25 Mai 2024
O relatório da Universidade de Durham sobre abusos, divulgado no dia 30 de abril após um estudo de quatro anos, destaca a importância de ouvir as pessoas sobreviventes de abusos para restaurar a confiança e mudar a cultura católica.
O comentário é do historiador italiano Massimo Faggioli, professor da Villanova University, em artigo publicado em La Croix International, 23-05-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em uma “Igreja que escuta” e que tenta ser sinodal, é interessante ver o tipo de palestrantes que são postos diante de jovens católicos para fazer um “discurso de formatura” nas cerimônias de graduação em faculdades e universidades católicas nos Estados Unidos.
O polêmico discurso proferido no dia 11 de maio por um famoso jogador de futebol americano e católico tradicionalista, Harrison Butker, à turma de 2024 do Benedictine College, no Kansas, é apenas um exemplo da situação bizarra em que a Igreja Católica dos Estados Unidos se encontra.
Eu acompanhei as reações ao discurso de formatura na mesma semana em que lia “The Cross of the Moment. A Report from the Boundary Breaking Project”, o relatório final do Centro de Estudos Católicos da Universidade de Durham, no Reino Unido.
O relatório de 194 páginas, divulgado no dia 30 de abril, é fruto de um estudo de quatro anos que ouviu as vozes de vítimas e sobreviventes de abuso sexual infantil em toda a comunidade católica. É um dos principais marcos na investigação sobre a crise dos abusos na Igreja Católica (neste caso, na Inglaterra e no País de Gales) e se concentra na função fundamental da escuta para lidar com o fenômeno do abuso sexual: a escuta das pessoas sobreviventes, a escuta da Igreja local e a escuta das comunidades religiosas.
O ato de ouvir é necessário para aquilo que o relatório chama de “possibilidades de redenção” em três caminhos específicos: abordagens restaurativas; diálogo e escuta nas comunidades paroquiais e escolhas diferentes na construção da nossa vida em comum. Ele aponta caminhos para restaurar a confiança e mudar a cultura católica. Fornece exemplos da possibilidade de caminhos redentores, como o trabalho da instituição de caridade LOUDfence.
O relatório da Universidade de Durham surge em um momento importante na história da crise dos abusos na Igreja Católica. Durante o Sínodo sobre a Sinodalidade que começou em 2021, o tema dos abusos, particularmente relacionado com o clericalismo, surgiu nas discussões.
No entanto, permanece incerto qual reforma estrutural resultará da segunda assembleia do Sínodo em outubro de 2024. Mas há uma ligação entre a sinodalidade e o tema da escuta das vítimas e dos sobreviventes para uma Igreja no caminho da reforma.
Em uma entrevista recente, o padre jesuíta Hans Zollner, diretor do Instituto de Antropologia e Estudos Interdisciplinares sobre a Dignidade Humana e o Cuidado, com sede em Roma, na Pontifícia Universidade Gregoriana, e membro da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores entre 2014 e 2023, disse: “O encontro com as vítimas e sobreviventes de abusos, e com a resistência na Igreja e na sociedade para lidar com o fenômeno dos abusos me transformou”. Ele também acrescentou: “Para muitos na Igreja – e não apenas para as lideranças da Igreja – ainda não está claro que as correções marginais simplesmente não são suficientes [para lidar com o fenômeno do abuso]”.
O relatório da Universidade de Durham também aponta para a necessária ligação entre a opção de ouvir as vítimas e sobreviventes e a dimensão institucional da Igreja no Vaticano: “Embora o Papa Francisco tenha criado a Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores como um órgão dentro das estruturas papais por meio da qual os sobreviventes aconselham o papa e a Santa Sé, esse órgão passou por muitas dificuldades e renúncias. Esta investigação não se concentrou explicitamente no papel da Santa Sé, mas o contexto da Igreja Católica na Inglaterra e no País de Gales também não pode ser separado do que ocorre lá”.
“The Cross of the Moment” chega em um momento importante. Além do Sínodo, algo importante poderá ocorrer em breve em Roma para a Igreja Católica em relação ao fenômeno dos abusos. No dia 29 de junho, o presidente da Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, cardeal Sean O’Malley, de Boston, completará 80 anos, o que significa que ele alcançará a idade de renúncia obrigatória. Isso poderia dar ao Papa Francisco a oportunidade de remodelar a liderança da comissão com outro presidente, que pode não ser um cardeal.
Isso reformularia a relação entre a Pontifícia Comissão e o Dicastério para a Doutrina da Fé, agora liderado pelo cardeal Víctor Manuel Fernández. A constituição apostólica de reforma da Cúria Romana de 2022, Praedicate Evangelium, colocou a Pontifícia Comissão dentro do Dicastério para a Doutrina da Fé. Isso significa que, nos últimos dois anos, houve uma espécie de diarquia – com dois cardeais, O’Malley e Fernández, visível e conjuntamente no comando, pelo menos “politicamente”, dos esforços do Vaticano no front da crise dos abusos.
Se o próximo presidente da Pontifícia Comissão não for um cardeal, isso colocaria mais responsabilidade sobre o cardeal Fernández. Em uma postagem nas redes sociais digitais no dia 1º de julho de 2023, o cardeal Fernández disse que inicialmente havia rejeitado a nomeação, porque não se sentia qualificado para lidar com a crise dos abusos.
Em sua incomum carta de nomeação, também datada de 1º de julho de 2023, Francisco escreveu a Fernández: “Dado que, para as questões disciplinares – relacionadas especialmente aos abusos de menores – recentemente foi criada uma seção específica com profissionais muito competentes, peço-te que, como prefeito, dediques teu empenho pessoal de modo mais direto à finalidade principal do Dicastério que é ‘guardar a fé’”.
É improvável que a saída do cardeal O’Malley faça o Papa Francisco reverter a escolha feita com a Praedicate Evangelium, ou seja, colocar a Pontifícia Comissão no Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, onde provavelmente ela deveria estar. Alguns especialistas já haviam recomendado isso durante a elaboração da constituição apostólica.
No entanto, está claro que, independentemente de quem suceder o cardeal O'Malley em Boston e como presidente da Pontifícia Comissão, sua saída marca o fim de uma era na história global da crise dos abusos.
O cardeal O’Malley, nomeado em 2003 após a investigação “Spotlight” do jornal Boston Globe, foi também o primeiro presidente da Pontifícia Comissão criada pelo Papa Francisco em 2014.
Sua saída cria as condições para aquela que será uma das nomeações mais delicadas na história do pontificado de Francisco.
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A luta da Igreja Católica com as reformas antiabusos. Artigo de Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU