15 Mai 2024
“É difícil evitar a conclusão de que impulsionar o emprego na indústria é como perseguir uma meta em rápido declínio. O mundo avançou e a natureza das tecnologias de produção mudou de modo irreversível. A automação e a tecnologia baseada em competências tornaram extremamente improvável que a indústria consiga absorver novamente a mão de obra que outrora empregou”. A reflexão é de Dani Rodrik, em artigo publicado por El Economista/Project Sindicate, 09-05-2024. A tradução é do Cepat.
Dani Rodrik é professor de Economia Política Internacional na Harvard Kennedy School, presidente da Associação Econômica Internacional e autor de Straight Talk on Trade: Ideas for a Sane World Economy (Princeton University Press, 2017).
Os Estados Unidos estão em uma onda de fabricação de semicondutores. No início de abril, a Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC) anunciou planos para estabelecer uma terceira fábrica no Arizona para fabricar os chips mais avançados do mundo, aumentando seu investimento no Estado para US$ 65 bilhões. O investimento da TSMC é fortemente subsidiado pelo governo dos Estados Unidos em virtude da Lei de Chips e Ciência, e a empresa receberá US$ 6,6 bilhões em subvenções e é elegível para receber US$ 5 bilhões em empréstimos. Também pode reivindicar um crédito fiscal de investimento de até 25% de suas despesas de capital.
Esta notícia se dá logo depois do recente anúncio da Intel de que receberá uma subvenção ainda maior de US$ 8,5 bilhões do governo dos EUA (juntamente com US$ 11 bilhões em empréstimos em “condições generosas”). A Lei Chips e Ciência destinou US$ 39 bilhões para essas subvenções, e acordos adicionais estão em andamento. De acordo com a Casa Branca, quase 300 bilhões de dólares em investimentos industriais foram comprometidos com os Estados Unidos nos últimos dois anos.
O presidente Joe Biden vê estes acordos como a prova de um renascimento industrial nos Estados Unidos. “Onde diabos está escrito que nunca mais seremos a capital industrial do mundo?”, pergunta. A sua administração pode não ter muito em comum com a anterior Casa Branca de Trump, mas certamente partilha a preocupação de revitalizar a indústria manufatureira.
Existem várias razões pelas quais a indústria de transformação voltou a ser o centro da política econômica. Para começar, o setor desempenha um papel desproporcional na promoção da inovação e da produtividade na economia, e a pandemia destacou os riscos das extensas cadeias transfronteiriças de abastecimento. Numa era de crescente concorrência geopolítica, especialmente em relação à China, as autoridades estadunidenses consideram imperativo fabricar tecnologias avançadas, como semicondutores, em solo nacional.
Além disso, há o objetivo de criar bons empregos. “Desencadear um renascimento da indústria da transformação, da construção e da energia limpa” é uma das maiores prioridades da agenda da administração para construir uma economia que crie bons empregos. À primeira vista, esse objetivo faz muito sentido. Historicamente, os empregos industriais sindicalizados foram a base da classe média. O desaparecimento de empregos bem remunerados na indústria de transformação no Cinturão da Ferrugem dos EUA e em outros lugares – devido à globalização e à mudança tecnológica – é, pelo menos em parte, responsável pela ascensão do populismo autoritário.
A produtividade do trabalho no setor manufatureiro estadunidense aumentou quase seis vezes desde 1950, em comparação com uma mera duplicação no resto da economia. O resultado foi um aumento impressionante na capacidade do setor industrial de produzir bens, mas também um declínio igualmente dramático na sua capacidade de criar empregos. Embora o valor agregado do setor manufatureiro (a preços constantes) tenha, em termos gerais, acompanhado o ritmo do resto da economia estadunidense, 6 milhões de empregos na indústria manufatureira foram perdidos desde 1980, enquanto foram criados 73 milhões de empregos não agrícolas (principalmente nos serviços).
Quando Donald Trump assumiu o cargo em janeiro de 2017, a participação do setor industrial dos EUA no emprego não agrícola era de 8,6%. Quando deixou o cargo, esse número tinha caído para 8,4%, apesar da sua tentativa de reforçar o emprego através de tarifas de importação. E apesar dos esforços significativamente mais ambiciosos de Biden, o emprego na indústria caiu ainda mais, para 8,2%. O declínio do emprego na indústria de transformação em percentagem do emprego total (embora não em termos absolutos) parece ser uma tendência irreversível.
Um cético poderia objetar que as políticas de Biden não deram todos os seus frutos e ainda não estão refletidas nas estatísticas oficiais. Mas o fato é que as fábricas de semicondutores com utilização intensiva de capital geram poucos empregos, relativamente ao investimento físico que requerem. Espera-se que os três fabulosos investimentos da TSMC no Arizona empreguem apenas 6.000 trabalhadores, o que equivale a mais de 10 milhões de dólares por emprego criado. Mesmo que as dezenas de milhares de empregos adicionais projetados nas indústrias fornecedoras se concretizassem, o retorno do emprego seria insignificante.
Além disso, procuramos inutilmente no mundo todo exemplos bem-sucedidos de como reverter a desindustrialização do emprego. A Alemanha tem um setor industrial maior do que os Estados Unidos, proporcionalmente ao tamanho da sua economia, mas a percentagem de empregados na indústria caiu vertiginosamente. A Coreia do Sul conseguiu o feito notável de aumentar de forma constante o peso da indústria manufatureira na economia nas últimas décadas, mas isso não impediu que a percentagem de emprego do setor diminuísse. Mesmo na China, a potência industrial mundial, o emprego no setor vem caindo há mais de uma década, tanto em termos absolutos como em percentagem do emprego total.
É difícil evitar a conclusão de que impulsionar o emprego na indústria é como perseguir uma meta em rápido declínio. O mundo avançou e a natureza das tecnologias de produção mudou de modo irreversível. A automação e a tecnologia baseada em competências tornaram extremamente improvável que a indústria consiga absorver novamente a mão de obra que outrora empregou.
Quer queiramos quer não, serviços como o varejo, os cuidados e outros serviços pessoais continuarão a ser o principal motor da criação de empregos. Isso significa que precisamos de diferentes tipos de políticas de bons empregos, com maior enfoque na promoção da produtividade e da inovação em serviços que sejam favoráveis aos trabalhadores.
Isto não quer dizer que a Lei dos Chips ou outras políticas para impulsionar a produção industrial sejam necessariamente equivocadas ou falhas. Poderiam muito bem fortalecer a base industrial do país e promover uma maior inovação. Mas a reconstrução da classe média, a criação de bons empregos suficientes e a revitalização de regiões decadentes requerem um conjunto de políticas totalmente diferente.
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O renascimento industrial dos Estados Unidos criará poucos bons empregos. Artigo de Dani Rodrik - Instituto Humanitas Unisinos - IHU