16 Janeiro 2024
"A verdade é que, embora possa parecer surpreendente, neste momento o governo está mais preocupado do que com a economia, que começa a melhorar, mas sim com a violência policial que contagia o resto das organizações criminosas que acabam por se abraçar, o que por sua vez contagiam os políticos mais direitistas que têm garantidos milhões de votos nas eleições municipais", escreve Juan Arias, jornalista e escritor espanhol, em artigo publicado por El País, 13-01-2024.
O governo Lula teme que o caso equatoriano acabe suscitando as críticas que seus governos anteriores receberam por não serem suficientemente severos com os criminosos.
Nos 20 anos que venho reportando sobre o Brasil, raramente o drama de um pequeno país latino-americano, como o Equador, recebeu tanta atenção na imprensa nacional. A questão está sendo destacada ao nível da informação e da análise política. A violência desencadeada no Equador interessa e assusta ao mesmo tempo o governo Lula, que vinha sendo acusado pela oposição Bolsonaro de não enfrentar com vigor a questão da segurança nacional que aflige o país a tal ponto que nas pesquisas esta questão aparece como mais grave do que a economia.
E já em vários estados do país, do Rio à Bahia, as facções criminosas envolvidas no comércio de drogas e armas estão se tornando mais visíveis e perigosas, alarmando os cidadãos para quem apenas sair na rua já pode significar perigo de vida.
No Brasil, a questão da violência urbana, onde milícias policiais se unem a traficantes de drogas e políticos corruptos em busca de votos, fica mais grave a cada ano e teve um novo impulso nos quatro anos de governo de extrema-direita de Bolsonaro. O governo Lula teme que o caso do Equador acabe suscitando as críticas que seus governos anteriores receberam por não serem suficientemente severos com os criminosos e por não terem abordado com coragem a dramática questão das prisões brasileiras, consideradas algumas das mais violentas do mundo.
O slogan do governo Lula em relação ao caso equatoriano tem sido cautela no tratamento do assunto “por medo de contaminação política” que poderia ser explorada pela oposição. Assim, nos dias de hoje Lula tem tido repetidas reuniões com seus assessores de política externa justamente no momento em que acaba de nomear como ministro da Justiça o ex-juiz do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, que sempre se caracterizou pela preocupação com a política carcerária. Uma política que sempre foi criticada pela Human Rights Watch por supostas inconsistências em relação aos direitos humanos dos presos brasileiros. Para o órgão, a violência policial fora e dentro dos presídios no Brasil continua sendo um problema crônico que atinge principalmente negros e jovens nas grandes favelas.
Hoje nas prisões brasileiras, muitas delas dominadas por organizações criminosas, existem 832.295 presos, dos quais 1 em cada 4 ainda não foi julgado e não haveria lugar nas prisões para 236 mil presos. E talvez o mais grave é que 43% desses detidos são jovens.
Quando Lula ganhou as eleições, uma das suas primeiras promessas foi mudar a política expansiva da extrema-direita de armar a população, “transformando os centros de tiro do país em bibliotecas”. E de fato o comércio de armas nas mãos dos cidadãos diminuiu, mas a violência policial e a força das organizações criminosas continuam vivas e assustam cada vez mais a população das grandes cidades, onde as pessoas têm medo de sair às ruas ou assassinado.
Até o roubo de um simples celular pode resultar em homicídio e há cidades onde existe um estado de violência tal que contamina a convivência e agrava o medo de sair de casa. Se não fossem trágicas, algumas iniciativas para evitar ser assaltado na rua, em plena luz do dia e nos locais mais impensáveis, seriam engraçadas. Como boa parte das vítimas de assaltos nas ruas são mulheres, para levar o celular elas costumam carregá-lo escondido no peito. Mas como isso já não basta para que estejam seguros, há quem invente uma bolsa com zíper para escondê-la nas partes mais íntimas. E dizem que é barato.
A verdade é que, embora possa parecer surpreendente, neste momento o governo está menos preocupado com a economia, que começa a melhorar, e mais preocupado com a violência policial que contagia o restante das organizações criminosas que acabam por se abraçar, o que por sua vez contagiam os políticos mais direitistas que têm garantidos milhões de votos nas eleições municipais.
Hoje existem cidades no Brasil tão dominadas por organizações criminosas que é difícil, senão impossível, que um candidato às eleições seja eleito sem a ajuda oculta e às vezes até aberta das milícias policiais. Tudo isto começou a agravar ainda mais a questão da violência urbana, que por vezes termina em verdadeiras guerrilhas com truculência policial, algo que a extrema-direita se aproveita contra o governo progressista, acusando-o de ser indefeso e até cúmplice dessa violência ao condenar o embrião da política de Bolsonaro centrou-se no sonho de ter uma sociedade armada a serviço do governo.
Em sua coluna para o jornal O Globo, Malu Gaspar acaba de alertar para o perigo de contágio no Brasil pelo estado dramático em que vive o Equador. Segundo o analista político, hoje no país “as milícias e os traficantes de drogas estão tão próximos e misturados que são chamados de narcomilicias que já dominam parte do território nacional”. E conclui que “o alerta do Equador para o Brasil está aí”.
E menos ainda neste ano em que o Brasil volta às urnas para eleger governos locais nos quais, de forma muito especial, esses narcomilistas são especialistas em contaminar e comprar candidatos e nos quais a extrema-direita está especialmente enraizada. Além disso, consegue se infiltrar na política com candidatos do mundo militar e policial, cada vez mais presentes no Congresso Nacional. Hoje, os três maiores grupos parlamentares influentes são o Bible Call, os evangélicos, os agricultores e os militares. Precisamente onde a oposição de Bolsonaro parece mais perigosa.
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O drama no Equador coloca o governo brasileiro em alerta. Artigo de Juan Arias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU