07 Março 2024
"Talvez o que mais tenha feito o padre Arrupe sofrer tenha sido a incompreensão primeiro do Papa Paulo VI e depois de João Paulo II. Um homem da Igreja como ele, que prescrevia aos jesuítas uma obediência filial e devota à Santa Sé, experimentou pessoalmente a incompreensão do vigário de Cristo na terra e a rejeição de algumas de suas posições e decisões de grande importância para o futuro da Ordem", escreve o jesuíta Javier Duplá, escritor, educador e pesquisador do Centro de Reflexão sobre Educação da Companhia de Jesus na Venezuela (Cerpe), em artigo publicado por Revista SIC e reproduzido por Settimana News, 29-02-2024.
Em 5 de fevereiro, comemorou-se o 33º aniversário da morte do padre Pedro Arrupe, vigésimo oitavo Superior Geral da Companhia de Jesus, de 1965 a 1983. Arrupe viveu pessoalmente a explosão da bomba atômica em Hiroshima em 6 de agosto de 1945, testemunhando-a em um escrito intitulado "Eu vivi a bomba atômica". Na época, era mestre dos noviços e, posteriormente, foi nomeado Provincial em tempos terríveis de escassez de alimentos e reconstrução do país.
Em sua vida, ele atravessou situações muito difíceis, nas quais o mal estava fortemente presente e nas quais reinava a incompreensão entre as pessoas e até mesmo entre as instituições da própria Igreja. Ele foi Superior Geral em um momento particularmente difícil para a Igreja e para a Companhia: um período em que eclodiu a rebelião contra as tradições religiosas, no qual quase tudo foi questionado e que viu numerosos religiosos e sacerdotes abandonarem o hábito.
Após sua eleição como Superior Geral da Companhia, surgiram tensões internas na ordem, também devido a algumas de suas cartas, reflexões e decisões. Na Espanha, especialmente, os jesuítas conservadores consideravam que Arrupe estava indo longe demais com sua orientação social e que tinha simpatia pelo pensamento marxista, que não exigia uma obediência rígida e permitia a discussão sobre questões difíceis.
Houve até jesuítas que tentaram formar um grupo separado, uma Companhia em obediência à tradição como eles a entendiam. Eram os chamados "jesuítas da estrita observância". Arrupe reagiu com respeito a esses jesuítas, com grande paciência, com grande espírito de oração, recomendando constantemente a Deus o futuro da Companhia e da Igreja, sem condená-los, ouvindo suas ideias.
Talvez o que mais tenha feito o padre Arrupe sofrer tenha sido a incompreensão primeiro do Papa Paulo VI e depois de João Paulo II. Um homem da Igreja como ele, que prescrevia aos jesuítas uma obediência filial e devota à Santa Sé, experimentou pessoalmente a incompreensão do vigário de Cristo na terra e a rejeição de algumas de suas posições e decisões de grande importância para o futuro da Ordem.
Refiro-me em particular à resposta de Paulo VI à decisão de eliminar os diferentes graus de pertencimento à Companhia, que o Papa rejeitou. Padre Arrupe tinha a firme intenção de renunciar como Geral em 1980, considerando que a 31ª Congregação Geral havia aberto a porta para a possibilidade de renúncias.
Por isso, após consultar os Assistentes e os Provinciais, que consideraram suficientes suas razões, foi necessário convocar uma Congregação Geral. Arrupe comunicou a João Paulo II sua intenção e o Papa pediu-lhe que adiasse sua decisão. Após dois encontros com o Papa, Arrupe não conseguiu obter autorização para convocar a Congregação Geral.
Em agosto de 1981, ao retornar de uma viagem às Filipinas, Arrupe sofreu um derrame cerebral que o deixou permanentemente doente. De acordo com as Constituições, o Padre Vincent O'Keefe assumiu a liderança da Companhia como Vigário Geral. Mas o Papa João Paulo II nomeou então um delegado pessoal com plenos poderes, interrompendo o processo constitucional da Ordem, um caso único na história da Companhia de Jesus. Ao fazer isso, João Paulo II deslegitimou a administração do padre Arrupe.
Em 5 de fevereiro de 1991, padre Arrupe passou para junto do Pai e se realizou o que ele mesmo havia escrito poucos dias antes do derrame que o atingiu dez anos antes: "A morte é um salto no vazio? Certamente não. É lançar-se nos braços do Senhor, ouvir um convite que não se merece, mas que realmente se realiza: vem, servo bom e fiel, entra na alegria do teu Senhor". Suas últimas palavras foram: "Pelo presente Amém e pelo futuro Aleluia".
Um jesuíta como esse merece o reconhecimento de todos. Em 5 de fevereiro de 2019, o Padre Geral Arturo Sosa abriu o processo de beatificação de Pedro Arrupe, que em sua primeira fase recolhe os testemunhos daqueles que o conheceram e lidaram com ele.
Jon Sobrino proferiu algumas palavras em seu elogio fúnebre que poderiam servir como epitáfio: "A Pedro Arrupe, que ajudou a Companhia a ser um pouco mais de Jesus".
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Pedro Arrupe: um santo contemporâneo. Artigo de Javier Duplá - Instituto Humanitas Unisinos - IHU