03 Dezembro 2012
O rabino David Rosen representa o judaísmo no Centro Rei Abdullah (KAICIID: King Abdullah Bin Abdulaziz International Centre for Interreligious and Intercultural Dialogue).
Rosen nasceu na Inglaterra, é diretor de assuntos religiosos do American Jewish Committee (AJC) e dirige o Instituto Heilbrunn para o Diálogo Religioso Internacional. Anteriormente, foi presidente da comunidade judaica na África do Sul e rabino-chefe na Irlanda.
A reportagem é de Julia Raabe e Manuel Escher, publicada no sítio do jornal Der Standard, 25-11-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis a entrevista.
Ainda antes da abertura do Centro, houve fortes críticas, pelo fato de a iniciativa vir da Arábia Saudita, país onde a liberdade religiosa não é respeitada. O senhor acredita no interesse dos sauditas pelo diálogo inter-religioso ou considera que é apenas um fato de relações públicas?
As relações públicas não são necessariamente algo negativo. No entanto, podem ser apenas um ornamento para esconder algo negativo, sem querer mudar nada. Algumas reações na Áustria foram não apenas exageradas, mas também absolutamente contraproducentes. Ser cético é algo sadio – mas se o ceticismo impede de ver as possibilidades ele se torna uma deficiência.
Portanto, o que a Arábia Saudita quer com esse Centro?
O rei Abdullah nos disse: a nossa sociedade é muito conservadora e tradicional, as coisas não podem ser mudadas da noite para o dia. Mas se as pessoas vêem que colaboramos, a atitude pode mudar. Eu penso que o rei e os ministros ao seu redor têm intenções sérias, que querem introduzir mudanças na Arábia Saudita. O Centro deve contribuir para isso. Também é preciso ressaltar que ele foi ativado por três governos independentes. A Áustria aqui tem autoridade assim como Espanha e a Arábia Saudita.
A Arábia Saudita é o primeiro Estado a financiar o Centro.
O estatuto coloca a responsabilidade da direção nas mãos da diretoria. O dinheiro é dado pela Arábia Saudita sem nenhuma condição. Estou certo de que, caso contrário, os meus colegas não teriam aceitado participar. Além disso, nem o rei nem nenhum outro representante saudita pediu que o Centro fosse nomeado ao rei Abdullah. Fomos nós.
Explique-me isso, por favor.
Há uma espécie de paradoxo, no sentido de que queremos que o Centro seja independente. Mas queremos que a sua importância se fundamente no fato de que a iniciativa vem da Arábia Saudita, do coração do mundo islâmico. O maior desafio do século XXI é realmente a relação entre Islã e modernidade. Vemos os efeitos negativos disso sob muitos pontos de vista: como o terrorismo em nome do Islã, tudo isso. Se o Islã não for capaz de encontrar o seu espaço no mundo moderno, o terrorismo seguirá em frente e se tornará ainda pior. Seria uma catástrofe para as futuras gerações.
Trata-se efetivamente de um problema religioso ou de outros desequilíbrios?
Em última análise, não se pode separar a religião da cultura, da história, da psicologia. O ponto crítico aqui é a dignidade. O maior problema do mundo muçulmano é a sensação de não ser realmente respeitado, sem falar do fato de se sentirem aceitos no mundo ocidental. Tudo isso leva a uma cultura do conflito. Por isso, o diálogo religioso é tão importante.
Concretamente, o que vocês desejam implementar no Centro?
Acima de tudo, o Centro deve combater a intolerância e os preconceitos. E anunciaremos uma primeira iniciativa que envolverá as diversas comunidades religiosas – principalmente igrejas e mesquitas – para combater a mortalidade infantil e para favorecer uma educação básica para a saúde. Outros pontos são, por exemplo, a assistência aos órfãos da Aids, a educação, os problemas relacionados ao ambiente. Também temos que reconhecer que ocorrem coisas terríveis em nome da religião. E, especialmente nos lugares onde a religião faz parte do problema, devemos fazer com que ela se torne uma parte da solução. Há muitos conflitos que são conflitos territoriais, para os quais a religião é explorada. Eu conheço muito bem a Irlanda, mas isso também vale para o Sri Lanka, para a Caxemira, para a Nigéria. E particularmente para o meu país no Oriente Médio.
Portanto, vocês querem agir como uma espécie de voz multirreligiosa?
Sim, e talvez até mais do que isso. Apoiando iniciativas de paz e de reconciliação, para levar uma voz construtiva da religião para regiões onde a religião é explorada pelos conflitos. Na minha opinião, um dos principais motivos pelos quais os acordos de Oslo fracassaram concretamente foi a rejeição dos políticos de compreender a dimensão religiosa do conflito. Todo projeto técnico que ignore os níveis psicológicos mais profundos das comunidades envolvidas só pode fracassar. Porque não tem o apoio psicológico e espiritual necessário.
Oficialmente, os judeus não podem ir à Arábia Saudita. O senhor o fará?
Penso que há boas probabilidades de que sejamos convidados a Riad [capital da Arábia Saudita]. Mas para mim isso não é tão importante.
Inicialmente, o senhor realmente era um pouco cético?
Continuo sendo um pouco cético. Devemos provar que a iniciativa é algo autêntico. Estou confiante. Mas se eu tiver que provar o contrário, vou tirar as conclusões necessárias disso.
Isto é, se retiraria?
Absolutamente. Certamente não sou só eu. É um problema de substância. Se o Centro, com relação às iniciativas e aos programas, não se desenvolver em uma direção satisfatória, se houver influências externas, se os países fundadores tiverem desdobramentos em direções contrárias aos objetivos do Centro, então surgiria um problema. Na Arábia Saudita, já foram alcançados progressos, tais como na possibilidade de estudo para as mulheres, no pluralismo, no diálogo institucional. Se ao invés de progressos duradouros houver retrocessos, por exemplos intervenções violentas contra as minorias, então será muito difícil para os membros da diretoria continuar a colaboração.
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O Centro KAICIID
Com o novo Centro Rei Abudllah para o Diálogo Religioso (KAICIID), iniciou-se no dia 26 de novembro um projeto muito polêmico. A nova organização, com sede no Schottenring de Viena, tem como tarefa promover o diálogo entre as religiões. No entanto, como a iniciativa vem justamente da Arábia Saudita, onde não há liberdade religiosa, logo surgiram, já na assinatura do acordo constitutivo do dia 13 outubro de 2011, críticas e desconfiança.
A festa de abertura com a participação de eminentes personalidades deve ser um bom começo para o Centro. Entre os convidados, estão não apenas os ministros das Relações Exteriores dos Estados fundadores – Espanha, Arábia Saudita e Áustria – e muitos representantes religiosos, mas também o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon.
Na diretoria do Centro estão representantes de todas as religiões mundiais. Os críticos temem que a Arábia Saudita, onde o wahhabismo, extremamente conservador, é a religião do Estado, possa exercer uma influência sobre os conteúdos do trabalho do Centro, até porque Riad irá financiar o KAICIID pelos primeiros três anos, com uma contribuição anual de cerca de 15 milhões de euros.
Os representantes sauditas defendem que o Centro irá contribuir para introduzir reformas no seu país.
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''Onde a religião faz parte do problema, ela deve se tornar parte da solução'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU