09 Agosto 2024
"Além de todo este rastro de brutal devastação, o agronegócio não se autossustenta, pois recebe do Governo Federal todo ano quase 500 bilhões de reais, não paga imposto, pois não produz alimento, mas apenas commodities, que, segundo a Lei Kandir, são isentas do pagamento de ICM . O Estado de Minas Gerais, nos últimos 26 anos, deixou de arrecadar cerca de 170 bilhões de reais de ICM das mineradoras, que também não pagam ICM, pois minério é commodities, produto primário para exportação", escreve Gilvander Moreira.
Gilvander é frei e padre da Ordem dos Carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia Bíblica no Serviço de Animação Bíblica, em Belo Horizonte.
Na Ocupação Chico Rei, em Ouro Preto, Minas Gerais, dia 28 de julho deste ano de 2024, celebramos e festejamos a conquista de 90 apartamentos pelo Minha Casa Minha Vida, com luta coletiva aguerrida pela moradia, iniciada no Natal de 2016, nove anos atrás. Em Ouro Preto, se reproduz cotidianamente, há séculos, uma brutal desigualdade socioeconômica, configurando na realidade a existência de várias Ouro Preto:
a) a Ouro Preto mostrada aos turistas;
b) a Ouro Preto Universitária com milhares de estudantes na Universidade Federal de Ouro Preto, a UFOP;
c) a Ouro Preto dos morros, das periferias, onde resiste há séculos o povo negro quilombola, sob as agruras de um brutal déficit habitacional.
Em Ouro Preto, mais de 300 famílias recebem auxílio aluguel mensal de 700 reais; em Belo Horizonte, cerca de 10 mil famílias recebem apenas 500 reais por mês de auxílio moradia, o que é insuficiente para se pagar um aluguel. O melhor é oferecer moradia digna para todas as famílias e pessoas, sem precisar de auxílio moradia, que é paliativo que inflaciona o preço dos alugueis, desestimula lutas coletivas e repassa renda para quem é dono dos barracos. Com o apoio do Movimento dos/as Trabalhadores/as Sem-Teto - MTST e a uma grande Rede de Apoio, o prefeito atual de Ouro Preto desapropriou 14,5 mil metros2 de terras da empresa Novelis, onde serão construídos em breve os 90 apartamentos. Muito mais terra precisa ser desapropriada e destinada à moradia popular.
Dia 04 de agosto de 2024, celebramos no Acampamento/Comunidade José Bandeira, em Pirapora, Minas Gerais, a conquista da Fazenda da Prata, com quase 3.000 hectares, por quase 200 famílias Sem Terra em luta pela terra há 21 anos. A Fazenda da Prata estava abandonada, ociosa, sem cumprir sua função social há muitas décadas. Em 1998, famílias sem-terra escravizadas pelo latifúndio ocuparam a Fazenda da Prata, prensados pela necessidade, mas sem uma organização consistente, foram despejados logo em seguida. Em 05 de agosto de 2003, sob coordenação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, a fazenda da Prata foi ocupada para valer, de forma organizada. Após 10 anos sob coordenação do MST, o acompanhamento da luta foi passado para a Frente Nacional de Luta no Campo e na Cidade - FNL que segue firme na organização da Comunidade José Bandeira.
Em 2010 houve um despejo, mas as famílias sem-terra reocuparam a Fazenda da Prata, situada distante poucos quilômetros da cidade de Pirapora e à beira do Rio São Francisco. Nos últimos 21 anos, a organização interna da Comunidade José Bandeira e produção têm se desenvolvido. Semanalmente as famílias acampadas levam verduras, legumes, frutas, mandioca, milho, feijão, entre outros alimentos, para a Feira na cidade de Pirapora. É o povo do campo, da luta pela Reforma Agrária Popular, alimentando a cidade com alimentos saudáveis, sem agrotóxicos, produzidos em cultivo agroecológico. De fato, “se o campo não planta, a cidade não janta!”
A superintendente do INCRA/MG, Neila Batista, esteve presente na celebração da Comunidade José Bandeira e informou a todos/as e todes que o Governo Federal do Presidente Lula já pagou 21 milhões de reais na semana passada pela Fazenda da Prata. A imissão na posse acontecerá em breve. O INCRA/MG, nas próximas semanas, fará o cadastro das famílias para efetivar o assentamento da Comunidade José Bandeira, no grande latifúndio que era a Fazenda da Prata. Importante recordar que José Bandeira foi um trabalhador rural assalariado que morreu trabalhando exaustivamente e sendo escravizado na Fazenda da Prata. Como sinal de que a luta pela Reforma Agrária Popular leva à superação de relações sociais escravocratas, a Comunidade resolveu ser “batizada” como Comunidade José Bandeira, em homenagem ao trabalhador José Bandeira.
A prefeitura de Pirapora, com um prefeito sensato, está realizando um projeto social simples e significativo: repassa 100 mil reais para mil famílias empobrecidas, cadastradas no CAD-único. Cada família recebe por mês 100 reais para comprar verduras, legumes e frutas de 48 pequenos produtores cadastrados neste programa; a maioria de famílias “pré-assentadas na Comunidade José Bandeira. Cada família recebe o valor em um cartão que lhe habilita a comprar dos pequenos agricultores cadastrados no programa. Assim, com este programa incentiva-se a cultura de comer verduras, legumes e frutas, pois cada família tem 25 reais para comprar verduras, frutas e legumes, por semana, 100 reais por mês. Os pequenos produtores vendem mais e, deste modo, são estimulados a aumentar a produção. Eis um exemplo bom que precisa ser seguido por todas as prefeituras. Um jeito bom de combater a fome, apoiar a agricultura familiar, aquecer o comércio local, gerando um pouco de dignidade para as famílias.
Eis um exemplo de luta pela Reforma Agrária e Agricultura Familiar gerando vida, enquanto o agronegócio, como dragão do Apocalipse, segue gerando morte, pois invade terras que deveriam ser da agricultura familiar, desertifica os territórios desmatando todos os biomas, envenena com exagero de agrotóxicos a terra, as águas, o ar e os alimentos, usa muitas vezes trabalho escravo, enxota o campesinato para as periferias das cidades, aprofunda as mudanças climáticas e fomenta os eventos extremos atiçando a Emergência Climática.
Além de todo este rastro de brutal devastação, o agronegócio não se autossustenta, pois recebe do Governo Federal todo ano quase 500 bilhões de reais, não paga imposto, pois não produz alimento, mas apenas commodities, que, segundo a Lei Kandir, são isentas do pagamento de ICM . O Estado de Minas Gerais, nos últimos 26 anos, deixou de arrecadar cerca de 170 bilhões de reais de ICM das mineradoras, que também não pagam ICM, pois minério é commodities, produto primário para exportação. Estes 170 bilhões de reais seria o suficiente para o estado de Minas Gerais pagar a dívida que Minas Gerais tem com o Governo Federal (União), sem ter que abrir mão da COPASA, CEMIG e nem cortar salários do funcionalismo público. Sem pagar ICM, os empresários das monoculturas da soja seguem esgotando as fontes de água e causando uma brutal sojeira social.
No município de Uruana de Minas, Minas Gerais, a cachoeira da Jiboia, com 144 metros, tipo véu da noiva, a mais bela do noroeste de Minas Gerais, está sendo dizimada por causa do agronegócio da monocultura da soja nos municípios de Unaí e Uruana, que estão matando suas nascentes, veredas e brejos que a irrigam. Modelo econômico estúpido que só acumula capital para uma minoria enquanto mata as condições de vida para a maioria! Assim, entra ano e sai ano, segue o lema: importa importar, mas, injustamente amputando as condições de vida das próximas gerações.
Em Nova Resende, no sudoeste de Minas Gerais, funcionou o Projeto Cidadão Consciente, de 2008 a 2016, sob coordenação de lideranças das Comunidades Eclesiais de Base - CEBs e do Partido dos Trabalhadores, inspirados nos ensinamentos libertadores do nosso saudoso e inesquecível padre José Luiz Gonzaga do Prado, um grande biblista da Teologia da Libertação. O projeto incentivava o uso de lotes vagos para produção de hortas pelos desempregados. Além de manter viva uma grande horta como exemplo a ser seguido pelo povo, a prefeitura, governada pelo PT, oferecia água para regar as hortas e caminhões para buscar esterco nas fazendas. A Secretaria da Assistência Social da prefeitura organizou e mantinha um Mercadinho Popular, que comprava as hortaliças produzidas na horta da prefeitura, nas hortas em lotes vagos e principalmente produzidas por famílias de agricultores familiares do município. As pessoas que recolhiam resíduos sólidos para a reciclagem, ao levar ao Centro de Reciclagem que funcionava em parceria da prefeitura com uma Associação de Catadores, recebia um Vale que podia ser trocado por verduras e legumes no Mercadinho Popular. Assim, o Projeto Cidadão Consciente estimulava a coleta seletiva de resíduos sólidos, apoiava a agricultura familiar, gerava renda para pessoas desempregadas com a produção das hortas. Ah! A Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB, do Governo Federal, apoiava este projeto. Injustamente, a administração municipal atual, de direita, asfixiou e quase acabou com este projeto que gerava vida sob vários aspectos. Eis outro exemplo que precisa ser resgatado e implementado em todos os municípios do Brasil.
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Exemplos a serem seguidos nas eleições - Instituto Humanitas Unisinos - IHU