10 Janeiro 2024
Na época de Rafael Correa, era uma das nações mais calmas da América. Depois da acumulação de drogas na pandemia, da entrada das máfias europeias numa economia aberta e da liberdade monetária, hoje o Equador é como o México dos anos noventa: o lugar mais perigoso dos Andes.
A reportagem é de Alfredo Grieco y Bavio, publicada por El Diario, 10-01-2024.
Depois de uma década votando à direita por medo de se tornar a Venezuela de Hugo Chávez, hoje o Equador se parece muito mais com a Colômbia de Pablo Escobar. Em dezembro, o jovem empresário Daniel Noboa tomou posse como novo presidente de direita do país dolarizado. Mudança geracional como governo dos filhos: o pai de Daniel é o bananeiro Álvaro Noboa: o homem mais rico do país. Ou foi, até a chegada e instalação bem-sucedida do negócio da droga num país sem Banco Central, aberto à livre iniciativa e com a comodidade contábil e evasiva de operar legalmente com moeda estrangeira (nacional, não há).
Em 8 de agosto, o candidato presidencial Fernando Villavicencio, pelo partido Movimiento Construye, foi assassinado por pistoleiros quando saía de um evento de campanha em uma escola na capital Quito. Nunca antes um candidato presidencial tinha sido assassinado no Equador durante a campanha, nunca antes o crime organizado se importou tão pouco, quando se preparava para eliminar um inimigo, se a democracia equatoriana se preparava para votar ou se era qualquer outra data do ânus. E, nunca antes foi necessário assumir como agora, necessariamente, que a grave situação, especialmente na zona costeira, onde o narcotráfico pode escoar as suas mercadorias pelos portos, atingiu Quito, o coração do país.
Algumas pesquisas anteriores ao primeiro turno previam um possível segundo lugar para Villavicencio, atrás da candidata correísta Luisa González, do Revolución Ciudadana (RC). Com o seu assassinato, repudiado pela comunidade nacional e internacional, a crise de segurança no país adquiriu uma magnitude até então desconhecida. O que só piorou desde meados de 2023: “Está cada vez mais claro que o Equador é o centro da violência no mundo andino, superando a taxa de homicídios do México”, afirma Gonstantin Groll, diretor do escritório equatoriano da Fundação Friedrich Ebert.
Uma escalada ininterrupta da crise securitária, econômica e social, marcada por assassinatos de políticos, massacres prisionais, violência proveniente do crime organizado do tráfico de droga: sequestros, extorsão de comerciantes e também de empresas, universidades públicas, centros médicos. A esta série devemos acrescentar que “há cada vez mais vozes de especialistas que indicam que existem ligações entre o Estado e o crime organizado”, segundo Groll.
Localizado no extremo oeste da América do Sul, em poucos anos o Equador tornou-se uma terra de tráfico de drogas com uma onda de violência sem precedentes em sua história. No fim de 2023, o Equador ultrapassará 35 homicídios por 100 mil habitantes, superando países como México e Colômbia.
Esses males recorrentes não são resultado do acaso. “A instabilidade no Peru e no Equador tem muito a ver com a falta de capacidade do Estado para fornecer e expandir serviços de forma equitativa à população em geral. E isso vem acontecendo há muitos anos, apesar das revoluções e dos novos períodos democráticos”, afirma Grace Jaramillo, cientista política equatoriana da Universidade da Colúmbia Britânica, no Canadá.
Instabilidade política, desigualdade, protestos, crises sociais, violência e tráfico de drogas são os fatores que obscurecem o panorama dos países andinos. Numa espécie de eterno retorno, após períodos de relativa calma, a situação agrava-se novamente e mergulha os países na incerteza e na desestabilização institucional.
Na região andina, durante décadas, o grupo de poder foi mais uma plutocracia do que uma oligarquia composta por famílias numerosas que controlavam a banca, os meios de comunicação e as instituições políticas. O presidente Guillemo Lasso, ex-banqueiro, pertence a uma família que faz parte da plutocracia. Esta dinâmica de poder começou a ruir no início deste século, com a assunção de governos progressistas.
“A disputa não é apenas sobre o controle do poder político, mas, sobretudo, dos poderes econômico e mediático. É por isso que aqui ocorrem grandes tensões entre diferentes partidos e organizações sociais”, explica Jacques Ramírez, professor da Universidade de Cuenca, no Equador.
De um modo geral, os cidadãos não votam num programa, mas na pessoa que acreditam poder melhorar as suas condições de vida. Quando a situação eventualmente melhora, há uma reação muito forte dos poderes estabelecidos que expressam interesses econômicos, por vezes de empresas estrangeiras, e também de famílias antigas. “Os poderes estabelecidos vão tentar defender seus privilégios a todo custo, não importa se o Exército intervém. Para esta elite, a democracia só é válida quando serve os seus interesses”, afirma Wolf Grabbendorf, especialista alemão que ocupou vários cargos em instituições na América Latina e conhece profundamente a região.
O tráfico de droga tem vindo a ganhar terreno nos países andinos graças, precisamente, à fragilidade institucional e às fronteiras porosas entre os Estados. Contudo, não é exclusivo desta região: “Nos Estados Unidos e na Europa, o tráfico de drogas pode atuar porque tem ligações mais ou menos fortes com os governos, com a Polícia, com a Marinha... É algo que acontece no nível global, caso contrário não se compreenderia o transnacionalismo do negócio do narcotráfico”, detalha Ramírez.
De acordo com os dados do relatório realizado a cada dois anos pela organização internacional Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GI-TOC), o Equador atingiu 7,07 pontos, o que supera a média global de criminalidade de 5 pontos, e é o lar de “vários organizações criminosas internacionais, incluindo as da Colômbia, México, Albânia e China”.
Em apenas alguns anos, a nação equatoriana tornou-se uma autoestrada de cocaína em grande escala, com um mercado interno em crescimento, afirma GI-TOC. As máfias e cartéis mexicanos associados a gangues locais controlam grande parte das operações ligadas ao tráfico de drogas. A extorsão e a chantagem sistemáticas para buscar proteção ameaçam a habitabilidade de certas áreas do Equador, uma das principais razões que impulsionam a migração dos equatorianos.
“Os criminosos têm se tornado cada vez mais ousados e violentos, fechando estradas principais para roubar ônibus ou cobrar pedágios, matando clientes e empresários locais e até mesmo ameaçando com atos terroristas, como colocar explosivos em postos de gasolina quando as empresas se recusam a pagar.””, explica GI–TOC sobre o Equador. A investigação detalha que as chamadas de extorsão muitas vezes vêm de prisões ou de criminosos no exterior que se identificam como membros de várias gangues perigosas. O anterior governo de direita, do septuagenário presidente Guillermo Lasso, ex-banqueiro milionário, que renunciou antes do fim do seu mandato, perdeu o controle do seu sistema prisional que se tornou uma base de operações para o tráfico de drogas e assassinatos relacionados com a extorsão.
O mesmo relatório assegura que o tráfico ilegal de armas aumentou nos últimos anos, alimentado por estruturas criminosas transnacionais. Os 'narcoplanos' entram no país com armas e dinheiro para entregá-los às grandes gangues que trabalham para os cartéis mexicanos. Algumas armas adquiridas por grupos armados colombianos passam pelos EUA, México e Equador.
Para GI-TOC, o aumento do tráfico de drogas e de armas contribuiu para o aumento das mortes violentas, o que fez com que as estatísticas de assassinatos no Equador fossem as piores da última década. Muitas destas mortes são atribuídas a confrontos entre grupos do crime organizado. A decisão do governo, em Abril de 2023, de facilitar o acesso a armas para os civis poderia ter exacerbado os níveis de violência.
O GI–TOC não é a única entidade que alerta para esta situação. O Observatório do Crime Organizado no Equador (OECO), uma iniciativa da Fundação Pan-Americana para o Desenvolvimento, anunciou que em 2024 o país poderá atingir um número recorde de aproximadamente 7.000 mortes se a tendência continuar. No período entre janeiro e junho de 2023, o Equador atingiu uma taxa de 20 homicídios por 100 mil habitantes e, segundo a OECO, a taxa pode subir para 35 mortes por 100 mil habitantes.
Os resultados reportados pela OECO indicam que o tráfico de droga é a principal expressão criminosa a nível nacional com uma incidência de 23%, mas em segundo lugar está o branqueamento de capitais com 17% que envolve atividades econômicas ligadas à construção, compra e venda de imóveis e veículos, farmácias, restaurantes, postos de gasolina e centros de apostas online. Este crime é seguido pela corrupção em todas as instituições do Estado com 16%, pelo tráfico de armas com 10% e finalmente pelo tráfico de hidrocarbonetos relacionado com o tráfico de drogas com 9%.
O relatório publicado pela OECO contém uma série de recomendações para combater o avanço do crime organizado no Equador que incluem a concepção e estabelecimento de uma estratégia nacional contra a extorsão focada na redução do controle territorial das organizações criminosas nos cantões mais críticos; reforçar as passagens formais de fronteira porque a sua infraestrutura é deficiente; conceber uma política criminal destinada a enfraquecer as economias ilícitas; priorizar a alocação do orçamento para logística, equipamentos e tecnologia da Polícia Nacional e Forças Armadas, da forma mais eficaz.
O Equador testemunhou uma transformação extraordinária com milhões de pessoas tiradas da pobreza, impulsionadas pela onda de um boom do petróleo cujos benefícios durante a década do governo de esquerda do ex-presidente Rafael Correa (2007–20017) foram investidos na educação, saúde e outros aspectos sociais. programas. Os setores mais empobrecidos passaram a acreditar que seus filhos poderiam terminar a escola, tornar-se profissionais e viver vidas totalmente diferentes daquelas que seus pais tiveram. Depois dos governos de Lenín Moreno (2017–2021) e Lasso, estes equatorianos veem como os seus bairros se deterioram em meio ao crime, às drogas e à violência. E como as escolas não ficaram imunes à crise embora a Ministra da Educação, María Brown da administração do ex-banqueiro Lasso, tenha garantido que as escolas são os “espaços mais seguros” e devido a este orçamento, as autoridades governamentais não permitem que a Polícia entre nos centros educativos com pessoal armado.
Inúmeras ações criminosas foram confirmadas dentro dessas instituições, principalmente públicas. Especialistas em questões de segurança, como o advogado criminal Hugo Espín, que prioriza a definição de uma política de segurança pública baseada na correlação e corresponsabilidade entre todos os ministérios da frente social com as Forças Armadas e a Polícia, purificados em todas as suas hierarquias de todas as suspeitas de relação com o tráfico de drogas, sustenta que deve ser autorizada a intervenção direta da polícia especializada em adolescentes infratores e na realização de controles e buscas em áreas de conflito.
A localização geográfica do Equador, situado entre os países Colômbia e Peru, maiores produtores de cocaína, sua curta extensão territorial e estrutura rodoviária que permite a movimentação entre fronteiras em menos de 12 horas; a dolarização e os baixos níveis bancários, que facilitam enormemente a lavagem de dinheiro do tráfico de drogas; O perfil costeiro navegável e o controlo limitado do território marítimo e aéreo favoreceram o aumento do crime organizado.
A transferência de cargas em toneladas exige grande mobilização e logística. A Polícia dispõe dos equipamentos e meios necessários, mas não houve vontade política nem decisão logística por parte do comando, afirma Espín.
Os controles aleatórios na cidade de Baeza – ponto-chave para a mobilização do Leste para a Serra – não possuem sequer câmeras para identificar as placas dos veículos. Não é um caso isolado. O fortalecimento do sistema de inteligência foi totalmente prejudicado nos últimos anos.
Com efeitos semelhantes aos causados pelas gangues, infiltrações e tráfico de drogas, outros elementos estruturais condicionam o cotidiano das famílias, nos bairros mais complexos e problemáticos. “Não vemos a gravidade da violência interna na diversidade das suas manifestações”, afirma Berenice Cordero, ex-ministra da Inclusão Econômica e Social durante a administração do ex-presidente Lenín Moreno.
Segundo os dados revistos por Cordero do Ministério do Interior, “há cerca de 2 milhões de crimes cometidos entre 2018 e 2022” e distingue que “há crimes contra a vida, mas também abusos sexuais. Por exemplo, (os números) relativos à violência familiar são praticamente o mesmo número de detenções que ocorrem por substâncias controladas.”
Cordero entende que as soluções para a questão da violência interna não se limitam apenas ao governo central, mas requerem a participação dos cidadãos no diálogo com os governos autônomos descentralizados.
Em 8 de setembro, ao final de sua estada de duas semanas, o Relator Especial das Nações Unidas sobre Pobreza Extrema e Direitos Humanos, Oliver De Shutter, responsabilizou o então presidente Lasso por não ter agido com força para acabar com o trabalho forçado – especialmente entre as minorias – e observou a falta de oportunidades econômicas, o que permitiu que grupos criminosos recrutassem novos membros. Declarou que o dinheiro atribuído aos subsídios aos combustíveis deveria antes ser gasto em programas sociais.
O relatório de De Schutter enfatiza que aproximadamente 34% dos habitantes do Equador entre 15 e 24 anos vivem na pobreza. Muitos dos jovens que abandonaram a escola durante a pandemia de Covid-19 nunca mais regressaram à sala de aula e foram facilmente recrutados por gangues. De Schutter destacou a enorme diferença entre as comunidades urbanas e rurais. No primeiro caso a taxa de pobreza multidimensional é de 23%, enquanto nas zonas rurais chega a 70%. Especificou que a pobreza é maior nas províncias com maior população indígena.
No entanto, “Ninguém quer mencionar a palavra pobreza. Por quê? Por que ninguém fala sobre pobreza?", pergunta Cordero.
“Porque sabem que este é um dos indicadores mais duros que o país tem e para isso vão ter que trabalhar na rede de proteção social”, afirma na sua resposta completa.
O impopular último governo de Guillermo Lasso geriu-se entre a espada e a espada ao tentar satisfazer as exigências prementes ligadas à crise econômica e de segurança e ao cumprimento da dívida pública. Quanto ao último tema, reduziu o défice fiscal de 7,5 mil milhões de dólares para 2 mil milhões de dólares, equivalente a 6 pontos do PIB e com a inflação mais baixa da região (3,7%).
Contudo, esta ‘conquista’ não permeou as famílias, muito pelo contrário. Uma espécie de “efeito Macri na Argentina”, diz Andrés Albuja, analista e consultor internacional da Asesores AAA. A estabilização da macroeconomia trouxe-lhes pouco ou nenhum benefício, mas sim mais danos.
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Equador: por que a violência das drogas devasta o país que dolarizou a economia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU