01 Março 2024
A primeira parte do programa para as eleições europeias da chapa "Pace Terra Dignità" (Paz Terra Dignidade).
Reproduzimos o texto da primeira parte, dedicada à paz, com o qual o novo movimento denominado “Pace Terra Dignità” se apresentará nas eleições europeias do próximo mês de junho.
O fragmento foi publicado por Chiesa di tutti Chiesa dei poveri, 28-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o texto.
Dois povos vítimas, a Europa em chamas, o mundo em perigo, o empobrecimento crescente, a Terra a tremer, todos nós sem paz. Com as eleições europeias, a salvação pode começar pela Europa se ela se redescobrir e, a partir da reconciliação entre a Rússia, os Estados Unidos e o Ocidente, se dirigir para o mundo para construir a paz.
A paz não está sozinha. Paz, Terra e Dignidade são os três bens comuns primários de uma política que acima de tudo restitua a esperança e a confiança no futuro aos jovens, e possa prometer o ainda não realizado “direito à busca da felicidade”.
Todos dizem que querem a paz mundial, mas ela não pode sequer ser pensada se antes não terminarem os massacres na Ucrânia e no Oriente Médio, se não for posto um fim à "terceira guerra mundial em pedaços" que chega até ao Pacífico. A Paz não é apenas a ausência de violência das armas e de práticas de guerra, significa ausência de relações antagônicas, desafios militares ou sanções genocidas entre os Estados, colocar a diplomacia em primeiro lugar, implica proximidade e assistência a todos os povos nos momentos de dificuldade.
Hoje a pergunta gritada pelo Papa Francisco ressoa por toda a Europa: “Para onde vais, Europa? O que aconteceu contigo, Europa, mãe de povos e nações?”. “A alma europeia nasceu do encontro de civilizações e povos, mais ampla do que as atuais fronteiras da União”. Mas hoje está em perigo porque traiu as razões pelas quais nasceu.
Para cumprir a sua tarefa, deve repudiar as armas como meio de ofensa aos outros povos e de solução de disputas internacionais, obter um cessar-fogo na Ucrânia, intervir com energia ininterrupta para que os povos de Gaza e da Palestina voltem a desfrutar do valor da vida e da convivência humana.
Consideramos a guerra a manifestação mais extrema do poder patriarcal fundado na lógica do poder, na opressão e na violência. As culturas e as práticas dos movimentos das mulheres que se opõem a ela podem ser decisivos na construção de um mundo novo, pacífico e justo, fundado no cuidado, atento às diferenças e avesso às desigualdades.
Não consideramos a política, nem mesmo as eleições, como um confronto entre Amigo e Inimigo. É por isso que participamos nelas não para ganhar assentos, mas para tirar a Europa da guerra e convidar todas as forças políticas a reconhecerem-se naquilo que é essencial para todos e a explorarem os caminhos para um outro mundo possível.
Pedimos, portanto, ao Parlamento e às Instituições europeias que façam essas escolhas:
1) Sobre a paz na Europa, não confundir a solidariedade prestada ao agredido com o fornecimento de armas e o incitamento ao confronto, prometendo-lhe vitórias impossíveis, alimentando um conflito infinito capaz de convergir numa terceira guerra mundial, até o recurso às armas nucleares e à destruição da raça humana e da natureza. É necessário parar de enviar armas para a Ucrânia e auxiliá-la numa negociação que garanta segurança mútua às partes e resolva o conflito pelas terras disputadas com procedimentos democráticos e de autodeterminação.
2) Sobre os horrores de Gaza a Europa deve confirmar a sua condenação do massacre de 7 de outubro e o direito dos israelenses de viver em paz e segurança. Do mesmo modo, a Europa deve denunciar o massacre em curso de mulheres, crianças e civis, a expulsão de milhões de pessoas das suas casas, os territórios ocupados em desafio às resoluções da ONU, a limpeza étnica, os assentamentos ilegais, o regime do apartheid e a supressão dos direitos civis palestinos; a Europa deve unir-se ao Tribunal de Haia que, no caso movido pela África do Sul, estabeleceu que "Israel deve, de acordo com as suas obrigações em conformidade com a Convenção do Genocídio, em relação aos palestinos em Gaza, adotar todas as medidas ao seu dispor para impedir a prática de todos os atos" por tal Convenção sancionados como genocídios, que “deve garantir com efeito imediato que suas forças militares” não cometam nenhum deles, e que deve “prevenir e punir o incitamento direto e público ao cometimento de genocídio contra membros do grupo palestino na Faixa de Gaza”, adotando também “medidas imediatas e eficazes para permitir o fornecimento de serviços básicos e assistência humanitária urgentemente necessários para enfrentar as condições de vida adversas dos palestinos na Faixa de Gaza”.
Enquanto isso deveria resultar num cessar-fogo imediato, a Europa, igualmente preocupada com o destino dos reféns sequestrados, deve associar-se ao pedido do Tribunal para a sua "libertação imediata", bem como dos presos políticos palestinos, começando por Marwan Barghuti. Também devem ser libertados todos os presos nas prisões do Estado de Israel sem uma acusação formal. A Europa deve comprometer-se a ser mediadora e a promover a busca de uma solução para a questão palestina, bem como a reconstrução de Gaza, o retorno dos seus habitantes às suas casas destruídas e um plano extraordinário de ajudas humanitárias e sanitárias.
3) A solução dos “dois povos em dois estados” – prevista desde o início, seguida até ao assassinato de Rabin, e agora rejeitada por Israel - parece hoje mais difícil de implementar devido à colonização e à ocupação progressiva dos territórios onde os palestinos devem poder voltar a viver em paz. A Europa deveria, portanto, também encorajar a exploração da possível convivência entre os dois povos numa única terra, garantindo plenos direitos políticos aos palestinos - incluindo o direito de retorno - e um sistema institucional abrangente e acolhedor para ambos os povos. Uma conferência internacional de paz sob os auspícios da ONU poderia favorecer esse processo de paz e reconciliação entre os dois povos como única saída para um conflito que já dura décadas. Caso contrário, seria obrigatório o reconhecimento do Estado da Palestina nos territórios ocupados nos quais se implementaria a remoção. Para favorecer esse processo, a Europa poderia abrir as portas da União aos dois povos. E enquanto estiver em curso um processo de genocídio, a Europa deveria propor a todos os Estados a identificação da própria guerra como genocídio e a sua inclusão na normativa sobre genocídio, exceto por direito de defesa.
4) A Europa deveria lutar pelos direitos dos Curdos e pela libertação de Abdullah Ocalan e dos prisioneiros políticos na Turquia. A ideia do confederalismo democrático é curda, a resistência contra o ISIS foi curda, o projeto de paz para o Oriente Médio fundado é curdo, é curdo o slogan 'Mulher, Vida, Liberdade' que foi adotado pelos movimentos no Irã e ao redor do mundo.
5) A Europa é uma União de Estados, mas não deve se tornar um superestado que entende a soberania como um poder supremo, superior a qualquer outro poder e culminando no direito à guerra. Consequentemente, a criação de um Exército Europeu deve ser excluída. Pelo contrário, a Europa, uma federação de Estados, terá de abrir uma nova fase de cooperação entre os povos, atuar para retomar o caminho dos tratados de desarmamento e a desnuclearização militar e civil, reduzir os gastos militares, promover o controle público da produção e do intercâmbio de armas e estabelecer a reconversão das suas indústrias bélicas para fins civis. Paz significa negociar para reduzir a presença de armas nucleares na Europa e na Itália. Os recursos retirados das despesas de guerra devem ser utilizados para reduzir a dívida e as desigualdades, enfrentar os grandes desafios das pandemias, do clima e da migração e para garantir que cada mulher, homem ou criança tenha alimentos, água, medicamentos suficientes e o direito a um futuro melhor. Pedimos que a Itália ratifique o Tratado para a Abolição das Armas Nucleares.
6) A tarefa da Europa passa pelo Mediterrâneo, também para o desenvolvimento a ser dado às relações com o Oriente Médio e ao mundo árabe-muçulmano. Através desse mar, a vocação da Europa estende-se à África e à Ásia, e é uma contradição a ser removida ter feito da Sardenha um campo de tiro e da Sicília um porta-aviões que ameaça a guerra.
7) Queremos uma Europa que seja um conjunto de comunidades pacíficas abertas ao mundo, independentes, amigas, mas não submissa aos Estados Unidos ou a qualquer outra potência, respeitosa da diversidade, protagonista de um mundo multipolar, não submetida ao domínio de um soberano absoluto que se arroga a missão de guardião universal.
Deve escapar da lógica dos bloqueios e da vassalagem ao mais forte, que sacrifica os seus próprios interesses aos interesses alheios. A Europa deve colaborar com a Rússia, com a China e com os países que compõem o arquipélago dos BRICs.
8) A Cúpula de Roma de novembro de 1991 confirmou, apesar da dissolução do Pacto de Varsóvia, a existência da OTAN, mas de natureza exclusivamente defensiva: “nenhuma das suas armas será jamais utilizada exceto em legítima defesa, nem se considera adversária de qualquer um" .
Em contraste com esse compromisso, a Aliança teve a pretensão de se substituir à ONU como titular de um poder militar que se estende por todo o mundo, começando pela guerra jugoslava e estendendo-se ao Leste até ameaçar as fronteiras da Rússia, ignorando o pedido de segurança daquele país, dando assim origem à intervenção russa na Ucrânia. Em seguida, ao transformar a inaceitável invasão russa da Ucrânia num conflito mundial, ao abandonar o caminho da diplomacia, ao visar a derrota do Estado russo, determinou um preço insuportável de vítimas ucranianas e russas, a destruição de um país inteiro e o sacrifício das esperanças dos europeus de recuperação econômica após a pandemia. É preciso silenciar as armas, encontrar o caminho para o diálogo e o desarmamento consensual. Por outro lado, a iniciativa assumida por Giorgia Meloni é inconcebível, mesmo que tomada sem entender o seu alcance, de um pacto militar com a Ucrânia em plena guerra com a Rússia, fora da própria OTAN, que objetivamente nos coloca num estado de conflito com a Rússia, da qual não somos inimigos, como se não bastasse a angustiante experiência que a Itália teve com a Força Expedicionária enviada para se sacrificar na operação Barbarossa de 1941, na Rússia. Em vez disso, acreditamos que com o fim da guerra seremos mais uma vez capazes de imaginar uma Europa que possa desempenhar um papel autônomo de promoção da paz e de uma relação fraterna entre os povos, juntamente com uma rápida superação dos conflitos militares entre os blocos e a própria OTAN. Objetivo que parecia possível antes da guerra na Ucrânia.
Pedimos à União Europeia para que suspenda os exercícios militares ameaçadores “Stealfast Defender” programados pela OTAN para os próximos meses e rejeite da maneira mais absoluta a ideia de projetar a Aliança Atlântica para o Indo-Pacífico e o confronto armado com a China.
Acreditamos também que são necessárias garantias mútuas de segurança para todos os Estados e consideramos como uma ameaça à paz a pretensão de impor à força os “nossos valores”, a “nossa ideia” de liberdade e de democracia e a supremacia tecnológica e militar do Ocidente.
A Europa terá de promover a cultura da paz nas escolas e nas universidades, apoiar o direito à objeção de consciência e à recusa de combater em todo o mundo, criar um corpo civil de paz europeu.
9) A Europa deve rejeitar o critério das relações internacionais como “competição estratégica” entre as grandes potências como concebido pelos Estados Unidos. Essa doutrina prevê comportamentos econômicos e militares que tornam provável uma Terceira Guerra Mundial. Isso é o que se teme em relação à crise do Mar Vermelho, que poderia se transformar numa perigosa escalada envolvendo o Líbano, a Síria e o Irã, e em relação à controvérsia sobre Taiwan, que pode tornar-se devastadora para a China, a Índia, o Japão e a Austrália. Estamos hoje num mundo multipolar e a Europa, não tendo interesse em criar um muro entre Ocidente e Oriente, deve atuar pela coexistência pacífica entre todos os Estados e ouvir as diferentes vozes do novo mundo.
10) O Parlamento Europeu deve ter a iniciativa legislativa e participar no processo de tomada de decisões no âmbito da política externa e de segurança comum. No quadro de uma recuperação progressiva das relações internacionais, é necessário restaurar eficácia de intervenção para o Conselho de Segurança da ONU no seu papel de defesa da paz, através da revisão do direito de veto, do desenvolvimento de procedimentos democráticos e da entrada de outros grandes países como o Brasil, a Índia e a África do Sul entre os Membros Permanentes.
11) Numa perspectiva mais geral, a União Europeia deve promover uma Constituição Mundial com a criação de instituições eficazes que garantam a paz e a efetividade dos direitos e dos valores reconhecidos como comuns a toda a humanidade.
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O que é positivo para a paz? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU