“Ofensiva final contra os povos indígenas”. Destaques da Semana

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: Cristina Guerini | 15 Julho 2024

O trator ruralista do Congresso segue esmagando os direitos indígenas com o avanço da PEC 48 e a Lei do Marco Temporal (cabe lembrar que o STF já decidiu sobre o tema ao favor dos indígenas). Continuamos com o Pantanal em chamas e com previsões, nada animadoras, de nova seca extrema na Amazônia, que já está ardendo com o fogo. A situação cada vez mais dramática de Gaza e as repercussões do Instrumento de Trabalho da segunda Sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade. Esses e outros assuntos nos Destaques da Semana do IHU.

Confira os destaques na versão em áudio.

“Ofensiva final contra os povos indígenas”

A frase do antropólogo Eduardo Viveiros de Castro, lá de 2019, após a eleição de Jair Bolsonaro, soa mais atual do que nunca. Assistimos, em rede nacional, a mais um ataque à existência dos povos indígenas, à “ofensiva final”, organizada pelo Congresso Nacional, articulada pela bancada ruralista e manipulada pela extrema-direita. Mas o ataque, por meio da PEC 48PEC da Morte – e da Lei do Marco Temporal, atende aos interesses financeiros da elite do país. Mas a fome do agro por terras não cessa por aí. Em mais uma investida contra a Constituição, eles querem rever a demarcação da TI Raposa Serra do Sol.

PEC da Morte

Essa semana, o senador Davi Alcolumbre pautou na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, a Proposta de Emenda à Constituição 48/2023, que estabelece o marco temporal para demarcar Terras Indígenas. O ISA publicou nota técnica assertiva: “entre as diversas irregularidades da proposta, a nota aponta supressão de direitos e garantias individuais, que são cláusula pétrea constitucional; a ausência de consulta e o consentimento livre, prévio e informado, estabelecido pela Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil, e a inconstitucionalidade material do marco temporal. A votação foi adiada, mas as disputas não se encerram por aí.

“Imbrecável avanço colonizador”

Não tem breque mesmo. A extrema-direita e os ruralistas continuam tentando “ganhar” a queda de braço contra o governo federal e o STF, desafiando a legislação brasileira. Numa ofensiva agora contra a TI Raposa Serra do Sol, a bancada do agro quer rever a demarcação da TI, contrariando a decisão do STF, mais de 10 anos após o julgamento. “Passaram-se os séculos e a elite rural continua se valendo de subterfúgios legais para justificar o injustificável, a invasão e o roubo das terras indígenas. E por tabela a escravização desses corpos rebeldes, forçando-os a entrarem nos sistemas mercantil e capitalista”, destaca o texto de Gabriel Vilardi.

Vilardi aponta que “todas as pessoas de boa vontade que acreditam nos Direitos Humanos e são contrárias ao autoritário coronelismo e a violência da capangagem não podem se calar em um silêncio cúmplice. Esse projeto de poder propagandeado pelos inimigos da Raposa Serra do Sol só pode nos levar a mais sangue indígena e dos defensores da terra, às cinzas da maior floresta tropical do mundo e à lama fétida do garimpo”, ressalta.

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Congresso anti-indígena

Na ONU, Doto Takak Ire, do povo Mebêngôkre (Kayapó), foi certeiro como flecha: “o Congresso brasileiro está contra nós e muitas vezes a ameaça vem na forma de lei. Não queremos que o Brasil crie leis para nos destruir”.

E o indígena tem razão. O Congresso atual é contra tudo o que favorece as minorias. Já deixou claro seu projeto de morte, por exemplo, com o PL do Estupro e aprovação de leis que permitem agrotóxicos que causam câncer e má-formação. Mas não é só. Mais do que usurpar as terras indígenas, as contínuas agressões visam exterminar a cultura dos povos ancestrais, o bem-viver e reafirmar o estado neoliberal, tudo por meio de mentiras orquestradas por um reacionarismo que visa a barbárie.

Alguns indígenas continuam atentos e mobilizados, mas as indígenas do alto escalão parecem anestesiadas. Sônia Guajajara e Joênia Wapichana não têm conseguido enfrentar o trator ruralista.

Desinformação para pôr fim ao projeto civilizatório

Ao falar sobre o circuito de desinformação que percorre o país, Afonso de Albuquerque explicou o que está no cerne da fragilização do sistema de informação: “o neoliberalismo, em particular, representou um ataque direto ao princípio do serviço público como princípio civilizatório. Nesse contexto, nós tivemos a criação de um ambiente muito fértil, a expansão da desinformação, porque agora o ambiente saudável que, de alguma forma, estabelecia normas/matrizes para a comunicação, entrou em crise”.

Por sua vez, Adriano Ramos, do ISA, desmentiu mais uma falácia: “muita terra para pouco índio no Brasil?”. Em sua rede social publicou um desenho ilustrativo para quem ainda não entendeu: “Essa insistência em detonar direitos de uma minoria que ocupa menos de 15% do território nacional é a síntese da mesquinharia do setor rural brasileiro”.

Spin do agro

A inciativa Fakebook desfez mais um “mito” do agronegócio. Ao invés de responder a mais de 20% do PIB do país, após o cálculo utilizando os dados do IBGE, descobriu-se que “o agro responde, portanto, por 7,14% do total, descontado o valor dos impostos. A indústria é responsável por 25,47% e os serviços, por 67,38% desse valor. Se considerado o total das riquezas (R$ 10.856,1 bilhões), a agropecuária responde por 6,2%, a indústria por 22,2% e os serviços por 58,8% (os outros 12,6% correspondem aos impostos sobre produtos)”. Mais uma mentira que escorre pelo ralo.

Terra árida

Para termos uma esperança de sobrevivência no futuro, urge olharmos com mais atenção para os nossos biomas, em especial para a Amazônia, que assim como o Pantanal, arde em chamas. A seca antecipada dá sinais de nova seca sem precedentes e de mais um ano de extremos na floresta. Depois de completar o primeiro aniversário com temperatura acima de 1,5ºC, o planeta mostra sua fúria com um furacão de categoria 5 e com as temperaturas nos EUA, literalmente, torrando. “É preciso mudar o padrão civilizatório. Ou fazemos isso já, ou assistiremos a barbárie e o colapso”, alertou Célio Turino.

Horizonte distante

A publicação do Instrumento de Trabalho da Segunda Sessão do Sínodo sobre a Sinodalidade não agradou. Visto por alguns como “mochila vazia de evangelho”, há quem prevê que não teremos mudanças concretas, enquanto outros guardam esperanças de que o documento seja desconsiderado e as transformações possam ser colocadas na mesa de discussões em outubro.

Dom Erwin Kräutler está na turma que não guarda muitas expectativas: “continua muito grande o perigo de nossa Igreja voltar a ficar particularmente preocupada consigo mesma, especialmente depois do capítulo escandaloso e horrível dos abusos. O ‘Sínodo Sinodal’ certamente não pode saltar por cima da própria sombra. Mas retirar-se ‘do mundo maligno’ para sacristias com cheiro de incenso ou, então, tentar atrair as massas através de grandes eventos litúrgicos com muita pompa, musicata altissonante e paramentos suntuosos será definitivamente o caminho errado”.

Faltou criatividade

O jesuíta José Ignácio Gonzáles Faus apontou que faltou criatividade ao documento, mas está mais otimista e aposta numa virada de mesa: “para mim o Instrumentum Laboris não parece muito importante, se houver uma assembleia ativa e determinada. Já no Vaticano II e noutros sínodos eles foram por vezes mortos quase desde o início”.

Já o teólogo italiano Andrea Grillo, acredita que “o texto que orienta a discussão, e que a deve servir, parece-me ficar em grande parte marcado por uma ‘retórica de alegria’ que em muitos casos não tem coragem de abordar as questões, limitando-se a mencioná-las de uma forma muito forma genérica, sem estabelecer um exame cuidadoso”. Para ele, tem um paradoxo a ser cruzado: “"uma Igreja que quer ser sinodal, mas que não consegue escapar ao modelo burocrático inventado pelo Concílio de Trento e à sua recepção moderna, parece-me um paradoxo do qual teremos que escapar”.

Desmasculinizar

O tema continua suscitando discussões por aqui. Andrea Grillo seguiu o debate falando sobre a masculinidade de Jesus: “é necessário combinar a masculinidade kenótica do Senhor com a autoridade das mulheres na esfera pública. À liberdade do Senhor, que interpreta o fato de ser homem de uma nova maneira, corresponde a liberdade da mulher, quando ela sai dos papéis predeterminados que não a revelação, mas a cultura, tinha predisposto para ela, muitas vezes com a bênção até mesmo da mais alta teologia. A tarefa de uma teologia sistemática é combinar a liberdade de Cristo com a liberdade da mulher”, pontuou.

A tarefa de desmasculinizar a igreja parece ter ficado mais distante após a publicação do Instrumento de Trabalho. Essa semana o Ciclo de estudos: O (não) lugar das mulheres: o desafio de desmasculinizar a Igreja contou com a presença da Dra. Lusmarina Campos Garcia, da Dra. Nancy Cardoso, da Profa. Dra. Márcia Maria de Oliveira, que falaram sobre a “surdez” costumaz em relação às mulheres. Confira a íntegra:


Cumplicidade diante à banalidade do mal

Um médico cirurgião israelense fez um relato dramático sobre a situação dos prisioneiros palestinos que estão na prisão militar de Sde Teiman. Chamado para atender os feridos no hospital de campanha, contou que “os presos, todos de Gaza e alguns gravemente feridos, permanecem o tempo todo com os olhos tapados, em posição supina, com as mãos e os pés amarrados à cama, nus e apenas cobertos por uma fralda, onde têm de fazer as suas necessidades, e uma colcha”. Sentindo-se culpado, declarou: “como médico israelense que trata os habitantes de Gaza neste tipo de condições, sou cúmplice. No fundo, não importa por que fiz isso, mas desde o momento em que fiz isso, fiz parte disso. Claro que me sinto culpado”.

 

Crianças palestinas à própria sorte

As crianças são as mais afetadas pelo genocídio israelense contra os palestinos. Estima-se que mais de 17 mil crianças de Gaza perderam suas famílias e estão largados à própria sorte. “A emergência de uma vida no limite, onde o passado é inexistente, o presente doloroso e o futuro incerto, transformou radicalmente a noção de morte das crianças”. Os ataques têm feito a população de Gaza se deslocar de forma constante, não encontrando mais segurança nos abrigos. No norte de Gaza, já não há mais hospitais e observamos o silêncios da grande mídia sobre o recrudescimento do conflito contra os palestinos.

 

Tirania armada e fundamentalista

O Estado não é mais laico? O fundamentalismo corre solto e cada vez mais sobe o morro. Assim, igrejas católicas são obrigadas a fecharem as portas e terreiros de religiões de matriz africana são destruídos. Segundo Bruno Paes Manso, são as “tiranias armadas exercem poder crescente nos territórios”. Segundo pesquisador, “a tentativa de expulsão dos padres – que estão há mais de 90 anos no local – foi mais um capítulo de intolerância religiosa executada por seus homens armados. Peixão ministra três cultos por semana para seus soldados, com lições sobre a batalha espiritual em que ensina como a Bíblia pode ser distorcida e usada para justificar a violência”.

“É preciso nomear a violência do fundamentalismo e estabelecer formas de contenção do discurso do ódio para que as famílias possam ser um lar de acolhimento, não uma fogueira que quando não sufoca com a pregação ininterrupta queima com a deserção de filhos e filhas”, explicou Érico Andrade.

Convescote neoliberal e da extrema-direita

Institutos, empresários e organizações “isentos” estão por traz das ameaças à democracia, à educação e influenciam diretamente a vida política e a economia. Matéria do jornal Extra Classe mostra como os think thanks agem para legitimar a política ideológica neoliberal: “Empresários como Jorge Gerdau Johannpeter e Jorge Paulo Lemann (das Lojas Americanas, Ambev e 3G Capital entre outros empreendimentos), organizações como Instituto Ling, Instituto de Estudos Empresariais, Movimento Brasil Livre (MBL), Movimento Todos pela Educação e Fundação Lemman, mais políticos e até professores, todos estão entre as forças que atuam para transformar essas ideias em realidade”. Na mesma linha, a extrema-direita vem articulando uma coalizão internacional, que teve mais um capítulo com o convescote ocorrido em Balneário Camboriú, em Santa Catarina.

Desejamos uma boa semana a todas e todos!