26 Junho 2024
“O próprio D. Carlo Maria Viganò se colocou fora da Igreja católica, deslegitimando o Papa Francisco. Mas não tem forças nem seguimento para criar uma igreja alternativa, na extrema direita, mesmo que esteja tentando isso com a ermida onde espera montar um seminário paralelo ao de Lefebvre". O Irmão Enzo Bianchi, fundador da comunidade monástica de Bose e da fraternidade cristã Casa della Madia, onde hoje reside, não se surpreendeu com a convocação do Dicastério para a Doutrina da Fé contra o ex-núncio nos EUA, acusado de “crime de cisma”.
A entrevista é de Domenico Agasso, publicada por La Stampa, 22-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Por que você esperava que o prelado tradicionalista fosse convocado?
Estou convencido de que o caso Viganò só pode terminar com uma excomunhão formal. Também porque de fato o próprio Viganò já se colocou fora da Igreja católica desde 2018: em primeiro lugar com uma proclamação na qual não reconhece Bergoglio como papa legítimo, e isso é gravíssimo; e a segunda manobra, maior e mais marcante, foi se fazer reconsagrar como bispo por D. Williamson, como se a consagração episcopal da Igreja católica não tivesse sido válida. É um ato de enorme significado, porque nega um sacramento da Igreja católica para recebê-lo novamente por um cismático, o lefebvriano protagonista da fracassada recomposição do cisma proposto por Bento XVI: descobriu-se que Williamson era de fato um antissemita negacionista do Holocausto, afirmava abertamente que as câmaras de gás nunca existiram.
Como deve ser interpretada a ação disciplinar do Vaticano?
Viganò deu início na zona rural romana ao projeto da Ermida de Sant'Antonio alla Palanzana, perto de Viterbo, com um título significativo, ‘Collegium tradicionalis’, que recorda a cristandade, cidadela contra o mundo. Aí pretende agregar ‘clérigos e religiosos que foram objeto dos expurgos bergoglianos’, constituindo um seminário paralelo ao de Lefebvre. Precisamente para que não inicie uma história como a de Lefèbvre, o Vaticano dá um aviso, chama-o de volta, e isso já me parece um ato de atenção, de misericórdia. Coloca-o diante do Dicastério da Fé para verificar se ainda é católico ou se se colocou fora da comunhão católica.
A galáxia ultraconservadora hostil a Francisco o segue?
A maior parte, não. É considerado demasiado extremista.
Existe um cisma no horizonte?
Viganò não tem forças nem o seguimento para o realizar. E além disso, hoje não é mais o momento para um cisma.
Por quê?
Era possível depois do Vaticano II, com a avassaladora inovação da reforma conciliar. Mas hoje o clima mudou, a forma de pensar se transformou e não existe mais aquele desejo concreto de ruptura sobre questões dogmáticas de fé. As lacerações, para além da propaganda, são mais improváveis.
É claro que sempre há franjas extremas que, mesmo psicologicamente, sentem a necessidade de criar espaços fora da Igreja. Mas são grupos pequenos e pouco significativos. A Igreja não corre nenhum perigo de um cisma como entre católicos e protestantes, a Reforma, ou mesmo de cismas que ocorreram depois do Concílio Vaticano I, o dos "Velhos Católicos", ou depois do Vaticano II, com Lefèbvre.
Viganò reagiu dizendo: “Eu como Lefèbvre”.
Há pontos em comum, como a contestação do Concílio e da reforma litúrgica. Mas Viganò passa a um ataque pessoal ao papa, enquanto os lefebvrianos têm um certo respeito pelo pontífice. E não dizem que é ilegítimo.
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“Ele mesmo se colocou fora da Igreja, mas não tem o seguimento para criar outra”. Entrevista com Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU