A repressão sobre os corpos das mulheres provocou um estupro a cada 46 minutos no Brasil. Destaques da semana do IHU

Confira os destaques de 15 a 21 de junho de 2024

Arte: Marcelo Zanotti | IHU

Por: Cristina Guerini | 24 Junho 2024

A semana começou com um debate intenso a respeito do PL do Estupro no Brasil. Na Europa, ainda se buscam respostas para entender a guinada dos jovens à direita, enquanto isso, o Papa Francisco se reúne com os "poderosos do planeta" no G7, revelando o "poder estelar" do Papa e a OTAN aquece a corrida armamentista. Também fizemos memória ao Dia Mundial dos Refugiados, tema muito caro deste pontificado. Esses outros assuntos nos Destaques da Semana aqui no IHU.

Confira os destaques na versão em áudio.

Epidemia: um estupro a cada 46 minutos

O número, estarrecedor, é do ano de 2022. Ao todo, 144 mil mulheres sofreram algum tipo de violência, sendo 74.930 vítimas de violência sexual, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pior do que isso, na maioria dos casos de estupro, as vítimas são vulneráveis, ou seja, menores de idade, principalmente entre 10 e 14 anos. São 56.820 meninas que sofreram abuso.

Os dados da violência contra a mulher vêm à tona quando a Câmara dos Deputados, mais uma vez, mostra sua tirania contra os corpos das mulheres ao aprovar a tramitação em regime de urgência o PL do Estupro, Projeto de Lei 1.904/24 que visa criminalizar as mulheres – e crianças – que praticarem o aborto após a vigésima segunda semana de gestação. Contudo, as mobilizações das mulheres nos últimos dias deixaram-nos com uma esperança: será que vamos viver uma nova primavera?

Imagem dos dados da violência contra mulher e vídeo de protestos

Imagem: Fórum Brasileiro de Segurança Pública (Foto: nome do fotógrafo)

Lucidez para uns, cegueira para outros

Ivone Gebara fez uma contextualização a respeito do PL do Estupro na semana que passou:

“Saiam da demagogia dos discursos políticos e religiosos, das mesmas cantilenas moralizantes de sempre para reencontrar os famintos de justiça, a mulher caída na estrada, a menina cujo ventre cresceu sem que soubesse como. É nelas que a ‘boa nova’ do Evangelho pode ser sempre de novo encontrada e vivida como dom e sentido precário da vida. Parem de insultar-nos com suas teorias religiosas deterministas e abram-se para a poesia dos lírios do campo e para a luta sem trégua da emancipação dos corpos”.

Enquanto há muita lucidez acadêmica e de diferentes correntes religiosas, a Câmara dos Deputados voltou às trevas com a encenação pantomímica – de mal gosto estético – de um feto sendo “assassinado”. A cena da deputada viralizou nas redes (não vamos dar Ibope por aqui), mas teve gente pedindo que a deputada encenasse as filhas, mães ou esposas dos deputados sendo estupradas, mas a atriz recusou o novo papel.

Para seguir acompanhando o tema, que não se esgota nessas páginas, vale a pena dar uma espiadinha nos artigos de Ivânia Vieira, Pedro R. Oliveira, Pedro Pereira da Silva e Fausto Salvadori.

 

 

Ainda sobre gênero

O IHU está realizando o Ciclo de estudos: O (não) lugar das mulheres: o desafio de desmasculinizar a Igreja. Essa semana o teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontificio Ateneo Sant'Anselmo, proferiu a conferência Desclericalização e desmasculinização da Igreja. Exigências para uma eclesiologia a múltiplas vozes. Na ocasião lembrou a igualdade de autoridade entre mulheres e homens e convocou o catolicismo a superar os preconceitos.

Na mesma perspectiva

A teóloga italiana Selene Zorzi escreveu como a linguagem representa a visão de mundo da Igreja Católica. “A linguagem molda o mundo e tem um valor performativo porque falar também é um ato de poder sobre a realidade, a determina. Assim, o poder que o Papa exerceu ao dizer três pequenas letras em relação às mulheres, como o “não” à sua ordenação, é um poder excludente, que manda de volta mulheres (quando é que saíram?) para posições marginais da igreja. [..]. Assim, também a linguagem usada para falar dos gays é o indicador do (des)valor que efetivamente é atribuído à homossexualidade, um desvalor encistado na estrutura mental antiga e mais profunda das redes neurais”.

Corrida armamentista (e nuclear)

A fortaleza Europeia se vê cada vez mais ameaçada pelas bombas. Enquanto as guerras no velho continente não cedem lugar a tempos de paz, o poderio bélico e a corrida armamentista seguem sem freios. A OTAN está modernizando seu arsenal nuclear e Rússia anunciando uma escalada de tensão. Enquanto Putin segue fazendo alianças estratégicas. Essa semana o presidente russo visitou a Coreia do Norte. Esse xadrez geopolítico ainda conta com outro ator disputando o papel principal: a China

Europa: avant-garde

As guerras que assombram o Velho Mundo, assustam os jovens de hoje, que já não guardam velhas utopias, como aquelas vividas no Maio de 1968, e estão descrentes na democracia. Sob o reino do imediatismo, da profanação da política, da antipolítica e de uma democracia xoxa, "1/4 das pessoas com menos de 35 anos são a favor da exploração de soluções autoritárias face à deriva política", revelou Oriol Bartomeus.

“Direta, volver!”

Uma semana depois da votação que abalou a União Europeia, todos seguem tentando entender o que levou os jovens a votarem na direita e na extrema direita em vários países, à exceção da Itália, onde a geração Z apoiou o Partido Democrata.

Frei Betto fez uma síntese da crise progressista: “derrubado o Muro de Berlim, a burguesia arrancou a máscara e exibe, agora, sua verdadeira face, a que defende a militarização das relações diplomáticas e a supremacia da acumulação do capital privado sobre o exercício dos direitos humanos. Assim, implanta governos autoritários declaradamente de direita, tolerantes com a ascensão neonazista e intolerantes com as políticas sociais dos governos progressistas”.

Fascismo cósmico

Estamos próximos de sucumbir frente à devastação desenfreada. Quando o último xamã morrer, o céu cairá sobre todos e será o fim do mundo. A “profecia” de Davi Kopenawa é uma das bases da teoria do “fascismo cósmico”, que foi o tema central da entrevista com Marco Antonio Valentim.

“O fato de nós, o ‘povo da mercadoria’, não reconhecermos e sobretudo negarmos ativamente esse vínculo primordial entre mente e ambiente consiste no motivo principal da ‘queda do céu’. Visto que a atual destruição do clima se deve à máxima aceleração entrópica das atividades produtivas em todas as áreas da existência humana – é o que chamamos de Antropoceno –, faz todo sentido questionar que tipo de atitude existencial e forma de pensamento contribui para desintegrar ou regenerar a Terra viva”, provoca o professor.

Poder simbólico

Pela primeira vez na história um papa se reuniu com os “poderosos da Terra”, o G7. A presença de Francisco no encontro está carregada de símbolos que ainda estão sendo interpretados. Os políticos mais poderosos do planeta pararam para ouvir um papa despretensioso e descontraído. O vaticanista John Allen foi direto ao comentar a presença papal no encontro: “qual é a principal conclusão deste blockbuster do dia? Numa palavra, confirmou o poder estelar do papa – e não apenas de Francisco, mas de qualquer papa”.

Bandeira do pontificado

No dia 20 de junho celebramos o Dia Mundial dos Refugiados. Francisco, desde sua primeira viagem a Lampedusa, em 2013, enfatizou a importância do acolhimento, da proteção, da integração e da abertura das fronteiras. A célebre homilia do papa no Mediterrâneo ficou marcada pela frase: “A globalização da indiferença nos tirou a capacidade de chorar”.

De lá para cá muita coisa mudou, as guerras aumentaram, começaram a surgir os refugiados climáticos e a ascensão da extrema-direita tem fechado o cerco aos migrantes. O número de pessoas deslocadas bateu recorde no ano passado: 117 milhões. No entanto, as políticas cada vez mais excludentes, em especial da União Europeia, jogam os refugiados no submundo da violência, da fome e da miséria. O utópico projeto europeu baseado na igualdade e nos direitos humanos já não existe mais.

 (Arte: Cristina Guerini | IHU)

Ciclo infernal

“Estamos entrando em um ciclo infernal e é necessário interrompê-lo de alguma forma, pois a crise atual ameaça a própria existência humana”, sentenciou Elimar Pinheiro do Nascimento na conferência Limites planetários: decrescimento ou inabitabilidade, promovida pelo CEPAT. Vale a pena conferir a matéria do Jonas Jorge da Silva que mostra que o decrescimento é uma alternativa para “adiar o fim do mundo”. O tema do decrescimento já foi assunto por aqui também. Confira alguns artigos de Serge Latouche que publicamos nos Cadernos IHU ideias

Desejamos uma boa semana a todas e todos!