17 Mai 2024
"Projetos de alto impacto que seriam facilitados por uma melhor conexão com Manaus via BR-319 incluem algumas das perfurações de petróleo nas áreas para as quais os direitos de perfuração foram vendidos no leilão de “fim do mundo” em janeiro de 2024 [8] e o projeto “Área Sedi/ementar do Solimões” (Figura 5), onde as primeiras perfurações já foram vendidas para a petrolífera russa Rosneft".
O artigo é de Philip Martin Fearnside, publicado por Amazônia Real, 14-05-2024.
Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan, EUA, e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA, em Manaus, AM, onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas – IPCC, em 2007. Foi identificado em 2006 como o 2º cientista mais citado do mundo sobre aquecimento global, em 2011 como o 7º mais citado sobre desenvolvimento sustentável e em 2021 como “mais influente” no Brasil sobre mudanças climáticas.
A BR-319 tem enormes impactos ambientais além da estreita faixa de terra ao longo da própria estrada, a qual o EIA e quase toda a discussão política estão limitados. A omissão dos impactos mais amplos do projeto rodoviário é, certamente, a maior deficiência do processo de licenciamento até agora. A limitação da consideração à beira da estrada cria fortes ironias, como a recente divulgação pelo Ministro dos Transportes de um plano para 170 passagens para animais silvestres [1] como solução para o que seria o principal impacto da estrada, mas ignorando o contexto maior de uma rodovia que ameaça grande parte do que resta da floresta amazônica brasileira.
A migração de atores e processos do hotspot de desmatamento AMACRO (Amazonas, Acre e Rondônia), que a BR-319 conecta a Manaus, afetaria todas as áreas que já estão conectadas a Manaus por rodovia, incluindo a margem direita do Rio Negro [2] e o distrito de Agropecuária da Zona Franca de Manaus (DAS) (Figura 4). Também afetaria Roraima [3, 4]. Roraima é notório como o estado amazônico com menor controle ambiental, e os principais políticos no estado até apoiam os garimpeiros na Terra Indígena Yanomami [5-7]. Os planos para a BR-319 não incluem nenhuma ação para controlar o desmatamento resultante em Roraima.
Projetos de alto impacto que seriam facilitados por uma melhor conexão com Manaus via BR-319 incluem algumas das perfurações de petróleo nas áreas para as quais os direitos de perfuração foram vendidos no leilão de “fim do mundo” em janeiro de 2024 [8] e o projeto “Área Sedi/ementar do Solimões” (Figura 5), onde as primeiras perfurações já foram vendidas para a petrolífera russa Rosneft [9, 10].
A Vila Realidade, localizada na parte sul do “trecho do meio” da BR-319, é o maior foco de desmatamento neste trecho. A ocupação em massa começou com a chegada de dois ónibus de sem-terras organizados, e a vila seguiu crescendo rapidamente com a chegada de muitos migrantes individuais atraidas pelos boatos sobre a disponibilidade de terras [15, 16]. As terras publicas invadidas em volta da vila foram legalizadas pelo INCRA, e as invasões continuam expandindo além dessa área. Em 2018 a Vila Realidade foi bem descrita assim: “A poeirenta Realidade (AM) segue o ciclo de exploração descontrolada de madeira, que abre espaço para a grilagem e o desmatamento ilegal que precede a pecuária extensiva.
A diferença é que a vila fica às margens da BR-319, que, se asfaltada, pode espalhar esse modelo de ocupação caótica a uma área da floresta maior que a Alemanha” [17]. Esta sequência é provável ocorrer na região Trans-Purus se a AM-366 for construída. O tamanho da mancha de desmatamento em volta da vila Realidade é áté comparável com o desmatamento em volta da cidade de Porto Velho, visível na parte inferior da imagem (Figura 6).
[1] Holanda, M. & R. Machado. 2024. Ministério dos Transportes quer BR-319 cercada e com 170 passagens para animais. Jornal de Brasília, 03 de abril de 2024.
[2] Ramos, C.J.P., P.M.L.A. Graça & P.M. Fearnside. 2018. Deforestation dynamics on an Amazonian peri-urban frontier: Simulating the influence of the Rio Negro Bridge in Manaus, Brazil. Environmental Management 62(6): 1134-1149.
[3] Barni, P.E., P.M. Fearnside & P.M.L.A. Graça. 2015. Simulating deforestation and carbon loss in Amazonia: impacts in Brazil’s Roraima state from reconstructing Highway BR-319 (Manaus-Porto Velho). Environmental Management 55(2): 259-278.
[4] Barni, P.E., P.M. Fearnside & P.M.L.A. Graça. 2018. Simulando desmatamento e perda de carbono na Amazônia: Impactos no Estado de Roraima devido à reconstrução da BR-319 (Manaus-Porto Velho). In: Oliveira, S.K.S. & Falcão, M.T. (Eds.). Roraima: Biodiversidade e Diversidades. Editora da Universidade Estadual de Roraima (UERR), Boa Vista, Roraima. p. 154-173.
[5] Carta Capital. 2023. Governador de Roraima nega desnutrição de Yanomamis e defende garimpeiros. Carta Capital, 30 de janeiro de 2023.
[6] Medeiros, F. 2023. Irmã do governador de Roraima é alvo da Polícia Federal. Amazônia Real, 10 de fevereiro de 2023.
[7] Oliveira, C. 2023. Políticos de Roraima teriam ligação com garimpo, TSE nega exclusão de minuta golpista e mais. Governo afirmou que políticos de Roraima têm ligação com o garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami. Brasil de Fato, 08 de fevereiro de 2023.
[8] Fearnside, P.M. 2023a. O leilão do “Fim do Mundo” para exploração de gás e petróleo. Amazônia Real, 14 de dezembro de 2023.
[9] Fearnside, P.M. 2020. Os riscos do projeto de gás e petróleo “Área Sedimentar do Solimões”. Amazônia Real, 12 de março de 2020.
[10] Fearnside, P.M. 2022a. O interesse financeiro de Putin nas rodovias da Amazônia brasileira. Amazônia Real, 03 de maio de 2022.
[11] EPE (Empresa de Pesquisa Energética). 2020. Estudo Ambiental de Área Sedimentar na Bacia Terrestre do Solimões. Relatório SOL-EA-60–600.0010-RE-R0. Manaus and Rio de Janeiro: EPE.
[12] DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes). 2002. Mapa Rodoviário Amazonas. DNIT, Brasília, DF.
[13] Fearnside, P.M. 2022b, Amazon environmental services: Why Brazil’s Highway BR-319 is so damaging. Ambio 51: 1367–1370.
[14] Fearnside, P.M. 2022c. Por que a rodovia BR-319 é tão prejudicial. Amazônia Real.
[15] Fearnside, P.M. & P.M.L.A. Graça. 2006. BR-319: Brazil’s Manaus-Porto Velho Highway and the potential impact of linking the arc of deforestation to central Amazonia. Environmental Management 38(5): 705-716.
[16] Fearnside, P.M. & P.M.L.A. Graça. 2009. BR-319: A rodovia Manaus-Porto Velho e o impacto potencial de conectar o arco de desmatamento à Amazônia central. Novos Cadernos NAEA 12(1): 19-50.
[17] Maisonnave, F. & L. de Almeida. 2018. BR-319: Asfaltar ou não asfaltar? Folha de São Paulo, 04 de setembro de 2018.
[18] Guatelli. C. 2022. As Brazil starts repaving an Amazon highway, land grabbers get to work. Mongabay, 13 de outubro de 2022.
[19] Os textos desta série fazem parte de uma revisão de literatura solicitada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima.
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Impactos da rodovia BR-319 – 4: destruição ambiental - Instituto Humanitas Unisinos - IHU