12 Julho 2024
Após uma série de rumores sobre uma suposta ordem de um poderoso traficante para fechar igrejas católicas na zona norte do Rio de Janeiro, pelo menos quatro paróquias anunciaram a suspensão de todas as suas atividades entre 5 e 7 de julho.
A reportagem é de Eduardo Campos Lima, publicada por Crux, 09-07-2024.
Segundo o site de notícias g1, moradores locais disseram que homens armados em motocicletas passaram pelas paróquias de Santa Edwiges e Santa Cecília, em Brás de Pina, e Nossa Senhora da Conceição e São Justino, em Parada de Lucas, e determinaram a suspensão imediata de todas as celebrações.
As igrejas alertaram em suas contas de mídia social que todas as atividades de fim de semana seriam canceladas, sem explicação. A paróquia de Santa Edwiges também anunciou a suspensão de sua tradicional festividade em homenagem a São João Batista e outros santos cujas celebrações são em junho.
O traficante Álvaro Santa Rosa, conhecido como Peixão, um grande comandante de gangue que controla um conjunto de favelas na parte norte da cidade, é notório no Brasil por seu fervor como cristão evangélico. Ele foi identificado como o homem por trás do fechamento temporário das igrejas.
Peixão foi criado em uma família de adeptos da Umbanda, religião de origem africana, mas em determinado momento converteu-se ao neopentecostalismo. Após assumir o controle do tráfico de drogas e outras ações criminosas em diversas favelas, ele batizou a área sob seu domínio de Complexo de Israel, ressaltando sua ligação com o sionismo cristão. Pintou a Estrela de Davi por toda a região e batizou sua gangue de Banda de Arão.
Nos últimos anos, Peixão foi denunciado várias vezes por atos de intolerância religiosa. Em favelas sob seu comando, centros de Umbanda e Candomblé tiveram que ser fechados e transferidos para outros lugares. Vários deles foram atacados e vandalizados por homens armados sob as ordens de Peixão. Esculturas sagradas foram quebradas ou tiveram que ser removidas permanentemente.
A reação da mídia ao fechamento das igrejas católicas levou o governo do estado do Rio de Janeiro a declarar que forças policiais foram mobilizadas para a zona norte da cidade e que todas as paróquias puderam retomar suas atividades.
As autoridades enfatizaram que nenhuma ordem havia sido dada por nenhum traficante em relação às igrejas e que era apenas um rumor. Em 7 de julho, todas as paróquias tiveram um serviço regular. Santa Edwiges até mesmo retomou a festividade de junho.
O governador Cláudio Castro, membro do Partido Liberal do ex-presidente Jair Bolsonaro, é católico e fazia parte de um grupo musical ligado à Renovação Católica Carismática.
Segundo Ivanir dos Santos, estudioso e líder do Candomblé que vem monitorando a intolerância religiosa no Rio de Janeiro nas últimas décadas, “tem havido uma violência crescente contra outros credos ultimamente e o Estado não tomou medidas para combatê-la”.
“Ataques a centros de Umbanda e Candomblé acontecem há anos e nada foi feito. Hostilidades à Igreja Católica já aconteceram no passado também, mas nada como o que ocorreu agora”, disse ele ao Crux.
Dos Santos disse que investigações sérias devem ser realizadas pela polícia e pelo judiciário quando atos orquestrados de intolerância são promovidos.
“Não é relevante se foi só boato ou não. Sabemos que violências como essa são comuns quando se trata de centros de Umbanda e Candomblé. Claro que essa violência pode ser expandida para outras religiões também”, disse ele. Na opinião de Santos, “o Brasil precisa estabelecer um plano sério contra a intolerância religiosa” para evitar a escalada de tais eventos.
O padre Luiz Antônio Pereira Lopes, que lidera a Pastoral das Favelas do Rio de Janeiro, disse que a chamada teologia do domínio é a ideologia por trás das hostilidades perpetradas por esses grupos armados contra outros credos.
O dominionismo, termo inicialmente aplicado a grupos cristãos nos Estados Unidos, tem sido cada vez mais debatido por analistas no Brasil nos últimos anos devido à crescente força dos evangélicos na política, na mídia e na sociedade brasileira.
“A fé aparentemente se tornou uma razão para conquistar territórios e até silenciar outros grupos religiosos. Parece o Antigo Testamento, quando a violência era empregada para conquistar pessoas para a fé de alguém”, disse Pereira Lopes ao Crux.
Após décadas trabalhando em favelas, às vezes em períodos violentos, Pereira Lopes disse que os padres confrontados com tal cenário geralmente preferem “driblar” os chefões do tráfico em vez de confrontá-los diretamente.
“Líderes de gangues geralmente têm pelo menos um parente que frequenta a igreja. Às vezes, a mãe de um traficante é membro da paróquia. Tentamos falar com essa pessoa para acalmar a situação. É um esforço que temos que fazer para evitar perder nosso espaço em uma comunidade”, disse ele.
“Não podemos questioná-los cara a cara. É como abrir um ninho de vespas”, explicou.
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Com medo de chefão evangélico, quatro paróquias suspendem atividades no Rio de Janeiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU