24 Mai 2024
"É preciso outro sistema econômico mais sintonizado com as dinâmicas da natureza e mais configurado pelo valor do bom comum. O individualismo não pode ser a base da nossa convivência social sem que paguemos um preço alto demais", escreve Sandoval Alves Rocha, SJ.
Sandoval Alves Rocha é doutor em Ciências Sociais pela PUC-Rio, mestre em Ciências Sociais pela Unisinos/RS, bacharel em Teologia e bacharel em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE, MG), membro da Companhia de Jesus (jesuíta), trabalha no Serviço Amazônico de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental (Sares), em Manaus.
Os desastres ambientais são cada vez mais frequentes na sociedade contemporânea. Estamos impactados atualmente com as enchentes do Rio Grande do Sul, que ainda não pararam de fazer vítimas. Todo o país se mobiliza de alguma forma para aliviar o sofrimento dos gaúchos. Esta tragédia tem sensibilizado os brasileiros do norte ao sul do território nacional. As tragédias geralmente mostram as nossas fragilidades e evidenciam as relações de interdependência entre os membros de uma sociedade. Não somos tão autônomos e autossuficientes como muitas vezes querem nos convencer.
Já passamos por diversas tragédias ao longo do território brasileiro. A Amazônia está saindo de uma seca severa, que atingiu diretamente 630 mil pessoas em 62 cidades somente no Estado do Amazonas. O Rio Negro que banha a capital amazonense passou pela pior seca nos últimos 120 anos. Estudos demonstram que as chuvas recentes não foram suficientes para devolver ao Rio o seu nível normal, gerando apreensão sobre o próximo período de estiagem. A destruição do bioma, eliminando florestas e influenciando o ciclo das águas, cria cenários desfavoráveis para o enfrentamento das secas.
As tragédias ambientais são frutos da relação predatória que estabelecemos com a natureza. O principio básico de uma sociedade capitalista é gerar lucros infinitos, ignorando os limites da natureza e transformando tudo em mercadoria. Esta orientação estimula a intervenção destrutiva sobre a biodiversidade, incentivando a derrubada das florestas para dar lugar a instalação do agronegócio, o fornecimento de madeira, a criação de pastos bovinos, a abertura de estradas e a mineração devastadora e criminosa.
A ganância capitalista passa por cima de qualquer ética ambiental, desprezando os cuidados essenciais pelas condições básicas necessárias para a vida no planeta. As grandes empresas poluem os reservatórios hídricos, lançando nos corpos d´água resíduos mortíferos para eliminar a vida aquática. Fazendo isso, elas também prejudicam a própria humanidade, contribuindo para o adoecimento das populações e para a escassez de água potável, direito fundamental da pessoa humana.
Motores da sociedade capitalista, a queima de combustíveis fósseis, a produção industrial e a geração de energia por usinas são as principais causas da polução atmosférica. O lançamento de dióxido de carbono na atmosfera eleva as temperaturas planetárias gerando transtornos climáticos e promovendo tragédias ambientais. A ânsia pelo retorno econômico não enxerga as consequências das suas ações destruidoras. Grupos que se beneficiam com estes empreendimentos negam os seus efeitos prejudiciais, visando manter as taxas de lucros, mesmo causando mortes de milhares de pessoas e inviabilizando a vida humana.
As tragédias ambientais que nos afetam dramaticamente mostram o outro lado do progresso e do crescimento econômico tão perseguido pelas sociedades capitalistas. A crise ambiental entra no nosso recinto sem se dar o trabalho de bater à porta. Estamos colhendo os resultados das opções econômicas que fizemos. As contradições da sociedade de mercado não aparecem somente nas injustiças impostas às classes trabalhadoras, deixando milhares sem moradia, sem saúde, sem educação e lazer. As contradições capitalistas se expressam cada vez mais nas tragédias ambientais que afetam as pessoas, principalmente os mais pobres.
O capitalismo e o colapso ambiental são duas faces de uma mesma moeda. Não se pode conservar um sem sofrer as consequências do outro. Esta conclusão formulada por muitos teóricos está se tornando cada vez mais evidente para a maioria da população. Não é possível continuar vivendo sob a égide do capitalismo sem se preocupar com as trágicas consequências socioambientais que afetam mortalmente a humanidade e a natureza. A paz e a harmonia que tanto ansiamos somente poderão ser tecidas dentro de um sistema econômico bem diferente
Estamos metidos numa teia de relações sociais das quais precisamos para existir. Acordamos para a realidade da nossa pequenez e nos damos conta de que não conseguiremos sobreviver apostando tudo na nossa capacidade de desempenho e na nossa capacidade de superar os desafios recorrendo unicamente às nossas próprias forças. A concepção individualista do ser humano, que caracteriza a sociedade moderna e capitalista, não consegue permanecer de pé em meio às tragédias ambientais que somos obrigados a enfrentar nos dias atuais.
É preciso outro sistema econômico mais sintonizado com as dinâmicas da natureza e mais configurado pelo valor do bom comum. O individualismo não pode ser a base da nossa convivência social sem que paguemos um preço alto demais. A consciência ambiental necessária para uma mudança de postura frente à natureza carrega a noção de que estamos todos interligados e conectados a um planeta vivo. A lógica do capital que busca tirar proveito de tudo e de todos não predispõe as pessoas para a busca do interesse coletivo. As tragédias ambientais impõem esta reflexão.
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Os desastres ambientais desmascaram o capitalismo. Artigo de Sandoval Alves Rocha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU