08 Agosto 2024
"Bem antes de 7 de outubro e antes do início da ofensiva israelense em Gaza, Smotrich nunca escondeu seu desejo de aniquilar os palestinos. Um caso marcante foi o de 26 de fevereiro de 2023, quando centenas de israelenses de extrema direita incendiaram dezenas de casas, currais, lojas e veículos em Hawwara, na Cisjordânia ocupada. Muitos moradores da cidade fugiram para evitar serem queimados vivos", escreve Francesca Mannocchi em La Stampa, 07-08-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na segunda-feira, milhares de pessoas se reuniram na praça de Tel Aviv para comemorar o quinto aniversário de Ariel Bibas, o aniversariante ausente, sequestrado em 7 de outubro do kibutz de Nir Oz, junto com sua mãe, seu pai e seu irmão mais novo, que nem tinha um ano de idade. Os manifestantes seguravam balões laranjas para representar a cor do cabelo de Ariel Bibas, cujo rosto se tornou um dos símbolos desses meses e dos protestos que todos os sábados levam dezenas de milhares de israelenses às ruas exigindo a renúncia do primeiro-ministro Netanyahu e um acordo para trazer de volta os reféns ainda vivos e os corpos daqueles que não sobreviveram.
O vídeo do sequestro mostra a mãe de Ariel, Shiri, 33 anos, segurando as crianças firmemente em um cobertor e sendo arrastada por homens armados.
Nem ela nem as crianças foram libertadas durante as negociações de novembro, nas quais o Hamas devolveu 105 reféns, incluindo mulheres e crianças, às suas famílias. O Hamas depois alegou que as crianças estavam mortas, mas as forças de segurança israelenses sempre afirmaram que não havia provas disso e que o Hamas só queria criar "terror psicológico".
A avó das crianças, Pnina Bibas, algumas horas antes da manifestação de ontem, divulgou uma carta pública endereçada ao pequeno: "O mundo ao nosso redor continua girando, mas o tempo parece ter parado sem você".
Em seguida, fez um novo apelo a Netanyahu: “O destino deles está em suas mãos. Há um acordo sobre a mesa que você aceitou. Não faça mudanças, não estabeleça novas linhas vermelhas. Não hesite e não demore. Tragam-nos para casa".
No mesmo dia, o ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, voltou a deslegitimar qualquer possibilidade de negociação, falando sobre os reféns e disse: "Temos uma responsabilidade, queremos trazer os reféns de volta, mas um acordo só devolveria poucos prisioneiros e selaria o destino da maioria deles, que continuariam prisioneiros em Gaza".
Na segunda-feira, foi realizada a conferência anual de Katif (Kenes Katif), que recebe o nome de Gush Katif, o bloco de dezessete assentamentos israelenses na Faixa de Gaza, desmantelados durante o plano de retirada unilateral decidido em agosto de 2005 pelo então primeiro-ministro Sharon.
Para a extrema direita israelense, a retirada de Gaza é uma ferida que precisa ser curada. Uma conferência semelhante foi realizada em janeiro em Jerusalém e lá também, na primeira fila e no palco, estavam os ministros da ultradireita sionista do governo de Netanyahu. Então Smotrich disse do palco: "É hora de retomar Gaza, depois do erro fatal do abando de 2005".
Há dois dias, ele voltou a falar do reassentamento de Gaza: "Se houvesse um assentamento judaico em Gush Katif, o massacre de 7 de outubro não teria acontecido. Onde não há assentamento, há terror". Portanto, disse ele, o empenho é reconstruir a área de fronteira de Gaza e torná-la parte inseparável de Israel, ou seja, ocupá-la. Smotrich sabe que os objetivos declarados da guerra são o desmantelamento do Hamas e o retorno dos reféns, e ele não perdeu a oportunidade de atacar aqueles que estão se manifestando há nove meses para obter um acordo. Sempre na segunda-feira, ele definiu os manifestantes israelenses como pessoas "irresponsáveis que vêm enfraquecendo a posição israelense há meses" porque querem um acordo que traga os reféns de volta "agora e a qualquer custo". Mas Netanyahu, pelo menos publicamente, tem se distanciado repetidamente do cenário de um retorno dos colonos a Gaza, definindo-o de irrealista.
Com relação aos reféns, Smotrich tem uma solução, nunca expressa de forma tão explícita. O acordo, para ele, é apenas uma forma de colocar Israel em perigo, pois significaria o retorno de poucos reféns para casa, e permitir o aceso das ajudas humanitárias apenas fortaleceria o Hamas. Para trazer para casa os reféns, Smotrich vê apenas uma maneira: impedir a entrada de alimentos para dois milhões de pessoas em risco de fome.
"Estamos levando ajudas porque não há escolha", disse na conferência em Yad Binyamin, "ninguém nos permitirá causar a fome de dois milhões de civis, mesmo que isso poderia ser justificado e moral, até que nossos reféns sejam devolvidos". Justificado e moral.
Essa não é a primeira vez, desde o início da guerra, que Smotrich usa palavras impronunciáveis. Em abril, tinha invocado a "aniquilação total" das cidades de Rafah, Deir al-Balah e Nuseirat, na Faixa de Gaza. Ele disse que Israel precisava atacar Rafah "o mais rápido e com a maior força possível, e depois continuar com a Faixa até sua completa destruição".
Bem antes de 7 de outubro e antes do início da ofensiva israelense em Gaza, Smotrich nunca escondeu seu desejo de aniquilar os palestinos. Um caso marcante foi o de 26 de fevereiro de 2023, quando centenas de israelenses de extrema direita incendiaram dezenas de casas, currais, lojas e veículos em Hawwara, na Cisjordânia ocupada. Muitos moradores da cidade fugiram para evitar serem queimados vivos. Três dias após o ataque, Smotrich, já ex-ministro, disse: "O vilarejo de Huwwara deve ser aniquilado. Mas acho que deveria ser o Estado de Israel a fazer isso, não cidadãos privados".
Dois anos antes, como membro do Knesset e não ainda no governo, ele disse que os palestinos ainda estavam em Israel "por engano" porque Ben Gurion não havia concluído o trabalho de 1948.
Em 2016, justificou o assassinato de um adolescente palestino, Mohammed Abu Khdeir, como parte de uma "justa vingança", argumentando que os judeus podem tomar atitudes drásticas, sim, mas que não agem por racismo, mas por causa de um vácuo deixado pelo Estado que não "realiza represálias de maneira legítima".
Portanto, as declarações feitas no outro dia, a fome dos palestinos como escolha "justificada e moral" para libertar os reféns, fazem parte de um projeto mais amplo, que Smotrich quase nunca chama de "anexação", mas que nunca prevê a existência de um Estado palestino. Como ele disse ao jornal Haaretz em uma entrevista há sete anos, um Estado palestino seria equivalente a dividir Israel; absorver a Cisjordânia em Israel é "unificação".
Para unificar, hoje, ele olha, por um lado, para Gaza, com o sonho de um retorno a Gush Katif, e, por outro lado, para as colônias na Cisjordânia, sobre as quais têm competência. Seu objetivo é ampliar a presença dos colonos e desintegrar a Autoridade Palestina. Na primeira frente, protege os assentamentos (menos de um décimo dos 395 casos registrados de construção ilegal de colonos em 2023 resultou na demolição de um prédio) e não condena nem pede para sancionar a violência dos colonos contra os palestinos; na segunda frente, a intenção explícita é estrangular financeiramente a Autoridade Palestina, e mais da metade da receita da qual a AP depende vem de impostos alfandegários e outros impostos que Israel cobra antes de transferir o dinheiro para Ramallah.
Após o início da guerra em Gaza, Smotrich triplicou as deduções mensais para 600 milhões de shekels, cerca de 60% do total da transferência mensal. Ontem, contudo, ordenou o confisco de outros 100 milhões de shekels da Autoridade Palestina: "A luta contra o terrorismo não é apenas no plano militar, mas inclui uma guerra contra os fundos para o terrorismo". A liderança da Defesa desde sempre foi muito crítica em relação às medidas de Smotrich, consideradas - com razão - os estopins de uma nova Intifada, mas Netanyahu sabe que precisa do apoio do partido de Smotrich (que tem sete assentos no Knesset) para continuar a ter maioria e permanecer no poder. O dilema do prisioneiro
Quem descreveu isso em um editorial do mês passado, foi o jornal israelense Jerusalem Post, referindo-se à influência da ultradireita sobre o primeiro-ministro Netanyahu: "eles estão se aproveitando de um primeiro-ministro fraco e completamente cínico, que faria qualquer coisa para permanecer no poder, inclusive sacrificar 120 reféns e prejudicar mortalmente os interesses mais vitais de Israel".
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A arma da fome para esvaziar Gaza. Artigo de Francesca Mannocchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU