04 Março 2024
"Embora conhecendo e reconhecendo muitas das razões daqueles que lutam por isso, nunca pensei que a solução fosse estender o sacerdócio às mulheres, porque enquanto o sacerdócio ministerial for compreendido e vivido dentro de uma cultura clerical, ampliar a ordem sagrada para as mulheres significaria, de fato, clericalizar também as mulheres e, portanto, clericalizar ainda mais toda a Igreja", escreve Luigino Bruni, Professor Titular de Economia Política na Lumsa de Roma e Diretor Científico da Economia de Francisco, publicado por L'Osservatore Romano, 02-03-2024.
As mulheres ainda não encontraram o seu devido lugar na Igreja, ainda não conseguimos reconhecê-las na sua plena vocação e dignidade. Há dois mil anos esperam para serem vistas como Jesus as via, que foi revolucionário em muitas coisas e entre estas pelo papel que as mulheres tinham na sua primeira comunidade. Mas embora algumas das suas revoluções se tenham tornado cultura e instituições da Igreja, a sua visão da mulher e das mulheres ainda está presa no grande livro dos “não ainda” que não se tornam “já”.
Se olharmos com atenção, todos vemos que a Igreja não existiria sem a presença das mulheres, porque elas são uma grande parte da alma e da carne do que resta hoje do Cristianismo e, antes ainda, da fé cristã - estou ficando cada vez mais convencido de que se quando Jesus voltar à terra e ainda encontrar a fé, esta será a fé de uma mulher. Mas todos sabemos e todos vemos que a governança eclesial, em particular aquela da Igreja Católica, ainda não foi capaz de tornar concreta e operacional a igualdade e a verdadeira reciprocidade entre homens e mulheres. E assim a Igreja Católica continua sendo um dos lugares do mundo onde o acesso a algumas funções e tarefas ainda está ligado ao gênero sexual, onde nascer mulher já orienta desde o berço o percurso de vida daquela futura cristã nas instituições, na liturgia, nos sacramentos e na pastoral das comunidades católicas.
Embora conhecendo e reconhecendo muitas das razões daqueles que lutam por isso, nunca pensei que a solução fosse estender o sacerdócio às mulheres, porque enquanto o sacerdócio ministerial for compreendido e vivido dentro de uma cultura clerical, ampliar a ordem sagrada para as mulheres significaria, de fato, clericalizar também as mulheres e, portanto, clericalizar ainda mais toda a Igreja.
O grande desafio da Igreja hoje não é clericalizar as mulheres, mas desclericalizar os homens e, assim, a Igreja. Seria necessário, portanto, compreender onde estão os locais das boas batalhas e concentrar-se neles, mulheres e homens juntos - um erro comum é pensar que a questão feminina é um assunto apenas das mulheres.
É, portanto, necessário trabalhar, homem e mulher, na teologia e na práxis do sacerdócio católico que ainda está demasiado ligado à época da Contrarreforma, porque uma vez reconduzido o sacerdócio ao da Igreja primitiva, tornar-se-á natural imaginá-lo como um serviço de homens e mulheres.
Se, ao contrário, empregarmos agora as nossas energias para introduzir algumas mulheres no clube sagrado dos eleitos, apenas aumentaremos o número da elite sem obter bons resultados nem para todas as mulheres nem para a Igreja. O atual Sínodo, com o seu novo método, pode ser um bom começo também nesse processo necessário.
Mas também há uma boa notícia. Enquanto se espera por esse trabalho urgente, a Igreja Católica já está mudando muito rapidamente em algumas dimensões importantes. Na Igreja com o Papa Francisco, as mulheres estão muito mais presentes nas instituições do Vaticano, nas dioceses e nas comunidades eclesiais, em funções cada vez mais importantes, e agora muitas são leigas e/ou casadas. As teólogas e as biblistas também estão crescendo em quantidade, qualidade, estima e impacto. São fenômenos menos chamativos que os debates sobre o sacerdócio feminino, mas estão criando as condições para que um dia finalmente “a realidade seja superior à ideia” (Evangelii gaudium), e num amanhecer particularmente luminoso a Igreja acordará finalmente também mulher, sem se dar conta e sem fazer muito barulho, como as coisas realmente importantes da vida.
Tive a graça - e foi mesmo - de crescer, formar-me e viver já há quarenta anos numa comunidade fundada por uma mulher e suas companheiras: o
Movimento dos Focolares. Trabalhei por mais de dez anos com Chiara Lubich, como seu estreito colaborador para a cultura e para a Economia de Comunhão. Vi nela a inteligência diferente das mulheres, e muitas vezes revi aquela das mulheres na Bíblia.
A Bíblia, de fato, se a soubermos ler, muitas vezes mostra uma inteligência diferente das mulheres, caracterizadas por um talento e uma intuição especiais pelo cuidado das relações e da vida que vem antes das razões, dos interesses, do poder, da religião e talvez até de Deus. Rute, Ester, Abigail, a Sunamita, Maria, não são cópias dos protagonistas masculinos da Bíblia. Convenci-me, por exemplo, de que Sara não teria ido ao Monte Moriá para sacrificar o seu filho Isaque, porque no momento em que a voz lhe perguntasse, ela teria respondido: “tu não podes ser a voz do verdadeiro Deus da vida se pedires para matar o meu filho. Tu és um demônio ou um ídolo, porque só os demônios e os ídolos querem se alimentar de nossos filhos, não o Deus da Aliança e da Promessa”.
Olive Schreiner era uma pacifista sul-africana e ativista dos direitos das mulheres, uma autodidata que se educou lendo a Bíblia. Em 1916, numa época de guerra semelhante à nossa, escreveu palavras maravilhosas sobre as mulheres e a paz. Depois de mais de um século, as mulheres (e as crianças) continuam a sofrer as consequências das guerras, mas, também aqui, ausentes dos locais onde as decisões são tomadas, nos conselhos de guerra, nas impiedosas cadeias de comando:
“Não será por covardia ou incapacidade, nem certamente por virtudes superiores, que a mulher porá fim à guerra, quando a sua voz poderá ser ouvida no governo dos Estados; mas porque nesse ponto a ciência da mulher, enquanto mulher, é superior à do homem: conhece a história da carne humana, sabe o seu preço; o homem não o sabe. Numa cidade sitiada pode facilmente acontecer que o povo derrube estátuas e esculturas preciosas das galerias e dos edifícios públicos para fazer barricadas, as jogue para preencher os vãos, sem pensar, porque estavam à mão, sem levá-las em maior conta do que se fossem pedras de calçada. Mas só há um homem que não poderia fazer isso: o escultor. Mesmo que aquelas obras de arte não tenham saído de suas próprias mãos, ele conhece o seu valor. Instintivamente, sacrificaria todos os móveis de sua casa, o ouro, a prata, tudo o que existe nas cidades antes de jogar para a destruição as obras de arte. Os corpos dos homens são as obras de arte criadas pelas mulheres. Deem a ela poder de controle e nunca os lançará para preencher os abismos cavados nas relações humanas por ambições e ganâncias internacionais. Uma mulher nunca dirá: ‘Peguem e destruam corpos humanos: e assim resolverão a questão!’”.
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O sacerdócio não é a solução. Artigo de Luigino Bruni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU