21 Mai 2024
"A Arena de Paz representa um componente realmente variegado e significativo de todos aqueles movimentos que lutam em altos brados por formas de justiça que ainda são negadas. E se for realmente verdade que a maioria dos italianos é contra o envio de armas, a oferta política que atualmente se apresenta como obstáculo às mudanças, necessariamente deverá dar voz a essa multidão de pessoas", escreve Carlo Petrini, fundador do Slow Food, ativista e gastrônomo, sociólogo e autor do livro Terrafutura (editora Giunti e Slow Food), no qual relata suas conversas com o Papa Francisco sobre ecologia integral e o destino do planeta, em artigo publicado por La Stampa, 18-05-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
No sábado realizou-se em Verona um importante encontro sobre o tema da paz. E mais uma vez isso surpreende que foi o Papa Francisco quem quis muito participar a esse evento político, o único em nível global que tenta reparar os danos – sem "ses" ou "mas" – em relação aos grandes riscos a que a humanidade está hoje submetida.
Há mais de dois anos que, em relação ao tema da guerra, nos encontramos num impasse em que todos estamos envolvidos. Nesta fase de impasse, todo pensamento pacifista é considerado levianamente ou mesmo ridicularizado. A mensagem do Papa, além de ser a única, não é ouvida ou considerada óbvia por ser relegada a uma obviedade puramente religiosa e concernente a aspectos mais espirituais do que reais. Mas tudo isso tem o sabor do absurdo. E, a incapacidade das altas esferas políticas do mundo para resolver concretamente os desafios atuais, está colocando em risco o futuro dos seres humanos. Em essência, estamos assistindo a um silêncio ensurdecedor que causa preocupação.
Eis que, na ausência de uma política que saiba lidar com o tema da paz, é necessário que essas mensagens partam de baixo. Precisamente por isso o evento de sábado – denominado Arena de Paz – é dedicado a todas aquelas associações e movimentos que atuam localmente. Isso explicita mais uma mensagem do Santo Padre: a força dessas realidades, que se espalham dentro das nossas sociedades, é determinante para iniciar um percurso que possa destravar o impasse geral e despertar a governança internacional para aquelas que são as verdadeiras prioridades, sem se esconder atrás de interesses puramente egoístas e oportunistas.
Na minha opinião, a diversidade representada por esse mundo associativo e ativista é capaz de expressar uma visão complexa e transversal sobre todas as variáveis envolvidas. Não é, de fato, uma novidade que com a eclosão das guerras na Ucrânia e na Faixa de Gaza (que, vale lembrar, não são os únicos focos na geografia mundial) foram efetivamente canceladas do debate político internacional as discussões – e também os acordos que já haviam sido tomados – sobre a questão climático-ambiental; outro absurdo.
Com o encontro de sábado, Francisco demonstra que para levar adiante uma verdadeira mensagem de paz é necessário que o pedido de desarmamento esteja ligado aos temas ecológicos e ambientais. A sua visão – que repito é de verdadeira política – baseando-se nos princípios democráticos dos direitos das pessoas, presta grande atenção também aos fluxos migratórios e à necessidade de regenerar uma economia tornada cega pela lógica do lucro e que encontra maior benefício na guerra e na destruição, mais que na paz e no cuidado.
A luta pelo clima é uma batalha política contra a guerra e está ligada ao desarmamento e a compreender e mitigar os processos migratórios. Mudar os paradigmas na frente econômica e do trabalho é propedêutico para a plena realização dos direitos. Em suma, o processo de paz é jogado num tabuleiro mais amplo e envolvente.
Considero que o encontro de sábado seja, portanto, um forte relançamento daqueles conteúdos já expressos nas encíclicas Laudato Si' e Fratelli tutti, e por isso é estratégico para realçar um conceito em especial: tudo está conectado.
Hoje é necessário implementar uma séria operação de desarmamento que não esqueça todas aqueles dinâmicas que, em cascata, nada mais fazem do que produzir morte e sofrimento. É bom lembrar, de fato, que não se mata apenas com as armas. Existem formas de violência que apesar de estarem fora do âmbito das guerras alcançam os mesmos efeitos dramáticos. Trata-se de violências contra as pessoas, a sua liberdade ou seu acesso à saúde, à água e aos alimentos. Mas também se trata de violência contra a nossa Casa Comum, que – ela também – há vários anos grita por um "cessar-fogo" sem ser ouvida, sem que ninguém corra a protegê-la.
Em relação à guerra, bem como à crise climática e a muitas outras formas de brutalidade, tudo está sendo feito para cortar as asas a qualquer tipo de ação resolutiva. E é bom dizer que devemos estar conscientes de que poderíamos não ter mais tempo para erradicar aqueles paradigmas perversos nos quais estão baseadas muitas sociedades. As mudanças sociais ocorrem por processos lentos e conturbados. Enquanto as mudanças climáticas ocorrem em outras velocidades. A grande contradição do período histórico em que vivemos é que as ações virtuosas que nós todos podemos implementar poderiam inserir-se numa crise climática que chegou ao estágio de irreversibilidade e, portanto, resultar insuficientes.
Citando Gramsci, porém, hoje o pessimismo da inteligência deve necessariamente ser compensado pelo otimismo da vontade, que, no fim das contas, encontra sua expressão máxima justamente na agregação da sociedade civil.
A Arena de Paz representa um componente realmente variegado e significativo de todos aqueles movimentos que lutam em altos brados por formas de justiça que ainda são negadas. E se for realmente verdade que a maioria dos italianos é contra o envio de armas, a oferta política que atualmente se apresenta como obstáculo às mudanças, necessariamente deverá dar voz a essa multidão de pessoas. Superando assim a realidade, que no estado atual das coisas só traz benefícios exclusivamente para a indústria das armas.
Só nessa perspectiva o evento de Verona responderá à exigência de uma mobilização que, partindo de baixo, contribua para mudar o quadro político e institucional. Este é o momento de um recomeço para uma verdadeira política. Só assim a substância da mensagem de Francisco poderá marcar um grande ponto de virada para a paz neste Planeta.
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Francisco, líder do Ocidente desorientado: o único que tem a força para falar de paz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU