21 Junho 2024
Durante o evento “Tre Giorni” sobre o Pe. Primo Mazzolari, que é realizado todos os anos na Diocese de Cremona, na Itália, encontrei-me com o Prof. Andrea Grillo, líder do progressismo litúrgico: professor de Teologia dos Sacramentos e Filosofia da Religião em Roma, no Pontifício Ateneu Santo Anselmo, e de Liturgia em Pádua, na Abadia de Santa Giustina, um prolífico liturgista, teólogo e autor do frequentado blog Come Se Non.
O relato é de Luigi Casalini e foi publicado no blog MessaInLatino.it, 16-06-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quase tudo nos separa do Prof. Grillo, do ponto de vista da teologia litúrgica, mas sempre apreciamos sua “brutal” franqueza: pelo menos, ele fala com clareza.
Em Traditionis custodes, documento que parece ter sido preparado no âmbito do Culto Divino, reconhece-se, porém, a nosso ver, a abordagem de seu pensamento, de seus escritos e de suas propostas operacionais.
O professor, a quem agradecemos muito e apreciamos pela sinceridade, gentilmente nos concedeu uma entrevista, que relatamos a seguir.
Sobre os temas tratados nesta entrevista, circulam ainda mais insistentemente os rumores de uma proibição total para a liturgia tradicional.
Por que – pelo menos é o que nos parece – não se quer, a todo o custo, dar livre espaço na Igreja Católica aos tradicionalistas fiéis a Roma (assim como a muitos outros movimentos laicais) e por que eles são apenas fiéis a serem reeducados?
Na primeira pergunta, estão contidas inúmeras imprecisões que comprometem o próprio sentido da questão. Tentarei ilustrá-las uma por uma. Aqueles que vocês chamam de “tradicionalistas fiéis a Roma” são, na realidade, pessoas que, por diversas razões, se encontram em desacordo com Roma, e não em uma relação de fidelidade. O elemento de contraste não diz respeito simplesmente a uma “forma ritual”, mas sim a um modo de entender as relações internas e externas à Igreja. Tudo começa pelo equívoco gerado (de boa-fé, mas com um julgamento totalmente equivocado) pelo motu proprio Summorum pontificum, que introduzira um “paralelismo ritual” (entre Novus Ordo e Vetus Ordo) que não tem nenhum fundamento sistemático ou prático: não se fundamenta teologicamente e gera divisões maiores do que as presentes anteriormente. A ideia de “fidelidade a Roma” deve ser contestada: para ser fiel a Roma é preciso adquirir uma “língua ritual” segundo aquilo que Roma estabeleceu comunitariamente. Você não é fiel se mantém os pés em dois sapatos. O fato de ter mostrado essa contradição é mérito de Traditionis custodes, que restabelece a única “lex orandi” em vigor para toda a Igreja Católica. Se alguém me diz que é fiel ao mesmo tempo ao Novus Ordo e ao Vetus Ordo, eu respondo que não entendeu o que significa tradição, dentro da qual reside um legítimo e insuperável progresso, que é irreversível.
Depois da peregrinação Paris-Chartres 2024 (18.000 pessoas, idade média de 25 anos, bispos diocesanos, um cardeal da Santa Igreja Romana, ampla cobertura midiática), você acredita que a Igreja deve agora pensar em uma pastoral também para o carisma “tradicional” (assim como a outros movimentos que surgiram depois do Concílio Vaticano II) ou pode continuar negando a maciça vitalidade da liturgia antiga?
O que são 18.000 pessoas em comparação com a grande multidão da Igreja Católica? Pouco mais do que uma seita que experimenta a infidelidade como uma salvação, muitas vezes ligada a posições morais, políticas e de costume totalmente preocupantes. Não é mudando as palavras que se melhoram as coisas. Tradição e tradicionalismo não podem ser identificados. O tradicionalismo não é “um dos muitos movimentos” (mesmo que possa ter características parcialmente semelhantes a alguns dos movimentos mais fundamentalistas, inoportunamente favorecidos nos últimos 40 anos), mas sim uma forma de “negação do Concílio Vaticano II” que não pode deixar de ser impedida claramente dentro da experiência eclesial. A Igreja não é um “clube de notários ou de advogados” que cultivam suas paixões estéticas ou projetam a instrumentalização da Igreja como “o museu mais famoso”.
Em sua opinião, por que, especialmente nas áreas anglófona e francófona, há um aumento considerável de fiéis, seminaristas, conversões, ofertas econômicas, famílias numerosas da área tradicionalista (diante de uma evidente e grave crise como quali-quantitativa das paróquias Novus Ordo, pelo menos no mundo ocidental)?
Estamos diante de uma distorção do olhar. A fé encontra, especialmente no mundo ocidental, uma crise que começou há mais de um século e que, nos últimos 50 anos, conheceu uma aceleração muito forte. Mas a crise não pode ser respondida restaurando as formas de vida da “sociedade da honra”. Não são as “capas magnas” ou as “línguas mortas” que darão força à fé. Elas reforçam apenas vínculos identitários, formas de fundamentalismo e de intransigentismo que não são mais as de 100 anos atrás, mas assumem figuras inéditas, nas quais, no auge da vida pós-moderna, desposa-se uma identidade “católica” que, de católico, só tem o rótulo idealizado. Não é um fenômeno eclesial ou espiritual. É um fenômeno de costumes e de formas de vida, que pouco tem a ver com a tradição autêntica da Igreja Católica.
Portanto, nessa situação de carestia de seminaristas e de desaparecimento de fiéis jovens, por que, em sua opinião, o Santo Padre Francisco parece considerar como inimigos – ao menos aparentemente – apenas os fiéis tradicionalistas (que rezam una cum Papa nostro Francisco e crescem cada vez mais)?
Acima de tudo, a “carestia de seminaristas” e a “fuga dos jovens” não é apenas um fato negativo: é o sinal de uma labuta necessária à Igreja inteira. As soluções “fáceis” (vamos encher os seminários tradicionalistas com jovens militarizados segundo o modelo de presbíteros dos séculos XVII ou XVIII) são apenas miragens, pelas quais quem paga o preço são principalmente os sujeitos envolvidos. Eles geram não vida de fé, mas muitas vezes um grande ressentimento e enrijecimento pessoais. Eu não me preocuparia com o fato de o Papa Francisco sentir que isso é um perigo. Eu me preocupei muito mais com o fato de seus antecessores considerarem isso como um recurso. A nostalgia nunca é um recurso, mesmo quando ilude que a Igreja não tem nada a reformar, mas encontra todas as respostas apenas no passado. Para rezar “una cum papa”, não se pode ficar apenas na conversa fiada, mas é preciso compartilhar com a Igreja e com o papa, acima de tudo, o único ordo em vigor. Caso contrário, ficamos de conversa fiada, mas vivemos em contraste com a tradição.
É possível que uma forma ritual que, durante muito tempo, foi a “normativa” da Igreja Católica agora não possa mais ter espaço, junto com tantos outros ritos da própria Igreja Católica (inter alia o moçárabe, o ambrosiano, o caldeu, de São João Crisóstomo, o armênio etc.)? Por que não permitir que o carisma tradicional coexista na grande diversidade dos carismas eclesiais: “Não devemos ter medo da diversidade dos carismas na Igreja. Pelo contrário, devemos alegrar-nos por viver essa diversidade” (Francisco, 2024)?
Também neste caso, na pergunta que é formulada, manifesta-se um equívoco bastante grave. Reconheço que, em sua pergunta, ressoa uma das motivações mais fortes (e menos justificáveis) que marcou a época (do Summorum pontificum) à qual vocês estão tão ligados a ponto de fazer dela quase o seu estandarte. No centro desse documento, de fato, estava uma argumentação que soava assim: “O que foi sagrado para as gerações passadas não pode deixar de ser sagrado também para as atuais”. De onde vem esse princípio? Não da teologia, mas da emoção nostálgica em relação ao passado. Tal princípio tende a “fixar a Igreja” em seu passado. Não no “depositum fidei”, mas no revestimento que ele assumiu em uma época, como se fosse definitiva. A existência, ao longo da história, de formas rituais reconhecidas em sua “alteridade” depende da tradição “específica” dos lugares ou das ordens religiosas. Ninguém jamais pensou que, em nível universal, alguém tivesse a liberdade de permanecer em uma versão do rito romano ou na versão superada por uma reforma geral. E não se pode usar “a partir da direita” as grandes ideias paulinas de uma forma tão despudorada: a liberdade dos carismas não pode ser pensada para alimentar uma “anarquia de cima”, como a implementação do motu proprio Summorum pontificum fez de modo irresponsável. Muito melhor teria sido trabalhar “em uma única mesa”, para que todos pudessem contribuir para enriquecer “a única forma ritual em vigor”. A aposta em uma melhoria recíproca entre Novus Ordo e Vetus Ordo foi uma estratégia e uma teologia totalmente inadequadas, alimentada por uma abstração ideológica.
Você dirigiu fortes críticas à liturgia tradicional. Você acha que os fiéis que a preferem também têm o direito de dirigir críticas análogas à reforma litúrgica ou considera que a análise crítica da liturgia só pode ir no sentido da corrente teológica da qual você é um expoente de muita autoridade?
Eu não penso em termos de “facções” ou de “partidos”. Eu apenas tento ler a tradição e descobrir o que podemos fazer e o que não nos é permitido. Todos podem fazer de cada passagem da tradição um objeto de elaboração crítica. O que me interessa é que as passagens sejam argumentadas. As argumentações dos tradicionalistas são frágeis, porque negam o que de melhor qualifica a tradição: isto é, seu serviço à mudança. Quem contesta a reforma litúrgica tem todo o direito de falar, mas não pode pretender que seus argumentos sejam “autodemonstráveis”. Por exemplo, não se pode deduzir da própria crítica à “reforma da Semana Santa” o direito de recorrer aos ritos anteriores a “toda reforma” do Tríduo, ou seja, aos ritos anteriores aos anos 1950. Quem se move desse modo não só não contribui com o debate eclesial, mas também se coloca objetivamente fora da tradição católica e, embora reafirme sua própria “fidelidade ao papa”, de fato, está negando-a. Não é tão simples evitar se tornar “sedevacantista”, antes nos fatos que nas afirmações.
Uma última pergunta. Nós consideramos que a reforma litúrgica fracassou de modo geral (como se pode ver pelos seminários e pelas igrejas vazias, pelas paróquias e pelas dioceses fundidas etc.) e contribuiu para a crise da Igreja. Pensamos também que, para defendê-la, tenta-se retratar como resultados esperados aquilo que nos parecem ser consequências negativas. Como você tentaria nos fazer mudar de ideia?
Há casos, no debate teológico e litúrgico, nos quais a utilização dos argumentos pode estar fadada ao fracasso. Eu nunca desisto disso (não seria teólogo se não confiasse na argumentação), mas entendo a dificuldade. Nesses casos, eu uso um raciocínio que muitas vezes é difícil de compreender. O renomado jornalista Messori também caiu muitas vezes nesse erro, igual ao de vocês. Vocês dizem que “a reforma litúrgica fracassou” e pensam no nível dos números. Vocês pensam assim: se na história algo vem antes de outra coisa, então o que vem antes é causa do que vem depois. Não é difícil, assim, considerar que a responsabilidade pelos males dos anos 1970, 1980, 1990 até 2024, é do Concílio Vaticano II e, em particular, da reforma litúrgica.
Esse modo de raciocinar, porém, não tem fundamento histórico. A crise da Igreja antecedeu amplamente o surgimento do pensamento litúrgico: Guéranger e Rosmini falam de “crise litúrgica” ainda em 1830-1840. No início do século XX, Festugière diz que “ninguém mais sabe o que é celebrar”... Mas vocês não só ignoram tudo isso, como também tendem a simplificar as coisas e a pensar que “se a reforma não tivesse acontecido” estaríamos ainda na Igreja dos anos 1950. Aqui, há um defeito de visão, que deriva de uma análise superficial demais da relação entre forma eclesial e forma ritual. Para fazê-los mudar de ideia, eu acho que se deveria principalmente refletir sobre a relação entre liturgia e experiência eclesial. O discipulado de Cristo não é a adesão a um clube da alta sociedade nem uma associação para falar uma língua estranha ou para se identificar com o passado, cultivando ideais reacionários. A tradição não é passado, mas futuro. Como a Igreja e a fé coisas sérias, não podem ser reduzidas à associação de quem cultiva a nostalgia do passado.
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A tradição da Igreja não é passado, mas futuro. Entrevista com Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU