28 Mai 2024
O sociólogo francês Alain Supiot, autor de El trabajo ya no es lo que fue (Siglo XXI), esteve em Buenos Aires questionando-se sobre as tensões entre os governos, os direitos dos trabalhadores e o presente e futuro de diferentes cenários globais e conflituosos. Em seu livro e nesta entrevista, pergunta-se “como e por que trabalhar hoje?”. Responde colocando na balança a ideia de justiça no trabalho como motor de mudança social, que se opõe ao conceito dominante de que os governos agem com base no que os números indicam.
O professor emérito do Collège de France, Institut d'études avancées de Nantes e autor de Direito do trabalho: crítica do direito do trabalho, O espírito de Filadélfia: a justiça social diante do mercado total, entre muitos outros, esteve na Argentina convidado pelo Institut français d'Argentine e pela Cátedra Europa, uma iniciativa de TEAM EUROPE Argentina.
A entrevista é de Hector Pavon, publicada por Clarín-Revista Ñ, 24-05-2024. A tradução é do Cepat.
Como a democracia e os governos respondem a essa visão que o senhor propõe sobre a “Atualidade da governança pelos números”?
Há uma imagem muito esclarecedora, a dos governos como os relojoeiros que devem colocar óleo no mecanismo para que tudo funcione. Um ato simples para que o mercado e a escala do mundo inteiro funcionem. E esse é o projeto que sustenta a globalização.
É uma fratura de índole religiosa condenada a se encontrar como o que chamam de limites catastróficos no plano social, ecológico e monetário. Os efeitos perversos da governança da pesquisa por números são bem conhecidos: incitação ao conformismo, fechamento da avaliação em ciclos autorreferenciais, maquiagem dos resultados que chega à fraude etc.
Jacques Le Goff e Lewis Mumford mostraram o lugar central do relógio no nascimento dos tempos modernos. Para o senhor, há aí uma passagem, uma transformação. Qual foi o papel do relógio na organização do trabalho?
Com a revolução de Galileu, começaram a representar o mundo em seu momento como o mecanismo de um relógio que em nossa civilização é visto até nos edifícios de culto, nas igrejas. No entanto, nunca vão encontrá-lo em um templo budista. Ao contrário, os relógios ficam do lado de fora.
O relógio surge como uma representação em miniatura da ordem mundial: Deus fez o mundo como um relojoeiro fabrica um relógio. A filosofia do Iluminismo via Deus como um grande relojoeiro e o mundo como um imenso mecanismo regido pelas leis da física clássica, por um jogo inexorável de pesos e forças, de massa e energia.
Daí a ideia de que o homem poderia, através do estudo desses mecanismos, resolver os mistérios da criação e se tornar dono do universo. As instituições são concebidas deste modo: o soberano é aquele que tem o poder de estabelecer as regras gerais e abstratas.
Que objeto ocupa esse lugar hoje?
Eu sou de uma geração que quando tínhamos 10, 12 anos, efetivamente, éramos presenteados com um relógio. E ficávamos muito orgulhosos disso, nós o mostrávamos a todos. Eram poucos objetos que os seres humanos carregavam o tempo todo. E, em geral, os religiosos o adicionavam ao rosário que colocavam no pescoço. Descreviam uma pessoa dentro de uma ordem que dava sentido ao mundo.
Hoje, qual é o objeto que cada um de nós carrega o tempo todo e que não podemos deixar um só momento, sem ficarmos nervosos? O celular. É um pequeno computador, é mais do que um relógio aperfeiçoado, é uma máquina capaz de executar o seu próprio programa porque é um telefone inteligente. Nós o programamos e executa seu programa. Seu rendimento é reavaliado quando retroalimenta a definição dos objetivos cibernéticos. A cibernética considerou que animais, máquinas e seres humanos se comunicam entre si para responder a essa lógica de sinal, reação, rendimento, avaliação etc.
Tudo é avaliado com essas variantes?
Por meio dos objetivos definidos pelas empresas, os resultados são quantificados. E a ação dos governos também é avaliada. Estamos na Argentina, um país que esteve na vanguarda dos planos de ajuste estrutural do Fundo Monetário Internacional. Com esta disciplina quantificada, o Estado se compromete a realizar certos objetivos financeiros e, depois, é feita uma avaliação se foram cumpridos.
No caso da União Europeia, temos mecanismos do mesmo estilo com os tratados de governança do euro. A fantasia é que há um piloto automático das questões: não é mais preciso agir, apenas reagir.
Que novas relações trabalhistas estão emergindo no contexto que o senhor está descrevendo?
Penso que a situação contemporânea é uma consequência do reino do piloto automático, isto produz violência e uma relação como de vassalos. O entregador é visto como um empreendedor individual... Eu o vejo como servo da gleba... O que vemos reaparecer são formas de servidão. As pessoas saem do campo de aplicação do direito trabalhista.
Por outro lado, a covid nos lembrou que as tarefas mais essenciais são aquelas realizadas pelos seres humanos. Fiquei surpreso que, assim que isso acabou, a importância dos trabalhadores da saúde desapareceu. Agora, o debate se concentra no teletrabalho, em sua legitimidade e nas oportunidades surgidas em torno dele. Foi um acelerador de diversas grandes tendências que são inerentes à governança pelos números.
A primeira tendência, e talvez a mais importante, é um regime de direito de baixo nível. O regime de servidão espera que você se comporte espontaneamente de acordo com as expectativas do sistema em que são desenvolvidas técnicas de controle social. As mais avançadas são as dos chineses, com o uso de tecnologias ocorre um controle em escala incrível.
Quais são as vantagens e desvantagens do trabalho a distância?
Com o teletrabalho, podemos dizer que pode haver aspectos de melhora como, por exemplo, não ter que fazer o trajeto de ida e volta para o trabalho todos os dias. Contudo, o custo que se paga é a destruição das comunidades de trabalho e há um permanente crescimento do controle social. Neste sentido, a situação dos trabalhadores das plataformas uberizadas é símbolo desta governança pelos números.
Como sabemos, estes trabalhadores são comandados e avaliados por algoritmos. Tal comando diz respeito, sobretudo, ao transporte e entregas em domicílio, mas pode ser atribuído a muitas outras atividades. As plataformas buscam se beneficiar da atividade dos trabalhadores que elas gerem, controlam e “desconectam”, sem assumir responsabilidade patronal.
Este ressurgimento da vassalagem como vínculo social é um fenômeno geral, que se manifesta da mesma forma nas relações entre empresas matrizes e subcontratadas ou entre Estados hegemônicos e seus súditos.
Hoje, qual é a pertinência daquela ideia de Jeremy Rifking sobre o fim do trabalho?
É uma bobagem, a humanidade teria que desaparecer para que o trabalho desapareça. O trabalho mudou algumas de suas formas históricas. Estive, muitas vezes, com jovens desempregados de diversos países. É um sofrimento não trabalhar. Eles querem mostrar que têm algo a fazer na sociedade. Privar gerações inteiras do trabalho, dando-lhes um pouco de drogas, jogos eletrônicos e telas, é produzir gerações de doentes mentais.
O que há são transformações das formas de trabalho...
As formas de trabalho que ocorrem na esfera doméstica, como alimentar os filhos, educá-los, são um trabalho invisível que, em geral, são realizados pelas mulheres. Se esse trabalho desaparece, então, as crianças não vão mais à escola, as mães fazem greves, não trocam mais as suas fraldas. Estamos falando, então, de trabalho na esfera mercantil. Este trabalho certamente se transforma.
Que as máquinas assumam o que é fisicamente penoso e o que tem a ver com o cálculo. Isto as máquinas podem fazer e, então, sobra mais espaço para as formas de trabalho mais humanas, ou seja, as formas que exigem uma capacidade de atenção ao outro, que podem ser realizadas. A criatividade pode ser uma vantagem formidável, não como desaparecimento do trabalho, mas como enriquecimento do trabalho.
Então, a inteligência artificial não traz apenas fantasmas?
Podemos ter uma máquina impossível de vencer no xadrez. Mas, você vai parar de cozinhar? Ainda não se conseguiu porque a nossa atividade tem muito mais a ver com a de nossos ancestrais que eram caçadores de movimentos oculares e auditivos, o olfato talvez menos.
Depois, a Inteligência Artificial consiste em ter incorporado milhares de imagens de semáforos e outras zonas de controle. Outra coisa é gerenciar a inteligência humana. Seria necessário criar uma nova fenomenologia da mente humana.
A inteligência mecânica e a inteligência humana são dois registros totalmente distintos. As máquinas são capazes de realizar uma série de tarefas que exigem somente capacidades de cálculo e que podem, então, aliviar o esforço do homem. A Revolução Industrial é a expressão histórica de uma necessidade mais antiga e geral, que é a democracia econômica, a dos que colaboram com a realização de uma obra ou criam um produto, ou prestam um serviço.
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“O entregador de aplicativos é visto como um empreendedor individual, mas é uma nova forma de servidão”. Entrevista com Alain Supiot - Instituto Humanitas Unisinos - IHU