Entidade reforça que lei, que é inconstitucional mas está em vigor, tem aumentado a violência contra Povos Indígenas e por isso deve ser imediatamente suspensa.
A reportagem é publicada por ClimaInfo, 07-08-2024.
Na 1ª reunião da “conciliação” estabelecida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes sobre a lei do marco temporal – tese que a própria Corte já decidiu ser inconstitucional –, indígenas foram barrados na porta do STF e tiveram de lidar com parlamentares defensores da legislação como representantes da Câmara. Ainda assim, mais uma vez deixaram claro o absurdo da tentativa de conciliar algo que não é negociável: os Direitos Indígenas aos seus territórios.
Por isso a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) cobrou na “mesa do Gilmar” a suspensão imediata da lei 14.701/2023, aprovada pelo Congresso, que estabeleceu o marco temporal. E avalia abandonar a “conciliação” se a lei inconstitucional continuar vigente, informam Metrópoles, Agência Brasil, Brasil de Fato, O Globo, Terra, SBT, CNN, Poder 360 e BNC Amazonas, já que uma nova reunião foi marcada para 28 de agosto.
Para o coordenador executivo da APIB, Kléber Karipuna, a suspensão da lei do genocídio indígena é fundamental para que Povos não sejam atacados. A violência contra indígenas vem escalando nas últimas semanas, com ataques aos povos Guarani-Kaiowá (MS), Ava Guarani (PR) e Kaingang (RS).
“Não tem cabimento uma câmara de conciliação sobre uma lei que está vigente, causando efeitos no território, estamos tentando dialogar sobre uma lei que está assassinando nossos irmãos. Nosso posicionamento é a suspensão (da lei 14.701) para que possamos continuar no processo. Não havendo a suspensão, a gente continua com a insegurança jurídica sobre os territórios, os Povos Indígenas sendo atacados”, explicou Karipuna.
O coordenador da APIB também disse que os indígenas não aceitam uma eventual flexibilização favorável ao marco temporal. “É inegociável. Para a gente, a posição do Supremo no ano passado é clara, que, por 9 a 2, decidiu pela inconstitucionalidade da tese”, completou.
O governo federal, que também participa da “conciliação”, tem posição similar. Segundo o Valor, a derrubada do marco temporal é inegociável para o Planalto. No entanto – e aí é que mora o perigo –, está disposto a discutir temas adjacentes, como valores e formas de indenização das terras a não indígenas, exploração econômica e a retomada de terras.
A Advocacia-Geral da União (AGU) manifestou nos autos preocupação sobre a negociação de Direitos Indígenas e já adiantou que só pode conciliar sobre aspectos patrimoniais e direitos disponíveis. Nesse escopo, a União pode, por exemplo, chegar a um acordo sobre indenizações de terras ocupadas de boa-fé por não indígenas, mas consideradas Terras Tradicionais. Uma das propostas que pode surgir é a de a União indenizar não somente as benfeitorias, como construções, mas também a terra nua com valor de mercado.
Outro tópico negociável é a possibilidade da exploração de atividades econômicas em Terras Indígenas e os seus limites, caso haja interesse dos Povos. O futuro das retomadas – Terras Tradicionais ocupadas por não indígenas – também pode aparecer nas negociações. Há um pedido para que os não indígenas não sejam desapossados antes da formalização da demarcação.
Independentemente da posição do governo, o fato é que a “conciliação” proposta por Gilmar Mendes é inexplicável. Maria Victoria Benevides, José Carlos Dias e Fábio Konder Comparato, da Comissão Arns, reiteram que a mesa é um grave equívoco, pois os Direitos Indígenas são inalienáveis e inegociáveis. Mas há algo a mais em risco: a nossa sobrevivência neste planeta.
“Não são apenas os Direitos dos Indígenas que estão em jogo. As Terras Indígenas são barreiras ao desmatamento e, portanto, a mudanças e desastres climáticos que comprometem o sucesso da agricultura. Também constituem a maior proteção à nossa riquíssima biodiversidade. Com terra suficiente, as formas tradicionais de agricultura indígena garantem a regeneração da floresta e a abundância de comida. Os indígenas podem não ter dinheiro, mas não são pobres. E são hoje guardiões do nosso futuro. O Brasil precisa dos Territórios Indígenas e do modo tradicional indígena de conservá-los”, destacam em artigo na Folha.