06 Janeiro 2024
O hermetismo midiático do zapatismo dá lugar a um movimento incomum: 19 comunicados em dois meses que parecem ser o prólogo de uma época de mudanças coincidindo com o 30º aniversário do levante no próximo 1º de janeiro.
A reportagem é de Alejandro Santos Cid, publicada por El País, 16-12-2023.
O Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) é uma guerrilha peculiar. Eles não gostam muito de disparar tiros nem de guerras. Preferem reflexões ponderadas, mesmo que durem anos, à imediatez; a calma à pressa; a prática política aos debates estéreis — a metateoria, dirão eles, o caminho que se faz ao andar. "Sempre é mais o que calamos do que o que dizemos", alertou recentemente o capitão insurgente Marcos, anteriormente conhecido como subcomandante Galeano, mais conhecido mundialmente como subcomandante Marcos, o grande ideólogo encapuzado da organização que desafiou o governo mexicano em 1º de janeiro de 1994. No entanto, tudo indica que tempos de mudança estão por vir. Um murmúrio começa a tomar forma entre o silêncio.
Por mais de uma década, um relativo silêncio midiático envolveu o zapatismo. Suas raras aparições públicas se limitavam aos comunicados em Enlace Zapatista, o site por meio do qual eles divulgam suas (poucas) notícias e sua visão sobre o México, o capitalismo e o mundo. Também algum evento, como o seminário internacional O Pensamento Crítico Diante da Hidra Capitalista, em 2015. Dois anos depois, o EZLN apoiou a candidatura independente de María de Jesús Patricio Martínez, Marichuy, nas eleições presidenciais de 2018 vencidas por Andrés Manuel López Obrador. Em 2021, quando se completaram 500 anos desde que Hernán Cortés desembarcou no México, uma de suas delegações partiu para a Europa em um veleiro para realizar "uma conquista ao inverso" que buscava semear o velho mundo com ideias e aprendizados em vez de morte e saques.
Além das raras exceções, a discrição extrema tornou-se a norma. Mas desde outubro, algo está se gestando nas entranhas da organização, que recuperou certa presença na agenda pública com 19 comunicados — replicados pela imprensa nacional e internacional — em pouco mais de dois meses, um prólogo que anuncia ventos de mudança, talvez uma mudança geracional, coincidindo com o 30º aniversário do levante, em 1º de janeiro. Até agora, sabe-se que sua estrutura passou por uma reorganização: o EZLN eliminou os "Municípios Autônomos Rebeldes Zapatistas e as Juntas de Bom Governo", a estrutura civil do movimento, em favor de uma nova forma de gestão baseada em uma democracia mais direta e de baixo para cima, onde as comunidades serão a base para a tomada de decisões.
O ritmo de mudança começou com a publicação de um poema em 22 de outubro. Apesar de datado de dezembro de 1913, o conteúdo de "Los motivos del lobo" do nicaraguense Rubén Darío apelava para o México contemporâneo. O poema é uma alegoria de um animal faminto que tenta se domesticar diante dos humanos, mas acaba se afastando deles, horrorizado pelo maltrato e pela violência. Finalmente, o lobo se isola, assim como os guerrilheiros, nas montanhas. O comunicado seguinte representou a segunda morte simbólica de Marcos — que, em 2014, já havia "matado" seu personagem e se renomeado Galeano em homenagem a um professor zapatista assassinado — sendo sua forma de indicar que dava um novo passo atrás e se afastava da linha de frente.
Os 17 comunicados subsequentes variam em forma e conteúdo. O subcomandante Moisés, atual líder do movimento, assina os dois que tratam das mudanças estruturais. Marcos redige outros 11, textos mais reflexivos: mais filosóficos, poéticos, alguns solenes, outros com um humor ácido. Outros cinco incluem vídeos que mostram os preparativos para o 30º aniversário.
Entre deuses fanfarrões que não conseguem encontrar a solução, a deusa mãe, Ixmucané, decide ouvir as pessoas de milho em uma espécie de assembleia primordial. "Como o mundo está apenas nascendo e estamos dando nomes a cada coisa ou caso, para não nos confundirmos, a isso que fizemos vamos chamar de 'em comum', porque todos participamos: alguns dando ideias, outros propondo outras, e há quem dê a palavra e quem faça anotações do que é dito". É a fábula de uma mulher sábia que prefere ouvir e resolver problemas em comum, em contraste com homens que discursam entre si, mas não chegam a lugar algum. Uma alegoria, talvez, de um maior peso das mulheres zapatistas na tomada de decisões a partir de agora, em uma nova estrutura que, como já anunciaram, aposta em uma democracia mais direta a partir das comunidades.
Mesmo assim, Marcos novamente encerra a carta calando mais do que falando: "Sim, eu também gostaria de saber o que aconteceu com a luz perdida. Talvez depois, em outro pós-escrito, vamos saber. Por enquanto, precisamos aprender a andar e viver assim na escuridão. Sem opções".
Seus comunicados, por vezes enigmáticos, geraram diversas interpretações na imprensa, algumas mais infelizes do que outras, que também se tornaram alvo da ironia de Marcos. Alguns veículos viram na mudança de estrutura uma evidência do desaparecimento do EZLN diante do avanço do crime organizado em Chiapas. Outros foram além e falaram de uma perda de identidade indígena diante da hegemonia cultural da estética norteña ou dos "corridos tumbados". Marcos reagiu com sarcasmo: "Agora só falta que as jovens indígenas usem calças ou, horror!, joguem futebol e dirijam veículos, em vez de servir às senhoras de tranças. Até mesmo que se atrevam a dançar cúmbia e ska em vez do Bolonchon, e a cantar rap e hip-hop em vez de salmos e odes aos fazendeiros. E que, como outro sinal da perda de sua identidade indígena, cheguem ao absurdo de serem subcomandantes, comandantes e comandantas! E que governem a si mesmos".
Além da ironia, a realidade é que Chiapas enfrenta um cenário complexo de violência por diferentes frentes: a presença cada vez maior de cartéis e, com eles, o consumo de drogas nas comunidades; a persistência de grupos paramilitares há três décadas — muitos surgiram no contexto da contrainsurgência estatal ao zapatismo; o aumento da militarização e uma lógica predatória do meio ambiente alimentada pela especulação e pelos megaprojetos como o Tren Maya. O resultado é uma população civil, em sua maioria indígena e camponesa, confrontando-se com um aumento de massacres, feminicídios, sequestros, violência sexual, desaparecimentos ou deslocamentos forçados.
Mesmo assim, o EZLN é contundente: a organização não vai desaparecer, o zapatismo não recuou diante do avanço do crime. Simplesmente, argumentam, estavam pensando em uma nova estratégia para enfrentá-lo. "Nosso silêncio nestes anos não foi, nem é, sinal de respeito ou endosso a algo, mas sim que nos esforçamos para enxergar mais longe e buscar o que todos e todas buscam: uma saída do pesadelo. Conforme forem conhecendo, pelos escritos subsequentes, o que temos estado fazendo, talvez entendam que nossa atenção esteve em outro ponto", escreve Marcos.
Após os desentendimentos com a esquerda mexicana, promessas quebradas, hostilidade dos sucessivos governos, marchas massivas ao Zócalo da Cidade do México, comparecências infrutíferas no Congresso, o EZLN decidiu voltar a Chiapas e trabalhar em "sua autonomia", construir escolas e hospitais, fortalecer seu autogoverno. A principal pergunta agora é como o movimento evoluirá após 1º de janeiro, enquanto persiste o cerco do crime organizado e do espionagem estatal, em uma situação em que o assédio à guerrilha e à população civil se torna cada vez mais insustentável semana após semana.
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O que diz o EZLN e sobre o que se cala - Instituto Humanitas Unisinos - IHU