14 Junho 2024
"Com o desaparecimento da polêmica antijudaica e das controvérsias doutrinárias, a exegese de Gregório, o Grande, é para uso do monge e do crente em geral. 'O homem é chamado, num percurso ascético-moral e espiritual, a progredir nas etapas da vida interior, desde os primeiros embates da luta contra o pecado, pela humildade e compunção, até à realização escatológica da vida de Deus'", escreve Roberto Mela, teólogo e professor da Faculdade Teológica da Sicília, em artigo publicado por Settimanna News, 10-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
O livro reúne dez estudos de biblistas e patrólogos que colaboraram em um projeto com curadoria e promovido por Marco Settembrini no âmbito da pesquisa do Departamento de História da Teologia da Faculdade Teológica de Emilia-Romagna.
No seu comentário sobre Isaías, Jerônimo o chamou de “profeta do Evangelho”. Os estudos reunidos no livro convergem na análise das páginas do profeta que iluminaram a mente dos apóstolos e do próprio Jesus, para depois serem aprofundadas e retomadas à luz do seu ministério. Em Lucas 4,21 Jesus aplica a si mesmo a figura do protagonista de Is 61 que afirma: “O Espírito do Senhor está sobre mim”.
Is 56; 61 e 66
Além de Is 61, são estudados outros dois textos intimamente relacionados a ele, ou seja, Is 56 e Is 66.
Is 56 abre a última seção do livro de Isaías, comumente chamado de Trito-Isaías (embora existam autores que dividam o livro em apenas duas partes, 1–39 e 40–66). O texto contém como linha característica a de oferecer a salvação aos estrangeiros. É anunciada pelo mensageiro divino de Is 61.
Is 66 encerra o texto profético mostrando o mundo que se renova graças à palavra celestial. É um mundo em que o céu e a terra se preparam para acolher, como no antigo templo de Jerusalém, a humanidade convocada diante do Santo.
As três passagens de Isaías são examinadas primeiro em nível do texto hebraico massorético e em suas versões mais antigas. Isso porque estamos convencidos de que, em tais tradições, pode-se haurir o vislumbre de interpretações primitivas nas quais os comentadores subsequentes poderão se apoiar. Algumas passagens serão examinadas segundo a exegese de fontes patrísticas selecionadas, seguindo o estilo dos scholia.
Exegese bíblica e aprofundamentos patrísticos
No seu estudo de abertura, Marco Settembrini centra-se no grupo de estrangeiros, eunucos e na relevância do sábado em Is 56.
A patróloga Chiara Curzel aprofunda o tema do descanso sabático (Is 56,2.6), caro a Israel, e que, à luz da pregação de Jesus, encontra cumprimento e plenitude no dia definitivo. Interpretada alegoricamente, a observância do sábado assume um sentido cósmico e escatológico. A sua observância torna-se imagem da renovação moral do homem e do seu distanciamento do pecado, abandonando o aspecto preceitual-ritual que assumira na prática judaica.
Mirjam van der Vorm-Croughs estuda a figura do Ungido, do servo e do Emanuel à luz de Is 61, presente no texto hebraico e nas versões grega, latina e siríaca. A Septuaginta vê no Ungido a figura do servo do Deutero-Isaías, enquanto a Vulgata capta os traços messiânicos ilustrados em Is 11 e a Peshitta destaca a glória reservada sobretudo ao povo de Israel.
Giuseppe Scimè analisa a recepção de Is 61 no século II, estudando textos de Barnabé, Justino, Melitão e Irineu.
Michele A. Lucchesi debruça-se em Is 61,1 entre citações e alusões nos Padres do século IV. Ele também estuda o valor das citações bíblicas na patrística. Elas aprofundam os textos, em constante diálogo com a tradição anterior.
Paolo Raffaele Pugliese também se detém em Is 61,1: “O óleo e a unção divina. Vislumbres da literatura siríaca de Isaías 61” é, de fato, o título da sua contribuição. O versículo de Isaías dá inspiração e forma aos gestos da eucologia batismal, que se diferencia daquela do mundo latino e grego. O óleo e a unção tornam-se não apenas matéria e forma do sacramento, mas palavra que mostra a natureza e a obra do Espírito Santo na vida do neófito.
Is 65-66
Filippo Manini trabalha em torno do Is 66 entre o Texto Massorético, a Septuaginta e a Vulgata. As versões elaboram novos significados a partir das consoantes de um mesmo texto hebraico, ora confrontando-se com lições divergentes. Abordam as asperezas do texto hebraico, até mesmo introduzindo pequenas variações.
Guido Bendinelli analisa Irineu de Lyon e o cumprimento das promessas na perspectiva de Is 65-66. Sobre esses capítulos finais de Isaías, Irineu articula a sua doutrina escatológica informada em sentido quiliástico: em contraste com as tendências gnósticas, ele vê uma primeira fase de cumprimento final em uma escatologia terrena (o milênio), enquanto a segunda é representada pela fase celestial (os céus novos e a terra nova).
Antonio Cacciari intitulou seu estudo: “Caelum mihi sedes est, terra autem scabellum pedum meorum. A interpretação de Orígenes em Is 66,1”. O mestre alexandrino usa esse versículo para tratar dos “antropomorfismos” bíblicos, da cosmologia e da importante questão da unicidade de Deus.
O volume termina com a contribuição de Rocco Ronzani que ilustra Is 66 na exegese de Gregório Magno. Com o desaparecimento da polêmica antijudaica e das controvérsias doutrinárias, a exegese de Gregório, o Grande, é para uso do monge e do crente em geral. “O homem é chamado, num percurso ascético-moral e espiritual, a progredir nas etapas da vida interior, desde os primeiros embates da luta contra o pecado, pela humildade e compunção, até à realização escatológica da vida de Deus” (pág. 12).
Settembrini resume a pesquisa afirmando que nesses estudos “percebe-se a persuasão de que a tradição profética deve ser explorada porque, ao mesmo tempo, é testemunha de oráculos antigos e arauto de palavras capazes de reconhecer a ação com a qual Deus em todos os tempos acompanha o seu povo rumo à salvação. O texto bíblico é examinado em todos os seus detalhes mais enigmáticos, pois sempre contém algo de útil para o leitor e é capaz de propiciar sabedoria e abrir o sentido da existência do indivíduo e da comunidade" (ibid.).
Texto técnico de estudo, o livro aprofunda um elemento muito importante da teologia cristã, a partir de textos proféticos do Antigo Testamento ricos em imperecível valor de revelação.
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Isaia profeta del vangelo. Isaia 55–66 ed esegesi patristica, org. Marco Settembrini (Studi biblici 218), Paideia Editrice, Torino 2024, pp. 264 (Foto: Divulgação)
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Isaías, profeta do Evangelho. Artigo de Roberto Mela - Instituto Humanitas Unisinos - IHU