26 Julho 2024
A prefeitura de Porto Alegre anunciou nesta semana uma parceria com a universidade holandesa TU-Delft para um trabalho no bairro Arquipélago, que compreende a região das Ilhas, uma das mais atingidas pela enchente de maio. De acordo com o município, serão investidos R$ 7,35 milhões no projeto, através do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Os recursos serão encaminhados ao PNUD, que fará as contratações.
A reportagem é de Tiago Medina, publicada por Matinal, 25-07-2024.
O valor equivale a cerca de 66% do que a prefeitura investiu na revisão do Plano Diretor, R$ 10.980.199,97, conforme contrato assinado na gestão de Nelson Marchezan Júnior (PSDB). O Plano Diretor é a lei com o regramento urbanístico que rege o desenvolvimento da cidade. Atrasada desde a pandemia, a revisão do plano – que, por lei, deve ocorrer a cada dez anos – segue em andamento e o projeto com as novas diretrizes só deve ser encaminhado à Câmara Municipal após a eleição de outubro. Apesar de eventuais propostas dos holandeses dialogarem com assuntos do plano, o cronograma da revisão não deve ser mais alterado, segundo a prefeitura.
A atuação dos pesquisadores holandeses na capital consiste no desenvolvimento de dois planos, um emergencial e outro urbanístico – a segunda etapa deve durar 18 meses. A coordenação dos trabalhos no bairro Arquipélago ficará a cargo da arquiteta e urbanista gaúcha Taneha Bacchin, professora na TU-Delft e doutora em recursos hídricos, análise espacial e modelagem urbana. O site da universidade apresenta estudos de Bacchin sobre cidades resilientes e a relação entre água e a forma urbana.
“Essa expertise pode auxiliar Porto Alegre na revisão do Plano Diretor e nas ações de recuperação pós-enchentes de maio, dado o conhecimento da TU-Delft em lidar com áreas alagadiças como o bairro Arquipélago”, destaca em nota a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus).
Os trabalhos da TU-Delft devem começar em agosto, após a assinatura da carta acordo entre as partes. Apesar de a prefeitura anunciar que “empresas e universidades gaúchas” participarão da iniciativa, até esta quarta-feira, dia 24, duas das maiores instituições de ensino de Porto Alegre, UFRGS e PUCRS – eleitas respectivamente melhor universidade pública e melhor privada do país – não haviam sido procuradas pelo município. A região – onde moram 6,4 mil pessoas em 2,8 mil moradias, segundo o IBGE – que será o locus da atuação dos holandeses é estudada há anos no âmbito local.
Professora da Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da UFRGS Heleniza Campos disse desconhecer convite do município para participar do trabalho nas ilhas. Ela avalia a ausência como uma tendência da administração. “Durante as discussões sobre a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre, uma proposta de zoneamento para a cidade feita por um arquiteto argentino, Roberto Converti; nas inundações recentes, foi contratada uma consultoria norte-americana para pensar a reconstrução dos bairros afetados; e agora, os holandeses para pensar o planejamento das ilhas”, listou. “Parece não haver interesse em ouvir as vozes locais e, principalmente, discutir com os profissionais e acadêmicos que atuam na área do planejamento.”
Campos lembrou do trabalho da estudante Sarah Domingues, assassinada na região nas ilhas no início do ano, ao referir que a área é palco de estudos diferentes por alunos da UFRGS e destacou que os pesquisadores da universidade têm condições para auxiliar a partir de diferentes campos de atuação. Ela ressaltou, entretanto, o que considera um requisito para o trabalho: “Estabelecer uma aproximação com a população local, de forma participativa e interativa”, afirmou a professora, lembrando da criação dos Planos Populares de Ação Regional, entre 2019 e 2020: “Ali foram feitas contribuições importantes por parte da população moradora de diferentes Regiões de Planejamento, incluindo as comunidades das ilhas”.
A coordenação do curso de Arquitetura e Urbanismo da PUCRS destacou à Matinal que, 12 anos atrás, alunos do curso venceram o Concurso Internacional de Estudantes, no Congresso de Habitação de Interesse Social, abordando as ilhas do Delta do Jacuí. O bairro Arquipélago também foi tema de disciplinas de uma especialização da faculdade e é objeto recorrente de trabalhos de conclusão da graduação.
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio Grande do Sul informou à reportagem que também não foi procurado pela prefeitura. No conselho, o entendimento é de que há conhecimento local para a elaboração de diagnósticos e projetos.
De acordo com a Smamus, a Universidade de São Paulo (USP) será uma das instituições que atuará no projeto, por conta de um convênio permanente da USP com a TU-Delft. Entretanto, segundo a pasta, “a TU-Delft fará contratações, convênios e parcerias com outras instituições e empresas do Rio Grande do Sul, ainda a serem definidas”.
“Dada a necessidade de apresentar o plano com rapidez e agilidade, serão muitas frentes de pesquisa atuando ao mesmo tempo: estudos hidrológicos, geológicos, sociais, econômicos, ambientais, análise de risco e vulnerabilidades climáticas”, explica a Smamus.
Dentre as empresas privadas que devem ser contratadas, conforme a Matinal apurou, está a Rhama Consultoria Ambiental, que tem o professor Carlos Tucci como um dos sócios. Tucci é considerado uma das referências mundiais em hidrologia e foi elogiado diversas vezes pelo prefeito Sebastião Melo (MDB) ao longo da crise da enchente.
À Matinal, em maio, Tucci destacou que a extinção do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), feito na gestão de Nelson Marchezan, prejudicou a drenagem na capital, um dos fatores que gerou a inundação de dois meses atrás e afetou mais de 160 mil pessoas na capital gaúcha.
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Prefeitura de Porto Alegre pagará R$ 7,3 milhões a universidade holandesa por planos para as ilhas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU