03 Outubro 2024
"'Vulnerabilidade' significa a capacidade de ser ferido, a abertura para o outro: o outro que está diante de nós e nos mostra seu rosto com suas feridas e seu choro também nos fere, nos faz sofrer e nos leva à compaixão, ao ‘sofrimento juntos’. Ser vulnerável é uma possibilidade de comunhão, a vulnerabilidade não só não exclui a fortaleza, mas pode nos incitar a adquirir essa virtude, necessária para ajudar o outro que sofre", escreve o monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado em La Repubblica, 30-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Antes de organizar debates e discussões sobre um tema frequentemente evocado hoje, como a “fragilidade”, é necessário fazer uma distinção entre fragilidade, fraqueza, vulnerabilidade e imperfeição. Caso contrário, haverá confusão e não haverá acesso a uma consciência que nos ajude em nosso caminho de crescimento humano. Certamente vivemos em um contexto de relativismo, de esquecimento das exigências morais e de fuga do esforço que favorece uma certa inércia que não pode deixar de se tornar fraqueza espiritual. Até mesmo o crescimento das ansiedades existenciais e dos medos diante da vida, do futuro, da morte, do fracasso, alimentaram um clima de depressão que leva à remoção de virtudes a serem alcançadas com esforço, enquanto encoraja a fragilidade.
Todos nós somos vulneráveis como seres humanos: mas a fragilidade é outra coisa e não deve ser confundida.
“Vulnerabilidade” significa a capacidade de ser ferido, a abertura para o outro: o outro que está diante de nós e nos mostra seu rosto com suas feridas e seu choro também nos fere, nos faz sofrer e nos leva à compaixão, ao ‘sofrimento juntos’. Ser vulnerável é uma possibilidade de comunhão, a vulnerabilidade não só não exclui a fortaleza, mas pode nos incitar a adquirir essa virtude, necessária para ajudar o outro que sofre.
A fragilidade, por outro lado, é o mal que nos atinge por causa da vida, da doença. Gostaríamos de nos “libertar” da fragilidade porque ela é um impedimento para a plenitude da vida. Hoje em dia, há um elogio à fragilidade que é insensato. A fortaleza é rejeitada por um mal-entendido: a fortaleza não é violência, não é um vil prevalecer sobre os outros, mas é a capacidade de resistência, firmeza, resiliência, paciência, makrotymía, a capacidade de continuar pensando grande. É por isso que as pessoas frágeis são reconhecidas por aqueles que sabem que são frágeis e são conhecidas no cara a cara, olhando-se nos olhos, ao segurar a mão com a mão. Abraçar um corpo disforme ou doente, dar a mão a um mendigo, dar um beijo em um pobre, acolher um viandante, é viver a bem-aventurança de quem reconhece e discerne o homem frágil, dizem os salmos da Bíblia.
E, por fim, podemos dizer que a fraqueza é uma consciência espiritual de nossa situação: somos sempre fracos, mas é verdade que em certos momentos afundamos em uma fraqueza que beira a morte. Apesar da luta contra a tentação, caímos na prática do mal, deixamos de fazer o bem, contradizemos o amor.
Gregório, o Grande, diz que se não fôssemos fracos e sujeitos a quedas e fracassos na vida, pensaríamos que o bem que fazemos vem de nós e não de Deus. E ele chega ao ponto de dizer com audácia que os pecados que cometemos são um remédio para o orgulho.
Mas é o grande São Bernardo que, depois de uma vida em que comandava o Papa e os reis, passa por uma crise: ele deixa o mosteiro e vai viver sozinho, em uma cabana na floresta. E lá ele confessa o fracasso de sua vida como monge por causa de seus pecados. Ele sai como um homem despojado e canta: O optanda infirmitas! Ó abençoada desejável fraqueza!
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Abençoada fraqueza. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU