31 Julho 2024
No dia 20 de junho de 2024, a aula magna do Departamento de Engenharia Informática, Automática e de Gestão (DIAG, na sigla em italiano) da Universidade de Roma “La Sapienza” foi palco de uma mesa-redonda dedicada ao tema “IA e emprego feminino: oportunidades e ameaças”.
O comentário é de Tiziana Catarci, professora de Ciência e Engenharia da Computação na Universidade de Roma “La Sapienza”. O artigo foi publicado em Rewriters, 27-07-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O encontro abriu uma reflexão sobre as implicações que a inteligência artificial terá no trabalho feminino no futuro imediato. A mesa-redonda foi moderada por Daniela Carlà, da associação Noi Rete Donne, que sublinhou a importância do diálogo multidisciplinar para compreender como podemos agir concretamente no presente e fazer com que as oportunidades oferecidas pela IA prevaleçam sobre as ameaças.
O debate partiu de uma premissa específica, que desmente as críticas alarmantes que se ouvem em vários lugares quando se fala do impacto da IA no mundo do trabalho: de fato, foi levantado que o número de postos de trabalho perdidos será inferior aos criados. O risco não está tanto no nível quantitativo, mas sim no qualitativo: quais postos de trabalho serão perdidos e quais terão de ser ocupados? E que impacto essa reconfiguração do mercado de trabalho terá em uma perspectiva de gênero?
Tal foi salientado várias vezes durante a mesa-redonda, as repercussões da IA no mundo do trabalho afetarão principalmente as tarefas para as quais está prevista uma qualificação profissional menor, ou seja, os trabalhos em que a taxa de ocupação feminina é mais alta atualmente.
Em suma, o risco que surge no horizonte é que a utilização da IA acabe tornando supérfluos justamente os tipos de ocupação em que as mulheres estão mais envolvidas. Um dos pontos centrais que emergiu do debate, de fato, é que os sistemas de IA tendem a replicar o atual e o existente. O verdadeiro risco, então, é que disparidades de tratamento já existentes na realidade sejam reproduzidas e exacerbadas, não só nas profissões menos qualificadas, mas também em todos os níveis de recrutamento de pessoal. A partir desse ponto de vista, confiar os processos decisórios aos sistemas automáticos também pode ser problemático do ponto de vista do gênero, uma vez que estes podem ter aprendido e assumido alguns estereótipos.
Durante a mesa-redonda, foi relembrada uma experiência muito significativa em que um sistema de IA, ao ser solicitado a gerar uma reunião entre gestores, havia produzido uma imagem em que a maioria das pessoas sentadas ao redor da mesa eram do sexo masculino. Com efeito, apesar dos grandes avanços dos últimos anos, a IA generativa continua produzindo vieses, como revelou um estudo recente da Unesco.
O cenário menos ameaçador é sem dúvida o do setor público, como explicou Antonio Naddeo, da Aran (Agência de Representação de Negociação das Administrações Públicas). No setor público, o risco de perda de postos de trabalho é mínimo, e o impacto da IA se traduzirá em uma necessidade de realocação de quem realiza tarefas mais simples. Na opinião dele, nesse campo de trabalho, a IA representa acima de tudo uma oportunidade para favorecer o emprego feminino.
O quadro do trabalho privado é mais complexo, como observou Tiziana Dell’Orto, da EY Foundation, que relembrou alguns dados. Em 2023, apenas 53% das mulheres estavam empregadas na Itália, em comparação com uma média europeia de ocupação feminina de 65%, ao mesmo tempo que 85% das empresas identificavam a falta de mão de obra qualificada como um problema.
Na Itália, 2,5% dos empregos disponíveis não estão ocupados: existe, portanto, um potencial ocupacional para as mulheres e para os chamados NEET (indivíduos not in Education, Employment or Training).
O advento da IA pode ser uma oportunidade, mas é preciso levar em conta outro fato, ou seja, a falta de presença feminina na área STEM e em particular nas TICs. Esse dado representa um fator de risco na medida em que se estima um crescimento da demanda de trabalho e, sobretudo, a transformação dessa demanda.
Cerca de 80% dos perfis profissionais do futuro não serão como os de hoje, mas exigirão competências diferentes. Essa transformação levanta dificuldades quando comparada com os dados do potencial ocupacional.
De fato, o problema estrutural é que o mercado de trabalho está continuamente correndo atrás da tecnologia, enquanto os programas universitários podem não ter a mesma velocidade de adaptação, levando a uma discrepância entre as competências adquiridas e as exigidas.
A ameaça, em uma perspectiva de gênero, é que as mulheres estejam hoje empregadas precisamente nos setores com o maior risco de perda, e sua presença é minoritária no setor das TICs, ou seja, naquele em que se espera a maioria dos novos empregos do futuro.
Do ponto de vista jurídico, o impacto da IA sobre o mundo do trabalho também oferece perspectivas positivas e negativas. Quem falou sobre isso foi a professora Maria Cristina Cataudella, da Universidade de Roma Tor Vergata. Um aspecto abordado foi a possibilidade de aumentar o trabalho remoto que a IA poderia encorajar, embora, por outro lado, isso levante o risco de tornar o trabalho uma atividade pervasiva demais, confundindo a fronteira com a vida privada.
A professora Cataudella sublinhou a necessidade de regulamentar a igualdade de oportunidades no acesso aos novos postos de trabalho e de evitar as discriminações algorítmicas também em nível normativo.
A professora Ines Crispini, da Universidade da Calábria, apresentou o ponto de vista da filosofia, apontando a perspectiva de uma verdadeira revolução tecnológica e, portanto, cultural, que põe em causa a ética como instituição social que traz consigo um conjunto de regras. As discriminações encontradas derivam de um espelhamento do existente, em que o sistema de planejamento do nosso futuro é governado por homens.
O trabalho feminino, assim como o oxigênio, torna-se mais raro à medida que se sobe, excluindo as mulheres dos cargos mais altos. A razão desse fenômeno não deve ser procurada apenas nas distorções do sistema de recrutamento, mas também na brecha de ego entre homens e mulheres. A exortação, portanto, é a transformar a disparidade de gênero no mundo do trabalho, agindo na autorrepresentação feminina, quebrando o teto de vidro que muitas vezes é introjetado pelas mulheres desde os primeiros anos de escola.
Paolo Pennesi, da Inspetoria Nacional do Trabalho da Itália, destacou algumas aplicações práticas da IA nos em contextos de trabalho menos suspeitos, como os canteiros de obras. Nesse caso, a tecnologia pode melhorar a formação de novos trabalhadores, o monitoramento e a segurança dos operadores. O risco de gênero, nessa vertente específica, diz respeito sobretudo ao fato de os protocolos de segurança serem padronizados para sujeitos do sexo masculino, sendo, portanto, menos eficazes quando aplicados a trabalhadoras do sexo feminino.
Uma perspectiva moderadamente otimista foi a da professora Antonella Poggi, da Sapienza, que entrevê novas oportunidades nas profissões ligadas à IA. Especificamente, as novas tarefas dirão respeito a quatro domínios diferentes: o desenvolvimento, a formação, o monitoramento e a utilização da IA.
Observando o estado atual do mundo do trabalho, é difícil imaginar um alto percentual de empregos femininos nos setores do desenvolvimento e da utilização, enquanto parece se abrir um espaço maior nos setores da formação e do monitoramento dos sistemas, tarefas que exigem competências criativas multitarefa e organizacionais, nas quais as mulheres geralmente têm um bom desempenho.
Essa perspectiva só pode se concretizar com um investimento na formação. Nesse sentido, começaram a ser realizados alguns cursos universitários transversais e multidisciplinares, incluindo o curso de licenciatura em Filosofia e Inteligência Artificial, organizado pelo Departamento de Filosofia e pelo DIAG da Sapienza.
O encontro terminou com a exortação da professora Patrizia Tullini, da Universidade de Bolonha, a não pensar a questão do emprego feminino a partir de uma perspectiva da carência por parte das mulheres. Partir do pressuposto de que as trabalhadoras não possuem características que os homens possuem levanta a questão da concorrência contínua, pondo em segundo plano as qualidades e as competências tipicamente femininas, cuja carência nunca é criticada em relação aos homens.
A mesa-redonda permitiu evidenciar, mediante perspectivas e abordagens até mesmo muito distantes entre si, as reais oportunidades e ameaças representadas pela entrada maciça da IA no mundo do trabalho. O aspecto mais importante que emergiu do debate entre os vários palestrantes foi, sem dúvida, que a IA não cria desigualdades, mas amplifica aquelas já inerentes à sociedade.
Portanto, deve-se dirigir uma atenção vigilante não só às novas tecnologias e ao seu desenvolvimento, mas também é preciso continuar agindo sobre o que já existe, desconstruindo sobretudo a representação e a autorrepresentação das mulheres e de suas possibilidades no mundo do trabalho.
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Inteligência artificial e emprego feminino: oportunidades e ameaças - Instituto Humanitas Unisinos - IHU