09 Mai 2024
“Seminários Bússola para a Construção de Cidades Resilientes”, transmitidos pelo Instituto Democracia e Sustentabilidade, começaram nesta segunda e vão até sexta, das 18 às 20h.
A reportagem é de Gabriel Tussini, publicada por ((o))eco, 07-05-2024.
O Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS) iniciou nesta segunda-feira (6) uma série de seminários para construção da edição 2024 de sua “bússola” – um guia com o objetivo de apontar caminhos para o debate de enfrentamento à emergência climática nas próximas eleições, como já feito pelo IDS em 2022. Os “Seminários Bússola para a Construção de Cidades Resilientes” reúnem especialistas para a discussão de temas cruciais para o futuro das cidades, em apresentações que vão até esta sexta-feira (10), sempre das 18h às 20h.
O primeiro dia de apresentações teve o tema Água e Alimentos, onde especialistas abordaram a governança municipal sobre a gestão da água e dos alimentos, com exemplos de boas práticas e iniciativas com potencial de benefícios futuros às cidades – como o uso de jardins filtrantes para melhora da qualidade da água, a união de municípios na gestão dos recursos hídricos e incentivos à implantação de agroflorestas e à agricultura urbana. A discussão foi transmitida ao vivo no canal do instituto no YouTube, assim como serão os próximos seminários.
Os primeiros convidados foram Dayse Vital, analista de infraestrutura da Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES); Adriana Bocaiuva, presidente do Comitê Baía de Guanabara, que abrange 17 municípios do estado do Rio de Janeiro; Sergio Ribeiro, diretor-geral do Centro Internacional de Água e Transdisciplinaridade (CIRAT); e Juliana Luiz, gerente de projetos do Instituto Escolhas. A mediação foi feita por Pedro Jacobi, professor do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP.
Os seminários da semana foram divididos em 5 grandes temas, que serão discutidos a cada dia da semana. Além deste primeiro, também serão temas de discussão até sexta-feira: Biodiversidade e Biomas; Clima, Cidades e Comunidades; Democracia, Diversidade e Dados; e Economia Verde, Equidade e Empregos. Os participantes também se solidarizaram com a população do Rio Grande do Sul, que passa por uma tragédia causada por inundações recorde que afetaram mais de 300 cidades.
Abrindo os seminários, a arquiteta Dayse Vital apresentou o plano Recife 500 Anos, elaborado pela prefeitura da capital pernambucana para que se torne “mais sustentável, mas adaptada” na altura de seu aniversário de meio milênio, em 2037. “Recife é uma cidade muito vulnerável às mudanças climáticas, a gente está mais ou menos 4 metros acima do nível do mar”, lembrou Vital. “Uma das premissas do plano era que Recife virasse uma cidade-parque, e aí veio o projeto do Parque Capibaribe”, narrou.
Segundo ela, o projeto consiste numa revitalização de cerca de 30 km das margens do rio Capibaribe, que corta Recife, com direito à construção de um jardim filtrante, entre outras intervenções. As reformas foram executadas pela Agência Recife para Inovação e Estratégia (ARIES) como parte do projeto CITI nova, coordenado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação (MCTI) e financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês).
O Parque do Caiara, às margens do rio, recebeu as primeiras obras. Nele foram construídos um cais, com direito a instalações de espaços de lazer, como bancos e brinquedos para as crianças, e o projeto-piloto de um jardim filtrante, que purifica as águas do Riacho do Cavouco, afluente do Capibaribe. Foram plantadas 7.500 plantas aquáticas nativas no jardim, que são responsáveis por filtrar 350 mil litros de água por dia do riacho.
“Isso é sem nada químico, não é usado nada. Tanto é que essa água não é própria para uso, porque teria que colocar cloro, e a gente queria justamente que essa fosse uma solução, por ser um projeto-piloto, onde a gente não precisasse usar nada químico. É só as plantas, as britas, e tem uma parte do tanque que tem areia”, explicou a arquiteta.
“Esse jardim foi implantado numa área que era muito árida. Não tinha nada, só algumas árvores, e era uma área muito árida mesmo. Então o jardim, além do visual, do verde, ele também trouxe um ambiente melhor, mais agradável”, completou, frisando os benefícios das soluções baseadas na natureza. O orçamento total da obra foi de cerca de R$ 6 milhões, divididos em projeto executivo (R$ 506 mil), execução da obra (R$ 5,1 milhões) e supervisão e operação (R$ 471 mil). “Essa parte de supervisão foi feita junto com a prefeitura inclusive. A gente fez esse projeto pelo GEF, mas quem vai cuidar é a prefeitura. Foi tudo ensinado para a equipe de manutenção desde o começo, para que eles pudessem dar conta e continuidade no tratamento do jardim”, afirmou Dayse.
“O projeto inteiro foi feito com participação popular. Então a gente teve vários seminários e workshops com a população, teve passeio de barco com a população do local também. A obra também foi junto com a população. A gente em todo momento da obra estava lá no Caiara explicando para as pessoas o que era essa solução”, disse. Segundo a palestrante, o jardim filtrante também recebeu visitas educativas de estudantes, desde crianças a universitários, além de visitas institucionais, como do IBGE e de integrantes da prefeitura de Maceió e do governo do Distrito Federal.
“As soluções baseadas na natureza são parte do caminho e de outras iniciativas que têm que estar se multiplicando de qualquer forma”, comentou o mediador Pedro Jacobi. “Nós não podemos lidar com as velhas estratégias da engenharia, temos que inclusive incrementar cada vez mais o engajamento em tecnologias sociais que permitam que as pessoas se envolvam mais com as respostas e sejam mais protagonistas”, completou.
Adriana Bocaiuva, presidente do Comitê da Baía de Guanabara e membro do Fórum Fluminense de Comitês de Bacias Hidrográficas, começou lembrando do episódio de contaminação por tolueno no rio Guapiaçu, que chegou a interromper o fornecimento de água para mais de 2 milhões de pessoas nas cidades de Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, parte de Maricá, além da Ilha de Paquetá, na capital.
Segundo ela, o episódio trouxe à tona competências municipais que “estavam passando despercebidas”, como o Programa de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (VIGIAGUA), que deve ser executado pelas Vigilâncias Sanitárias dos municípios´. “A gente aqui do Comitê da Baía de Guanabara tentou obter, com as vigilâncias sanitárias municipais, que tipo de monitoramento elas estavam fazendo da água consumida”. De acordo com Bocaiuva, nenhum dos municípios contatados estava fazendo esse trabalho.
Entre as responsabilidades municipais estão a análise da qualidade da água de carros-pipa utilizados durante os períodos de interrupção no abastecimento. “Por que os municípios não estão entrando em campo na hora da crise? Porque eles não se prepararam pra isso. Então uma discussão que eu trago é que a gente dê uma cutucada nos municípios para que eles se organizem, para que se articulem – porque é uma parte do SUS, articulação federal, estadual e municipal – para que se crie um laboratório numa região que atenda mais de um município, mas você precisa ter uma articulação”, cobrou.
“Você precisa também ter um plano de gerenciamento de risco, para no momento de uma crise, como a que estamos passando no Rio de Janeiro hoje, você saber o que fazer, a quem recorrer, comunicar a população. A parte mais importante, que é a comunicação, precisa estar prevista nesse plano de gestão dos riscos”, afirmou.
Canais nos dois lados do rio foram bloqueados para impedir a entrada da água contaminada com tolueno no sistema de abastecimento. Crédito NGI Guanabara | ICMbio
Adriana citou ainda o Cadastro Nacional de Municípios com Áreas Suscetíveis à Ocorrência de Deslizamentos de Grande Impacto, Inundações Bruscas ou Processos Geológicos ou Hidrológicos Correlatos. Segundo ela, 142 municípios do Rio Grande do Sul estão atualmente no cadastro, embora 333 estejam em estado de calamidade pública nesse momento. O número de cidades no cadastro deve aumentar, disse a gestora, que lembrou a necessidade de adaptação dos planos diretores de muitas cidades a essa realidade. “Quantas cidades, dessas 142, tem o plano diretor delas respeitando o que diz o plano de bacia do Comitê de Bacia que incorpora aquele município?”, questionou.
“Quantos municípios que estão no meio dessa crise tem um plano de gestão de risco, para deslocamento de sua população, de alerta? No Rio de Janeiro nós temos isso um pouco mais desenvolvido porque estamos no olho do furacão também, a gente tem um plano de contingência principalmente para áreas de deslizamento, mas e áreas de alagamento, que são tão importantes quanto?”, lembrou Adriana. Segundo ela, os planos diretores precisam prever políticas públicas de gestão de recursos hídricos, gerenciamento costeiro, gestão climática, cuidado aos biomas, gestão de resíduos sólidos e planejamento metropolitano, no caso de cidades em regiões metropolitanas.
Além disso, a gestora lembrou a necessidade de participação dos municípios na elaboração dos Planos de Bacia, que integram a gestão hídrica de bacias hidrográficas inteiras. “Eu tenho 17 municípios na minha região hidrográfica. Se eles não participam desse Plano de Bacia, eles não estão pactuando pelo que está sendo posto naquele plano. Eles não trazem as informações do seu território para que o nosso plano consiga contemplar todas as especificidades desses territórios que compõem a região hidrográfica. É importantíssimo a gente fazer esse alerta na nossa Bússola para a importância da participação dos municípios na construção desses Planos de Bacia”, frisou.
Adriana sugeriu também medidas que premiem municípios que cuidam bem de seus mananciais, como um Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) hídrico, ou ICMS Ecológico. Além disso, ela citou medidas como leis que incentivem ou exijam a permeabilidade do solo, ampliação de áreas verdes e que instituam sistemas de monitoramento, fiscalização e desocupação das margens de corpos d’água, por exemplo. “PSA, todos esses temas, não são de hoje, mas tem que ser colocados como forma de se proteger os corpos d’água. Isso é absolutamente fundamental”, corroborou o mediador Pedro Jacobi.
Sergio Ribeiro, diretor-geral do Centro Internacional de Água e Transdisciplinaridade (CIRAT), de Brasília, lembrou que as mudanças climáticas estão causando uma diminuição nas chuvas no Centro-Oeste, ao contrário da tendência de excesso de chuvas no Sul. “Tem uma equação que todo o tempo, de agora pra frente, vai nos desafiar: diminuição de precipitação e aumento de população”. “É mais gente e menos água”, resumiu.
Segundo o palestrante, os principais desafios para a segurança hídrica no Distrito Federal, hoje, são a expansão urbana e a especulação imobiliária. “Vem pessoal, e começa a pegar água de cada vez mais distante, e aí começam os conflitos e a coisa vai se complexificando e ficando bem difícil de gerir”, resumiu.
Para piorar, narra Ribeiro, desde uma crise hídrica em 2017, a disponibilidade de água para a agricultura no DF foi restringida. “A atividade agrícola se tornou bastante difícil, essa é uma realidade que acontece até hoje no DF, e por outro lado, se essas pessoas pararem de produzir ali, isso vai ser parcelado e virar cidade. E a gente agrava o problema a médio e longo prazo. Então tem um paradoxo, que não é simples de ser equacionado, que é como prover água para a cidade de Brasília, mas ao mesmo tempo não descontinuar a atividade agrícola”, explicou.
Para ajudar nesse desafio, ele cita a importância das agroflorestas, método de cultivo que combina plantações e espécies florestais, evitando a contaminação dos rios e lençóis freáticos por agrotóxicos. Um desafio na implementação desses sistemas em larga escala, porém, é a falta de mecanização nesse tipo de cultivo, diz Sergio. O CIRAT, então, elaborou um projeto, em parceria com o CITinova (o mesmo do jardim filtrante em Recife) para desenvolver máquinas para esses agricultores, que foram doadas à Secretaria de Agricultura do Distrito Federal.
Segundo ele, o projeto, atualmente desenvolvido na Bacia do Descoberto e Paranoá, em Brasília – que abastece a água da capital –, prevê ainda a construção de uma fábrica para a produção das máquinas no Amapá, para que “o pequeno produtor brasileiro possa ter acesso a máquinas para fazer agrofloresta em pequena, média e até grande escala”.
“Esse tema é estratégico, nossas cidades não podem ser desertos alimentares”, comentou Pedro Jacobi. “É muito relevante ampliar a importância das agroflorestas, sair das monoculturas. Fortalecer também que essas agroflorestas são produtoras de água, e no caso do Distrito Federal e toda a região do entorno, são fontes fundamentais de água do rio Tocantins e de outros rios”, completou o mediador.
Fechando a sequência de seminários, Juliana Luiz, gerente de projetos do Instituto Escolhas, falou sobre agricultura urbana e periurbana como estratégia de segurança alimentar e desenvolvimento econômico local. Para isso, a palestrante elencou 3 razões, desafios, oportunidades e recomendações relacionadas a esse tipo de cultivo.
Entre as razões para se discutir a produção de alimentos nas cidades, Juliana citou a própria existência dessa modalidade, feita em lotes, quintais e até telhados, além do fato de ser “onde as pessoas vivem”, lembrando que, “segundo o último censo, mais da metade da população vive em pouco mais de 300 cidades, todas extremamente adensadas, e é nessas cidades onde se encontra o maior percentual de população em insegurança alimentar e nutricional e em vulnerabilidade social”.
A terceira razão, segundo ela, é que a produção de alimentos próxima a essa população “traz soluções para diferentes desafios urbanos”, como o acesso a alimentos saudáveis, a geração de renda e a produção de serviços ecossistêmicos.
Há, porém, desafios para esse tipo de agricultura. Juliana listou, entre eles, a invisibilidade desses agricultores. Segundo o censo agropecuário de 2017, há 582 estabelecimentos agropecuários dentro da cidade de Belém, com 6.166 hectares no total, e 123 em Curitiba, somando 745 hectares, por exemplo. Mas, segundo mapeamentos por satélite realizados pelo Instituto Escolhas, há muitas outras áreas utilizadas pela agricultura urbana nessas capitais – 163 a mais em Belém, somando 233 hectares, e 1.118 em Curitiba, somando 728 hectares. “Muito além do que o censo mapeou”, comentou Juliana. Mas o fato de secretarias municipais de agricultura serem raras, ao contrário das estaduais, comprova a invisibilidade do setor, diz a palestrante.
Por conta disso, o segundo desafio listado é o fato desse setor não fazer parte do planejamento urbano das cidades. Em São Paulo, por exemplo, 96% das verduras comercializadas na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (CEAGESP) são produzidas dentro do próprio estado. Além disso, explica Juliana, 13% da população da capital paulista está empregada no setor de alimentos, o dobro do setor de construção civil. Ainda assim, a cidade extinguiu seu zoneamento rural em 2002 – “uma característica extremamente comum” em outras capitais, diz Juliana. O zoneamento rural acabou sendo finalmente retomado em São Paulo apenas em 2014.
Como consequência, a agricultura urbana acaba desconectada de outras políticas públicas, como as de meio ambiente, saneamento, habitação, educação e saúde. “Além do desafio da insegurança alimentar e nutricional, há também o desafio da má alimentação. E inquéritos nacionais de saúde hoje já mostram que o consumo regular – mais de cinco vezes na semana – de frutas, legumes e verduras é extremamente baixo. Gira na casa de 32%, 37%, na média das capitais”, alerta.
“A agricultura urbana e a produção local de alimentos pode ser uma aliada na ampliação não só da produção, mas do acesso a alimentos frescos e saudáveis”, explica Juliana. A falta de conexão entre a agricultura urbana e políticas de saúde resulta em problemas sérios, diz. “A má alimentação é um fator de risco para o adoecimento por doenças crônicas não-transmissíveis”, que são responsáveis por 54,7% dos óbitos no Brasil.
A palestrante citou ainda oportunidades geradas pela agricultura urbana para o desenvolvimento municipal, como a produção de alimentos saudáveis e frescos, ervas medicinais e ervas religiosas. “Existe todo um potencial de conexão com a caracterização daquele território que pode ser fomentado pela agricultura urbana”, resume. Além disso, esse tipo de cultivo pode melhorar os níveis de segurança alimentar nas cidades, “especialmente para famílias em maior situação de vulnerabilidade social”, e gerar oportunidades de geração de renda.
Em estudo conduzido no Rio de Janeiro, por exemplo, o Instituto Escolhas chegou à conclusão de que se a cidade utilizasse 5% de seus espaços ociosos (que não tem sequer vegetação) para a produção de alimentos, seriam produzidas 2.718 toneladas de legumes e verduras por ano, atendendo cerca de 93 mil pessoas e gerando R$ 17 milhões em vendas no varejo.
Para fechar, Juliana Luiz fez 3 recomendações para o avanço da estratégia de agricultura urbana pelos municípios: desenvolver diagnósticos sobre essa modalidade, construir uma estratégia de agricultura urbana para a cidade, em articulação com as demais políticas setoriais e com a sociedade civil, e viabilizar o uso do espaço urbano ocioso e disponível.
“Uma das maneiras que deveria ser disponibilizado esse espaço é atrelando não só com fins de promoção de segurança alimentar e nutricional, ao enfoque de geração de renda e combate às desigualdades territoriais, por exemplo com o mapeamento de desertos e pântanos alimentares, mas também a observação de espaços que teriam o potencial de aumentar os serviços ecossistêmicos e aumentar a resiliência das cidades frente aos desafios climáticos”, concluiu a palestrante.
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