18 Junho 2024
Em apenas um dia, o Papa conversou com os chefes de estado de países que contam com mais de 2,3 bilhões de habitantes, quase um terço da população mundial. Nem todos na sela, dadas as recentes quedas eleitorais sofridas pelo francês Macron, pelo alemão Scholz, até do inglês Sunak e Biden, que luta pela reeleição.
A reportagem é de Nello Scavo, publicada por Avvenire, 15-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
E diante de cada um, Francisco percorreu com as suas palavras um atlas das desigualdades ao longo de duas linhas opostas: a “cultura do encontro” como antídoto à “cultura do descarte”. As conversações se estenderam bem além do programa, com o pontífice que, depois de algumas trocas com o presidente turco Erdogan, só à noite concluiu as conversas bilaterais com o presidente brasileiro Lula e o estadunidense Biden, depois de ter enfrentado as lideranças de quatro continentes. E diante do Ocidente que enfrenta “o eclipse de sentido do ser humano”, o Papa recordou os novos riscos de “injustiça entre nações avançadas e nações em desenvolvimento, entre classes sociais dominantes e classes sociais oprimidas”.
Temas que retornaram no encontro com o presidente estadunidense, que durou uma hora, no qual o Papa entre outras coisas reiterou preocupações pelas crises internacionais, da Ucrânia a Gaza. Não se pode descartar que tenha sido feita também referência ao continente africano, como reiterado durante a reunião bilateral com o presidente queniano Ruto. De fato, em Nairóbi estão acontecendo negociações com o Sudão do Sul.
Nos últimos dias, haviam sido organizações independentes como a Oxfam a mostrar as contradições que o “Grupo dos 7” também desta vez parece ter adiado. O comunicado final não dissolve alguns dos nós mais vistosos. Os "grandes" alocam todos os anos 1.200 bilhão em gastos militares, quando 31,7 seriam necessários para contribuir a eliminar a fome que atinge gravemente mais de 281 milhões de pessoas. Sem falar nos 4 bilhões com os quais seria resolvida a crise da dívida que esmaga o Sul do mundo.
E isso é também o que Francisco teria discutido com Kristalina Georgieva, diretor-geral do Fundo Monetário Internacional. O Jubileu de 2025 poderia ser o encontro para levantar os países assolados pela dívida, como pode ser visto no comentário de diretor do FMI. “A minha mais profunda gratidão vai para Sua Santidade o Papa Francisco por ter me recebido. É tão bom poder ter um testemunho da sua gentileza, se beneficiar da sua escuta - disse Georgieva - e da sua mensagem de paz, de cooperação e de cuidado pelas pessoas necessitadas."
A primeira vez de um pontífice na cúpula dos “grandes” não decepcionou as expectativas. No encontro cara a cara com os líderes, fora do léxico dos comunicados oficiais, Francisco chamou à responsabilidade de quem governa. Um clima cordial que permitiu abordar questões decisivas. O indiano Modi. primeira viagem como líder reeleito, primeiro-ministro do país mais populoso do mundo, que é também a maior democracia do planeta, saudou o Pontífice com palavras de agradecimento: “Admiro o seu empenho em servir as pessoas e tornar o nosso planeta melhor. Também o convidei para visitar a Índia". Uma possibilidade que o Vaticano leva em grande consideração. Também o francês Macron reiterou que “com o Papa Francisco no G7 reafirmamos o nosso compromisso comum para um mundo mais unido e justo para as pessoas e para o planeta. Todos nós trabalhamos juntos para criar as condições para uma paz duradoura", acrescentou, referindo-se não apenas à Ucrânia.
E era um dos encontros bilaterais mais esperados, aquele entre o presidente ucraniano e o Papa. Nos últimos dias, o braço direito de Zelensky, o conselheiro Yermak, esteve no Vaticano, onde reuniu-se, além do Papa Francisco, também com o Secretário de Estado, Cardeal Pietro Parolin, e com o enviado do Papa para a Ucrânia, o cardeal presidente da CEI, Matteo Zuppi. Fontes da presidência ucraniana informaram que “o presidente agradeceu a Sua Santidade pelas suas orações pela paz na Ucrânia, pela proximidade espiritual com o nosso povo e pelas ajudas humanitárias aos ucranianos."
Durante a conversa Zelensky “informou detalhadamente o Pontífice sobre as consequências da agressão russa à Ucrânia, sobre o terror dos bombardeios aéreos russos e sobre a difícil situação do setor energético". O pontífice, relatam fontes ucranianas, ouviu e reiterou a importância do trabalho de “diplomacia humanitária” implementado pela missão vaticana em Kiev. “As partes discutiram também a Fórmula da Paz, o papel da Santa Sé no estabelecimento de uma paz justa e duradoura para a Ucrânia e as expectativas da Cúpula Global da Paz", explica a comitiva do líder ucraniano.
No passado não faltaram mal-entendidos e tensões nas relações bilaterais, mas justamente a liderança ucraniana reconhece que nunca faltou apoio, inclusive material e diplomático, da Santa Sé que mediou várias vezes a troca de prisioneiros e que está realizando a mais difícil das operações diplomáticas em meio ao conflito: a mediação para o retorno das crianças ucranianas. Nos últimos dias, a liderança de Kiev agradeceu à Santa Sé pelo empenho profuso, cujos resultados são muitas vezes mantidos em sigilo para não comprometer as ações em andamento. E ontem Zelensky “ficou ciente dos esforços do Vaticano para trazer a paz, em particular a restituição de crianças ucranianas sequestradas pela Rússia."
Quem, ao contrário, se apresentou ao Papa com um pedido inusitado, dado o contexto da cúpula, foi o canadense Trudeau, que por um lado diz ter tido “a honra de se encontrar com Sua Santidade” e agradeceu-lhe por sua missão, e por outro, insistiu pedindo “a restituição dos bens culturais dos indígenas que se encontram no Vaticano”.
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Francisco se encontra com quase um terço do mundo: trégua em Kiev e remissão da dívida no Sul - Instituto Humanitas Unisinos - IHU