16 Abril 2024
Para o escritor Nathan Thrall, autor de Um dia na vida de Abed Salama, o “7 de outubro mostrou que o conflito tem um custo enorme. Mas Tel Aviv não o quer ver. É preciso a pressão do mundo”.
“Chamamos determinados eventos de infortúnios quando são a consequência inevitável dos nossos projetos, e outros eventos os chamamos de necessidades simplesmente porque não queremos mudar de ideia”. Revelar aqueles projetos e as ideias obstinadas de que se alimentam é a tarefa da palavra. Uma palavra que se recusa a ser cúmplice.
Nathan Thrall dedicou os últimos 18 anos como jornalista e escritor para encontrá-la e escrevê-la. Desde que se mudou da Califórnia – onde nasceu em uma família judia – para Jerusalém e começou a vivenciar em primeira mão o impacto humano da interminável guerra no Oriente Médio. Dedicou investigações profundas ao conflito e o prestigioso ensaio “The only language they understand” (A única linguagem que eles entendem) sobre a necessidade de a comunidade internacional pressionar Israel para uma solução política para a questão palestina.
“Tentei, com uma série de pensamentos racionais, convencer os tomadores de decisão públicos a tomar posição. Muitos deles o leram e concordaram comigo. No entanto, disseram-me que estão de mãos atadas porque se tratava de teses impopulares, impossíveis de defender”, conta o autor no apartamento de Musrara, um bairro na divisa entre a Jerusalém árabe e a judaica. “Entendi então que a única forma de promover uma mudança era informar a opinião pública. Por isso escolhi falar outra linguagem”, acrescenta. Assim nasceu Um dia na vida de Abed Salama, lançado em Israel e nos EUA poucos dias antes de 7 de outubro e que se tornou um caso literário, a ponto de ser incluído pelo New York Times e pelo Financial Times no ranking dos melhores livros de 2023.
Em português, existe tradução pela Zigurate de Lisboa. Equilibrando-se entre jornalismo narrativo e literatura, através da narrativa da odisseia de um pai palestino para recuperar o corpo do filho de 5 anos, falecido num acidente na periferia de Jerusalém, catapulta o leitor para o absurdo cotidiano da ocupação israelense da Cisjordânia. Tema candente que Thrall aborda com uma sensibilidade livre de ideologias.
A entrevista é de Lucia Capuzzi, publicada por Avvenire, 12-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista
O que a opinião pública não sabe ou não quer ver sobre a ocupação?
O fato de não ser algo separado do Estado de Israel. Não só este último não se manifesta apenas nos 700 mil dos seus cidadãos - um em cada dez - que se instalaram nos Territórios, mas também através dos serviços - da escola à assistência em saúde - que lhes são garantidos. Na única entidade soberana atualmente existente entre a Jordânia e o mar – Israel – judeus e palestinos vivem lado a lado, mas de acordo com leis distintas. Aos primeiros são garantidos plenos direitos. Os segundos são divididos numa multiplicidade de categorias às quais estão associadas cotas de direitos progressivamente menores. Todas, porém, têm menos direitos que os judeus. Os Acordos de Oslo haviam encontrado uma solução, ainda que imperfeita, trinta anos atrás.
Por que não funcionou?
Os palestinos não tinham o poder de implementá-los. E os israelenses não tinham interesse em fazê-lo. Os governos subsequentes de Tel Aviv agiram de acordo com uma lógica puramente racional. Entre permitir a criação de um Estado palestino, com todas as limitações, ou manter o status quo sem ter de pagar quaisquer custos por isso, consideraram a segunda opção mais conveniente. O 7 de outubro demonstrou que, na realidade, o custo existe e é terrivelmente elevado.
Essa tragédia poderia representar um ponto de virada?
Infelizmente o debate sobre o 7 de outubro centrou-se nas falhas dos sistemas de segurança, deixando de lado a questão central: o conflito não resolvido com os palestinos. A única esperança é um impulso externo.
De que tipo?
A comunidade internacional deveria tornar mais custoso para Israel manter o status quo do que resolver o conflito.
Como?
Prevendo consequências para Israel. Existem mecanismos de pressão, sanções de menor ou maior gravidade, que poderiam ser eficazes e evitariam mais derramamento de sangue.
Ao não fazer nada, o mundo condena os dois povos a uma violência sem fim. A inércia internacional é o maior apoio ao Hamas. Os jovens palestinos precisam ver que existe outro caminho e que produz melhores resultados que as armas. A única maneira de isso aconteça é o mundo agir para restaurar a sua liberdade e direitos.
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“Não agir contra a ocupação é o maior apoio ao Hamas”. Entrevista com Nathan Thrall - Instituto Humanitas Unisinos - IHU