05 Junho 2024
"Fica a pergunta sobre o sentido de um livro como esse que, além de insistir no garantismo para os pedófilos, não acrescenta nada à compreensão do fenômeno, mas soa mais como um exemplo de marketing eclesiástico sobre o espinhoso problema dos abusos clericais", escreve Federica Tourn, jornalista, em artigo publicado por Domani, 04-06-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Para salvaguardar dos abusos os menores e os adultos vulneráveis, é necessário cuidar também daqueles que os cometeram. Esse é, em poucas palavras, a essência do livro de Paolo Baroli, Mostri o nostri? La prevenzione degli abusi e il trattamento dei rei: una sfida per la chiesa (Monstros ou nossos? A prevenção dos abusos e o tratamento dos réus: um desafio para a igreja, em tradução livre) que acaba de ser publicado pela Edizioni San Paolo com prefácio do Cardeal Matteo Zuppi.
Dom Paolo Baroli, Mostri o nostri? La prevenzione degli abusi e il trattamento dei rei: una sfida per la chiesa (Foto: divulgação)
O ensaio reconstrói brevemente a posição da igreja sobre os abusos sexuais, para chegar ao cerne do "o que fazer" com os pedófilos depois de terem pago a sua dívida com a justiça.
Criticado o recurso demasiado fácil de redução à laicidade porque priva a igreja de responsabilidade, diversas alternativas são analisadas, desde a castração química até a abordagem farmacológica e terapêutica.
“A igreja não poupará esforços para fazer tudo o que for necessário para levar à justiça qualquer um que tenha cometido tais crimes", escreve Baroli, como se a denúncia à autoridade judiciária fosse um axioma. De fato, é dado como certo que os pedófilos cumpram "uma pena justa", embora se saiba, graças ao testemunho das vítimas, que os abusadores são protegidos na maioria dos casos e, acima de tudo, nunca são denunciados à justiça do estado.
Também a reconstrução da luta contra os abusos nos últimos vinte anos é bastante generosa. João Paulo II, Bento XVI e Francisco são retratados como paladinos da transparência e da tolerância zero, quando sabemos que ainda não temos uma investigação independente que realmente traga clareza sobre a realidade do fenômeno na Itália.
Como se não bastasse, padre Baroli fala sobre o encobrimento de casos de abuso como de uma prática do passado, agora condenada e sancionada pelo Vaticano com a remoção do responsável. No entanto, não fornece exemplos concretos que apoiem as suas afirmações, que são facilmente desmentidas pelos noticiários recentes: um exemplo é o que envolve o atual bispo de Piazza Armerina, Rosario Gisana, ainda chefe da diocese apesar de ter sido interceptado enquanto declarava ter acobertado Dom Giuseppe Rugolo, condenado em março em primeira instância a quatro anos e seis meses.
Segundo o autor, é fundamental enfrentar de modo eficaz a violência contra menores também tratando da “reeducação” dos abusadores, para que possam reintegrar-se na sociedade e na igreja. São necessárias, ressalta Baroli, não só “técnicas psicoterapêuticas, mas também modalidades de custódia e acompanhamento da pessoa e dos caminhos de renovação humana e espirituais que permitam aos réus redescobrir e recuperar um horizonte de sentido”.
Nessa perspectiva, o autor não exclui que, uma vez concluído o processo de acompanhamento, os pedófilos possam continuar a “desempenhar da melhor maneira possível a sua vocação de cristãos e eventualmente de sacerdotes". Banir os abusadores, no entanto, levá-los-ia a reconstruir as suas vidas noutro lugar, onde poderiam facilmente cometer novos crimes; melhor então mantê-los “sob o controle da igreja”.
Também aqui o autor omite dizer que a comunidade dos fiéis nunca é informada das denúncias contra os sacerdotes, que de fato encontramos frequentemente em outras dioceses, novamente perto das crianças. E o que aconteceu, por exemplo, com Dom Silverio Mura, que foi transferido de Nápoles para uma paróquia de Tortona até com outro nome; mas haveria muitos exemplos.
Fica a pergunta sobre o sentido de um livro como esse que, além de insistir no garantismo para os pedófilos, não acrescenta nada à compreensão do fenômeno, mas soa mais como um exemplo de marketing eclesiástico sobre o espinhoso problema dos abusos clericais.
A mesma operação de fachada proposta pela conferência “Abusos de menores. Uma leitura do contexto italiano 2001-2021", organizado em 29 de maio pela Conferência Episcopal na Embaixada da Itália na Santa Sé. Um encontro igual aos muitos que o precederam, cujo resultado foi diluir as responsabilidades da igreja num genérico discurso sobre os perigos da web e sobre os abusos de crianças dentro da sociedade.
A única novidade foi o anúncio, pela nova presidente do Serviço de tutela dos menores da CEI, Chiara Griffini, de um “estudo piloto” sobre casos de abusos clericais no período 2001-2021, que será conduzido pelo Instituto dos Inocentes de Florença e pelo Centro Interdisciplinar de Vitimologia e Segurança da Universidade de Bolonha.
Uma análise que se baseará nas denúncias dos bispos e começará com uma investigação amostral de um determinado número de dioceses, ao qual se seguirá um momento de reflexão “sapiencial”. Não está claro qual será o propósito de um novo estudo baseado em dados parciais, mas ainda assim se terá que esperar até o final de 2025 para o descobrir.
Mais uma vez a Igreja limitou-se a declarar-se fortemente empenhada na luta contra os abusos de menores, mas sem o ônus da prova.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A guerra da Igreja contra os abusos sexuais é basicamente marketing. Artigo de Federica Tourn - Instituto Humanitas Unisinos - IHU