23 Julho 2024
"A descrição do universo relacional de Rovelli nos coloca diante de um desafio: encontrar maneiras de superar as distâncias temporais. E acredito que seja imperativo fazer isso. Nunca antes na história da humanidade as nossas ações tiveram consequências tão profundamente prejudiciais para as gerações futuras. O bem-estar delas está em nossas mãos".
O artigo é de Roman Krznaric, publicado por La Stampa, 20-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Roman Krznaric é filósofo social e autor de Como ser um bom ancestral: a arte de pensar o futuro num mundo imediatista, em português pela editora Zahar e vencedor do Prêmio Literário Demetra 2024, categoria não ficção estrangeira traduzida para o italiano. É pesquisador do Centre for Eudaimonia and Flourishing da Universidade de Oxford.
Recentemente, assisti a uma palestra do brilhante físico Carlo Rovelli, que afirmou que os blocos de construção fundamentais do universo não são as partículas ou os objetos em si, mas as relações que acontecem entre eles. Acredito que isso também seja válido para nós, seres humanos. Somos criaturas intrinsicamente relacionais, que encontram significado e sustento nas ligações com os outros.
A tragédia é que a maioria de nós sofre de uma grave falta de imaginação relacional. Normalmente, sentimos fortes vínculos com as nossas famílias, comunidades e nações, mas muitas vezes o nosso círculo de atenções e responsabilidades se limita a esses âmbitos e exclui os chamados "estranhos", como os refugiados em fuga de guerras ou as pessoas que não compartilham de nossa religião.
No entanto, como argumento em meu recente livro Come essere un buon antenato (Como ser um bom ancestral, Zahar, 2021), há uma falha de imaginação menos reconhecida que diz respeito à nossa relação com as gerações futuras. As nossas vidas são dominadas pelo presente. Os nossos políticos mal conseguem enxergar além da próxima eleição ou da última pesquisa de opinião, as empresas não conseguem ver além do relatório trimestral e, como indivíduos, somos obcecados em verificar as notificações das mídias sociais e clicar no botão "compre agora". Esta é a época da tirania do momento.
O resultado é que tratamos o futuro com desdém. A humanidade colonizou o futuro - especialmente nós que vivemos nos países ricos do mundo - tratando-o como um distante posto avançado colonial onde podemos despejar livremente a degradação ambiental e o risco tecnológico, como se não houvesse ninguém lá. O problema é que as gerações futuras - os bilhões de cidadãos de amanhã que ainda não nasceram - não podem fazer nada contra essa pilhagem de sua herança. Não têm voz nos nossos sistemas políticos e são ignoradas pelo mercado econômico.
Acredito que um dos principais desafios relacionais de nosso tempo é de nos tornarmos bons ancestrais. Em outras palavras, sermos lembrados de forma positiva pelas gerações futuras, e não como criminosos ecológicos que lhes legaram inundações repentinas e o aumento do nível do mar, incêndios devastadores e perda de biodiversidade, montanhas de lixo eletrônico e microplásticos circulando em seu sangue.
No entanto, pode ser difícil superar essa lacuna relacional na cultura hiperindividualista de nosso tempo, em que a pergunta predominante é "o que eu ganho com isso?" Uma maneira de superar esse abismo é haurir da extraordinária capacidade humana de imaginar além do aqui e agora. Somos especialistas na gestão do tempo individual, capazes de pensar e programar não apenas em termos de segundos e minutos, mas de anos e décadas. Vamos tentar aproveitar por um momento essa capacidade subestimada. Eu os convido a fazer uma respiração profunda de olhos fechados. Vocês estão prontos? Pensem em uma pessoa jovem na sua vida com quem vocês se importam muito, talvez uma neta, um neto, um filho ou uma filha. Agora imaginem essa pessoa daqui a 30 anos: pensem em seu rosto, nas alegrias que está vivendo e nas dificuldades que poderia ter que enfrentar. Depois, imaginem-na em sua festa de aniversário de 90 anos, cercada por parentes, amigos, entes queridos, vizinhos e velhos colegas de trabalho. Vão olhar pela janela. Que tipo de mundo veem lá fora? Agora imagine esse nonagenário se levantando para fazer um discurso de aniversário quando, de repente, ele vê uma fotografia sua sobre a mesa, seu ancestral já falecido, e decide contar aos convidados reunidos algo que vocês fizeram para ser um bom ancestral, um legado positivo que deixaram para o seu mundo. Agora reflitam por alguns minutos sobre o que falaram de vocês.
Esse simples exercício, chamado "Human Layers" (literalmente, Camadas Humanas) e desenvolvido pelo Long Time Project de Londres, é uma forma de expandir a nossa consciência relacional no tempo. A primeira vez que o realizei, imaginei minha filha, que tinha dez anos na época.
Fiquei impressionado com a ideia de que ela ainda pudesse estar viva no ano 2100: esse tempo distante não era mais ficção científica, mas uma realidade familiar e tangível. E percebi que ela não estaria sozinha naquele futuro, mas faria parte de uma rede de relações humanas e do mundo vivo - o ar que respira e a água que bebe. Percebi que, se eu me importava com a vida dela, então deveria me importar com toda a vida. A minha ligação com ela era uma ponte para uma relação muito mais ampla com as gerações de amanhã e com o mundo em que viverão.
A descrição do universo relacional de Rovelli nos coloca diante de um desafio: encontrar maneiras de superar as distâncias temporais. E acredito que seja imperativo fazer isso. Nunca antes na história da humanidade as nossas ações tiveram consequências tão profundamente prejudiciais para as gerações futuras. O bem-estar delas está em nossas mãos.
Enquanto assistimos à ascensão da extrema direita em toda a Europa, obcecada por seus próprios nacionalismos mesquinhos, temo que a exclusão política se estenderá não apenas àqueles que estão além das fronteiras nacionais, mas também àqueles que estão além dos limites temporais do presente. Chegou a hora de uma política relacional que traga as vidas das gerações futuras para o debate público atual. Com a Grã-Bretanha atualmente em pleno frenesi eleitoral, decidir em quem votar foi muito fácil: darei o meu voto à minha filha de 15 anos.
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Vamos cuidar da posteridade. Artigo de Roman Krznaric - Instituto Humanitas Unisinos - IHU