, depois de marcar quais serão os limites do intercâmbio e das discussões, Francisco convidou a viver a Assembleia Sinodal “sob o sinal da escuta, da custódia recíproca e da humildade, a ouvir a voz do Espírito, a sentir-se acolhido e a acolher com amar e nunca perder de vista o olhar confiante, inocente e simples dos pequenos, cuja voz queremos ser e através dos quais o Senhor continua a apelar à nossa liberdade e à nossa necessidade de conversão”.
Celebramos esta Eucaristia na memória litúrgica dos santos Anjos da Guarda, na reabertura da sessão plenária do Sínodo dos Bispos. Na escuta do que a Palavra de Deus nos sugere, poderíamos tomar como ponto de partida para a nossa reflexão três imagens: a voz, o refúgio e a criança.
Primeiro, a voz. No caminho para a Terra Prometida, Deus aconselha o povo a ouvir a “voz do anjo” que Ele enviou (cf. Ex 23, 20-22). É uma imagem que nos toca de perto, porque o Sínodo é também um caminho em que o Senhor põe nas nossas mãos a história, os sonhos e as esperanças de um grande povo de irmãs e irmãos espalhados pelo mundo, animado pela nossa própria fé, movidos pelo mesmo desejo de santidade para que, com eles e através deles, procuremos compreender que caminho seguir para chegar onde Ele quer nos levar. Mas como podemos ouvir a “voz do anjo”?
Um caminho é certamente abordar com respeito e atenção, na oração e à luz da Palavra de Deus, todas as contribuições compiladas ao longo destes três anos de intenso trabalho, intercâmbio mútuo, debates e purificação paciente da mente e do coração. Trata-se, com a ajuda do Espírito Santo, de ouvir e compreender as vozes, isto é, as ideias, as expectativas, as propostas, para discernirmos juntos a voz de Deus que fala à Igreja (cf. Renato Corti, Que Padre?, notas não publicadas). Como repetidamente recordámos, a nossa assembleia não é uma assembleia parlamentar, mas um lugar de escuta em comunhão, onde, como diz São Gregório Magno, o que alguém tem parcialmente, outro possui completamente, e embora alguns tenham dons particulares, tudo pertence. aos irmãos na “caridade do Espírito” (cf. Homilias sobre os Evangelhos, XXXIV).
Para que isso aconteça, há, porém, uma condição: que nos libertemos daquilo que, em nós e entre nós, pode impedir que a “caridade do Espírito” crie harmonia na diversidade. Quem, com arrogância, presume e afirma ter o direito exclusivo sobre a voz do Senhor, não é capaz de ouvi-la (cf. Mc 9, 38-39). Pelo contrário, cada palavra deve ser acolhida com gratidão e simplicidade, para se tornar eco daquilo que Deus deu em benefício dos nossos irmãos (cf. Mt 10, 7-8). Especificamente, tenhamos o cuidado de não transformar as nossas contribuições em pontos a defender ou em agendas a impor, mas ofereçamo-las como presentes a partilhar, mesmo dispostos a sacrificar o que é particular, se isso puder servir para realizar, juntos, algo novo de acordo com o plano de Deus. Caso contrário, acabaremos encerrados em diálogos entre surdos, onde cada um tenta “levar água ao seu moinho” sem ouvir os outros e, sobretudo, sem ouvir a voz do Senhor.
Não somos nós que temos as soluções para os problemas que se apresentam, mas Ele (cf. Jo 14, 6), e lembremo-nos que no deserto não há brincadeira; Se alguém não prestar atenção ao guia, vangloriando-se de autossuficiência, poderá morrer de fome e sede, arrastando outros consigo. Escutemos, então, a voz de Deus e do seu anjo, se realmente queremos continuar o nosso caminho com segurança, além dos limites e das dificuldades (cf. Sl 23, 4).
Isto nos leva à segunda imagem, o abrigo. O seu símbolo são as asas que protegem: “debaixo das suas asas encontrarás refúgio” (Sl 91,4). As asas são instrumentos poderosos, capazes de levantar um corpo do chão com seus movimentos vigorosos. Mas, mesmo sendo tão fortes, também podem dobrar-se e estreitar-se, tornando-se escudo e ninho aconchegante para os filhotes, necessitados de calor e proteção.
Esta imagem é um símbolo daquilo que Deus faz por nós, mas também um modelo a seguir, especialmente neste tempo de assembleia. Entre nós, queridos irmãos, há muitas pessoas fortes, bem preparadas, capazes de subir às alturas com movimentos vigorosos de reflexão e intuições brilhantes. Tudo isto é uma riqueza que nos estimula, que nos impulsiona, que muitas vezes nos obriga a pensar mais abertamente e a avançar com decisão; Além disso, ajuda-nos a permanecer firmes na fé, mesmo diante de desafios e dificuldades. Mas é um dom que deve ser harmonizado, no momento certo, com a capacidade de relaxar os músculos e de se curvar, de nos oferecermos uns aos outros como abraço acolhedor e lugar de abrigo, e sermos, como disse São Paulo VI: “ uma casa." […] de irmãos, uma oficina de intensa atividade, um cenáculo de espiritualidade ardente" (Discurso ao Conselho da Presidência da CEI, 9 de maio de 1974).
Todos aqui se sentirão à vontade para se expressar tanto mais espontânea e livremente quanto mais perceberem ao seu redor a presença de amigos que os amam e respeitam, os apreciam e querem ouvir o que eles têm a dizer.
E para nós isto não é apenas uma técnica para “facilitar” o diálogo ou uma dinâmica de comunicação em grupo, porque abraçar, proteger e cuidar é, de fato, parte da própria natureza da Igreja, que é pela sua própria vocação um lugar de acolhimento e o encontro, onde “a caridade colegial exige uma harmonia perfeita, da qual deriva a sua força moral, a sua beleza espiritual, a sua exemplaridade” (ibid.). A Igreja precisa de “lugares pacíficos e abertos”, que se criam sobretudo nos corações, onde cada pessoa se sinta acolhida como uma criança nos braços da mãe (cf. Is 49,15; 66,13) e como uma criatura elevada. a face de seu pai (cf. Os 11.4; Sl 103.13).
E assim chegamos à terceira imagem, a da criança. É o próprio Jesus, no Evangelho, quem “o coloca no meio” dos discípulos, mostra-o a eles, convidando-os a converterem-se e a tornarem-se pequenos como Ele. Eles lhe perguntaram quem era o maior no reino dos céus; Ele responde encorajando-os a se tornarem pequenos como uma criança. Mas não só isso; Acrescenta também que quem recebe um filho em seu nome, recebe-o ele mesmo (cf. Mt 18, 1-5).
Este paradoxo é fundamental para nós. O Sínodo, dada a sua importância, pede-nos num certo sentido que sejamos “grandes” – na mente, no coração, nas perspectivas – porque as questões a abordar são “grandes” e delicadas, e os cenários em que se situam são amplo, universal. Mas precisamente por esta razão, não podemos permitir-nos desviar o olhar da criança, que Jesus continua a colocar no centro das nossas reuniões e mesas de trabalho, para nos lembrar que a única maneira de estar “à altura da tarefa” que tem sido a confiança que nos é dada é fazer-nos pequenos e acolher-nos, com humildade, como tais.
Lembremo-nos de que é fazendo-nos pequenos que Deus "nos mostra o que é a verdadeira grandeza, ainda mais, o que significa ser Deus" (Bento XVI, Homilia na festa do Batismo do Senhor, 11 de janeiro de 2009). Não é por acaso que Jesus diz que os anjos das crianças “no céu estão constantemente na presença do Pai celeste” (Mt 18,10); Ou seja, os anjos são como um “telescópio” do amor do Pai.
Peçamos, portanto, ao Senhor, nesta Eucaristia, que viva os dias que virão sob o sinal da escuta, da guarda mútua e da humildade, para ouvir a voz do Espírito, para se sentir acolhido e acolhido com amor, e para não perder nunca ver o olhar confiante, inocente e simples dos pequenos, cuja voz queremos ser, e através dos quais o Senhor continua a apelar à nossa liberdade e à nossa necessidade de conversão.
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Francisco pede que ninguém queira “impor agendas” durante o Sínodo e promete total liberdade de expressão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU