09 Agosto 2024
A Igreja Católica enfrenta severa repressão do regime sandinista da Nicarágua por apoiar o movimento estudantil de 2018 e condenar abusos de direitos humanos. Ameaçados e assediados, mais de 200 líderes religiosos foram expulsos ou forçados a fugir, principalmente para a Costa Rica.
A reportagem é de Gilles Biassette, publicada por La Croix International, 08-08-2024.
A estrada para a fronteira é uma trilha de terra áspera, quase intransitável durante a estação chuvosa. Da cidadezinha mais próxima, Upala, leva cerca de 20 minutos esburacados para chegar à vila que une e separa os dois vizinhos. Uma bandeira azul e branca desbotada marca a entrada em solo nicaraguense; soldados do regime sandinista geralmente ficam de guarda em uma cabana pequena e deserta.
Ocasionalmente, os moradores de Upala enfrentam a jornada para comprar roupas, frutas e vegetais, que custam metade do preço nos barracos nicaraguenses em comparação com a Costa Rica. Por décadas, os trabalhadores sazonais “nica” viajaram para o outro lado. Sem eles, cana-de-açúcar, café e abacaxi apodreceriam nos campos. A importância dos nicaraguenses é comparada à dos mexicanos nos Estados Unidos: são eles que, sob um sol escaldante com umidade adicional, fazem o trabalho duro que os moradores locais não querem mais fazer.
Desde abril de 2018, Upala tem visto um novo tipo de nicaraguense: o exílio político. A rejeição das reformas econômicas apoiadas pelo FMI levou a uma repressão feroz, atingindo tanto Manágua quanto as províncias, forçando centenas de milhares ao exílio de um país com menos de 7 milhões de pessoas. Entre eles estão membros da única autoridade que enfrentou o regime: a Igreja Católica.
Em abril de 2018, padres abriram suas igrejas para estudantes caçados e, tanto quanto podiam, trataram ferimentos causados por cassetetes e balas sandinistas. Do púlpito, eles denunciaram inúmeros abusos de direitos humanos. À medida que o regime de Daniel Ortega decaía para a ditadura, essa resistência se tornou intolerável para o governo. Padres foram presos e severamente sentenciados, uma raridade em um país predominantemente católico. Temendo o pior, muitos clérigos não tiveram escolha a não ser fugir do país clandestinamente para a vizinha Costa Rica.
Um desses padres, agora refugiado em algum lugar da Costa Rica, fala anonimamente para evitar retaliações contra sua família em casa. “Ameaças e perseguições não pararam desde 2018”, disse ele. “Eu estava em Manágua quando a catedral foi atacada por sandinistas em 2019, e um padre ficou ferido.” Ao longo dos anos, a pressão sobre ele aumentou até agosto de 2023. “Forças antimotim foram à igreja onde eu ia fazer uma homilia. Pensei que iam me prender. Mas não aconteceu. Foi intimidação”.
Depois disso, o assédio foi constante. No fim do ano passado, por meio de um amigo próximo, ele soube de uma prisão iminente. Graças à intervenção de um parente, ele escapou por pouco da primeira tentativa de prendê-lo, já algemado como um criminoso. Um golpe de sorte. Ele então escolheu fugir, ignorando o conselho de seu bispo para se render. “É doloroso dizer isso, mas ele é um aliado do regime”, disse ele cautelosamente. “Muitas pessoas ao redor dele têm empregos graças ao regime”. Sob o manto da noite, pegando estradas secundárias para fugir da polícia e dos soldados sandinistas, ele deixou seus entes queridos para trás.
De acordo com o coletivo Nicarágua Nunca Mais, fundado por ativistas de direitos humanos exilados na Costa Rica, mais de 200 figuras religiosas foram forçadas a deixar a Nicarágua. Mais padres devem chegar deste lado da fronteira em breve. “Desde fevereiro de 2023, com a expulsão para os Estados Unidos e a retirada de 222 pessoas de sua cidadania , incluindo padres e seminaristas, um novo nível de repressão foi alcançado”, explicou Salvador Marenco, porta-voz do coletivo. “O objetivo agora é enfraquecer a igreja sistematicamente”.
Desde 2018, esses ataques assumiram várias formas. “Inicialmente, o regime usou ameaças e insultos”, explicou Marenco. “Então, em março de 2019, o exílio começou com a saída do bispo Silvio Baez, bispo auxiliar de Manágua, ameaçado de morte. Foi também a época dos primeiros fechamentos de organizações católicas e agressões físicas”.
Em março de 2022, houve uma ruptura com a expulsão do núncio apostólico. Padres foram presos; dom Rolando Álvarez, de Matagalpa, foi preso, e universidades católicas foram fechadas. De acordo com Nicarágua Nunca Mais, “o sistema de justiça processou 65 figuras religiosas, e mais de 400 organizações afiliadas à igreja foram fechadas”.
Hoje, até mesmo os fiéis são alvos das autoridades, embora a igreja permaneça em silêncio, provavelmente devido às negociações entre o Vaticano e o regime. De acordo com algumas fontes, 13 pessoas foram recentemente condenadas por comparecer a eventos religiosos, com poucos detalhes disponíveis. Inicialmente, o regime buscou associar o poder político às principais celebrações católicas, especialmente procissões, que são significativas na Nicarágua. Por exemplo, um prefeito evangélico presidiu a procissão de Santo Domingo em Manágua.
Mas desde então, novas restrições foram impostas à liberdade religiosa. "Eles primeiro limitaram a procissão ao redor das igrejas", disse Nuriz Sequeira, uma ativista camponesa do sul do país que agora é refugiada em Upala. "Agora, nem é possível: as procissões só podem ser realizadas dentro das igrejas." Para o velho ditador sandinista Daniel Ortega, o catolicismo deve desaparecer da paisagem em todas as suas formas.
Alguns na comunidade nicaraguense exilada na Costa Rica temem a presença de homens leais à ditadura sandinista em San José.
É comum encontrar homens na comunidade de exilados nicaraguenses na Costa Rica que são mais ansiosos do que outros. Quando andam pela Avenida Central em San José ou pelo pitoresco mercado central, eles tendem a ficar de costas, cautelosos com suas sombras e evitando ruas escuras. Eles falam de vigilância mais ou menos discreta e ameaças mais ou menos diretas.
Isso é ansiedade desnecessária ou precauções justificadas? Anos de repressão levaram esses dissidentes à paranoia ou eles aguçaram seus instintos de sobrevivência? Agentes especiais de Manágua estão realmente espreitando em algum lugar em San José ou em outro lugar, prontos para atacar exilados abrigados no vizinho do sul? Eles são responsáveis pelos dois incidentes de tiroteio em 2021 e 2024 contra Joao Maldonado, que fugiu em 2018 após participar ativamente do movimento de protesto em sua cidade de Jinotepe?
Essas perguntas permanecem sem resposta. É impossível decidir. No caso Maldonado, a justiça costarriquenha está investigando, mas nenhum suspeito foi preso até agora. Os dois ataques foram motivados politicamente ou por outros motivos? Muitos pontos precisam ser esclarecidos, especialmente porque o exilado, gravemente ferido em janeiro passado junto com sua esposa, deveria estar sob proteção do Estado.
Para saber mais, várias organizações apelaram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, um órgão da Organização dos Estados Americanos, para discutir a “perseguição transfronteiriça” e as medidas que a Costa Rica deveria potencialmente tomar. Enquanto isso, espera-se que o casal Maldonado se exile novamente, desta vez para os Estados Unidos.
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Igreja no exílio: Sair é a única solução para escapar da opressão sandinista na Nicarágua - Instituto Humanitas Unisinos - IHU