16 Abril 2024
"Efetivamente, desde então as relações bilaterais têm sido boas, as comissões mistas reúnem-se e cooperam regularmente, três Papas foram a Jerusalém em visitas de Estado e as suas visitas a Yad Vashem, a entidade que trata da memória do Holocausto e as coroas de flores depositadas em Auschwitz tiveram um impacto notável na luta contra o negacionismo do Holocausto", escreve Dina Porat, consultora acadêmica do Yad Vashem e professora emérita da Universidade de Telavive, em artigo publicado por La Repubblica, 12-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Após 7 de outubro, surgiu uma série de tensões entre a Santa Sé e o Estado de Israel. De um lado, o Papa Francisco rezou – profundamente comovido – pelas almas das vítimas israelenses, pediu a libertação imediata dos reféns, sequestrados de forma desumana, manifestando a disponibilidade do Vaticano para assumir um papel de mediação e condenou as “terríveis recentes expressões de antissemitismo". Por outro lado, o Secretário de Estado, Cardeal Pietro Parolin, definiu-como “genocídio” as ações israelenses na Faixa de Gaza, o Papa declarou que o terror não pode ser respondido com outro “terror” coletivo – ambas as afirmações foram fortemente contestadas pelas autoridades israelenses e uma conversa entre o Papa e o presidente israelense Yitzhak Herzog teve tons tão duros que permaneceu privada. A que ponto estamos hoje? Com a intenção de fornecer uma modesta contribuição, vamos dar um passo para trás.
Em janeiro de 1904, há 120 anos, Theodor Herzl, o precursor do Estado judaico, apresentou um pedido urgente ao Papa Pio X para que expressasse a benevolência para com o recém-nascido movimento sionista e para apoiar a migração de judeus da Europa Oriental, onde eram vítimas constantes de perseguições e pogroms, até à Terra de Israel, onde encontrariam refúgio. O Papa opôs uma firme recusa: os judeus não haviam reconhecido Jesus e a sua mensagem, por isso era impossível para ele reconhecer o movimento sionista. Além disso o Papa ficara aterrorizado com a ideia de que os lugares sagrados para os cristãos acabassem em mãos judaicas e não prestou ouvidos à promessa de Herzl de dar status internacional a Jerusalém.
Mas há cerca de trinta anos foi assinado um acordo fundamental entre o Vaticano e o Estado de Israel, que representa um marco histórico: após um período de 1.500 anos em que a condição de inferioridade do povo judeu humilhado e perseguido era reservada para demonstrar a superioridade cristã, a Santa Sé reconhecia o direito da nação judaica de viver na sua terra em um Estado independente. A oposição às aspirações sionistas devido à recusa em reconhecer Jesus como o Cristo já não encontrava mais espaço ali, e o acordo incluía a troca de embaixadores, a liberdade de religião, culto e peregrinação na Terra Santa e a permanência do status quo nos lugares sagrados para o cristianismo.
Efetivamente, desde então as relações bilaterais têm sido boas, as comissões mistas reúnem-se e cooperam regularmente, três Papas foram a Jerusalém em visitas de Estado e as suas visitas a Yad Vashem, a entidade que trata da memória do Holocausto e as coroas de flores depositadas em Auschwitz tiveram um impacto notável na luta contra o negacionismo do Holocausto.
Até aqui tudo bem, mas deve ser sublinhado que o Vaticano era motivado pelo desejo de remediar erros históricos e teológicos, mas não menos pelo desejo de participar nas negociações sobre o status da Jerusalém após os Acordos de Oslo assinados alguns meses antes. Algumas problemáticas não foram resolvidas, em particular aquelas relativas ao status jurídico e financeiro dos numerosos bens de propriedade da Igreja em todo o país e por isso esse acordo histórico foi assinado, mas ainda não confirmado pelo governo israelense.
Os dois parágrafos contidos no artigo segundo do acordo têm hoje a maior relevância e podem oferecer um espaço de cooperação. A Santa Sé e o Estado de Israel se empenham na adequada colaboração na luta contra toda forma de antissemitismo e todo tipo de racismo e intolerância religiosa. A Santa Sé aproveita a oportunidade para reiterar a sua condenação ao ódio, à perseguição e a qualquer outra manifestação de antissemitismo dirigida contra o povo judeu e contra cada judeu, em qualquer lugar, a qualquer tempo e por qualquer um. Em especial, a Santa Sé deplora os ataques contra judeus e a profanação das sinagogas e dos cemitérios judaicos, atos que ofendem a memória das vítimas do Holocausto, especialmente quando ocorrem nos mesmos locais que os testemunharam.
“Reafirmar a própria condenação”, porque por muitas décadas depois do Concílio Vaticano II em 1965, o Vaticano havia publicado uma série de documentos e discursos nos quais seus líderes condenavam inequivocamente o antissemitismo e exortavam a promover o diálogo com os judeus, lembrando os crentes cristãos que Jesus, seus familiares e seus discípulos eram todos judeus de nascimento.
Também era feita menção explícita ao papel da Igreja católica na difusão do antissemitismo nos séculos anteriores ao Holocausto.
O atual Papa, Francisco, que condenou repetidamente o antissemitismo nos últimos anos, escreveu e afirmou: “Um cristão não pode ser antissemita”, porque o cristianismo nasceu do judaísmo.
É verdade, dizem quando entrevistados o Cardeal Pierbattista Pizzaballa, patriarca latino de Jerusalém, e o rabino David Rosen, que liderou os diálogos entre cristãos e judeus durante décadas, mas esse importantíssimo artigo segundo nunca foi implementado por nenhuma das partes.
Israel poderia, diz o rabino, colaborar com o Vaticano por meio das embaixadas em todo o mundo e distribuir os documentos do Vaticano e os discursos dos Papas pronunciados e escritos antes do Acordo fundamental e posteriores. A Igreja pode atuar como líder religioso mundial agora que o antissemitismo está em crescimento, afirma o cardeal, tomar uma posição forte e lançar uma clara mensagem contra o antissemitismo.
O conjunto de ações destacadas pelo cardeal e pelo rabino é sem dúvida absolutamente necessário no momento atual para fortalecer a luta contra o antissemitismo, especialmente no mundo cristão, que hoje conta com um bilhão e meio de fiéis e com o objetivo de melhorar as relações entre as partes.
E, finalmente, um gesto profundamente comovente, precisamente nos últimos dias, é a oferta do Cardeal Pizzaballa de se oferecer como refém ao Hamas em Gaza em troca de crianças israelenses sequestradas.
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O diálogo Vaticano-Israel. Artigo de Dina Porat - Instituto Humanitas Unisinos - IHU