09 Março 2019
Chiapas. A população com uma renda do trabalho mais baixo do que o custo da cesta básica estava em 67,8%, no terceiro trimestre de 2018, segundo o Conselho Nacional de Avaliação da Política de Desenvolvimento Social (CONEVAL). O percentual da população em situação de pobreza, em 2010, era de 78,5% (dos quais 38,3% na extrema pobreza) e, em 2016, permaneceu em 77,1% (28,1% na extrema pobreza). Em cinco dos seis estados com maior percentual de população indígena - incluindo Chiapas -, a taxa de pobreza em 2016 foi maior que a média nacional (de 43,6% no México). A condição de mulher, indígena e habitante de zonas rurais agrava a situação. Além disso, 93,5% das pessoas no estado chiapaneco que falam uma língua indígena são afetadas pelo "atraso habitacional". Celebrado em outubro 2018, em Guayaquil (Equador), o Simpósio Regional da Organização Pan-Americana da Saúde destacou que sete em cada dez pessoas não têm acesso à água potável e saneamento em Chiapas, embora a região tenha 30% da água doce disponível no país.
A reportagem é de Enric Llopis, publicada por Rebelión, 08-03-2019. A tradução é do Cepat.
Mapa dos estados mexicanos, em destaque Chiapas. Fonte: San Cristobal Language School
Um elemento de alívio é a diversidade cultural e biológica. Chiapas é um dos estados mexicanos com maior biodiversidade: 11.223 espécies de flora e fauna registradas. Nesse contexto, um dos problemas é o desmatamento, juntamente com a extração irregular e tráfico ilegal de madeira. O governo do estado promove entre outros setores o turismo: 542.330 pessoas visitaram Chiapas em janeiro, 28% a mais do que no mesmo mês de 2018. Cerca de 105.000 turistas vieram para os sítios arqueológicos de Palenque e Lagartero, enquanto em Puerto Chiapas, no município de Tapachula, chegaram dois cruzeiros com 1.355 excursionistas (em setembro de 2017, a governo de Peña Nieto declarou Puerto Chiapas "Zona Econômica Especial" para a atração de investimentos). Balanços diferentes dos oficiais são os que realiza o Comitê Cerezo, que informou 184 execuções extrajudiciais a defensores dos direitos humanos no México, durante a presidência de Peña Nieto (dezembro de 2012 a novembro 2018), dos quais 16 ocorreram em Chiapas (o terceiro estado em execuções, depois de Oaxaca e Guerrero).
Em 1º de janeiro de 1994, no mesmo dia em que entrou em vigor o Tratado de Livre Comércio na América do Norte (NAFTA), o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) pegou em armas e se mobilizou em diferentes municípios de Chiapas, incluindo San Cristóbal de las Casas, Las Margaritas, Altamirano e Ocosingo. "Hoje, dizemos Basta!", exclamava a primeira declaração da Selva Lacandona. O presidente Carlos Salinas de Gortari, do PRI, no dia 12 de janeiro, ordenou o cessar-fogo, mas o EZLN denunciou em um comunicado, quatro dias depois, que 400 membros do Exército Federal "assaltou" a sede municipal de Oxchuc e detiveram 12 civis. Na noite de 16 de janeiro, "aviões de artilharia da Força Aérea mexicana bombardearam ranchos perto do povoado de Monte Líbano, em Ocosingo", acrescentava o comunicado. A Comissão Mexicana de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos denunciou, um mês depois, a resposta do Estado mexicano, na forma de ataques aéreos "indiscriminados", execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias, tortura e desaparecimentos.
A 25 anos do levante, o jornalista e pesquisador uruguaio Raúl Zibechi publicou, por Zambra e Baladre, a segunda edição do livro Los arroyos cuando bajan. Los desafíos del zapatismo. O colunista de La Jornada, Sputnik e Naiz ressalta a vigência do EZLN em princípios como o da autonomia, concretizado nos ‘Caracoles’ (regiões organizacionais), as ‘Juntas de Bom Governo’, municípios e comunidades. Já em dezembro de 1994, o EZLN proclamou a constituição de trinta municípios "rebeldes" e "autônomos", cuja legislação aplicável - a Constituição dos Estados Unidos Mexicanos (1917), as leis revolucionárias Zapatista de 1993 e as determinações dos comitês municipais - tinha que se conformar ao princípio neozapatista de "mandar obedecendo". "Todos e todas aprendem a governar - enfatiza Zibechi - e a figura da rotatividade é fundamental porque permite que não se consolide uma burocracia estatal". Sobre as formas de luta, em janeiro de 1994, o EZLN declarou: "Não pretendemos ser a vanguarda histórica, una, única e verdadeira (...). Nós oferecemos nossa bandeira".
Autor de Los desbordes populares desde abajo. Las revoluciones de 1968 en América Latina (2018) e Movimientos sociales en América Latina. El ‘mundo otro’ en movimiento (2017), Zibechi ressalta a presença das mulheres. No Caracol de Morelia, se celebrou, em março de 2018, o Primeiro Encontro Internacional Político, Artístico, Esportivo e Cultural "Mulheres que lutam", foi organizado pelas mulheres do EZLN. O discurso de abertura foi realizado pela capitã insurgente Erika: "Na casa em que trabalhava como servente na cidade, eu não tinha salário, não sabia falar espanhol e não podia estudar. Em nossos povoados, desde antes da luta, meninos e meninas morriam de enfermidades curáveis". Depois, Erika se matriculou nas bases (clandestinas) de apoio: "À noite saía para estudar e trabalhava com outras mulheres zapatistas em artesanato, no manejo do feijão, no manejo do milho e no sítio. Nasci e cresci com patrulhas militares em torno de nossas comunidades, mas não estávamos com medo, assim aprendemos que podemos defender e dirigir". A Lei Revolucionária das Mulheres do EZLN (dezembro de 1993) as exortava à luta de libertação sem distinções de raça, credo, cor ou afiliação política.
Raúl Zibechi caracteriza a insurreição do movimento zapatista em meados dos anos 1990 como parte de "um processo muito mais amplo", em que se construiu um novo sujeito do campesinato indígena de Los Altos e Selva Lacandona (de etnias tzotzil, tzeltal, chol, tojolabal e lacandona, entre outras). Como elementos do processo, o escritor e ativista aponta o aumento das terras comunais e das comunidades campesinas durante as três décadas anteriores, as lutas pela terra na segunda metade dos anos 1980, mobilizações como a Marcha pela Paz e os Direitos Humanos dos Povos Indígenas, em março de 1992, a criação de organizações campesinas e indígenas, como por exemplo a Aliança Nacional Campesina Independente Emiliano Zapata (ANCIEZ), e o trabalho pastoral nas comunidades (em 1960, Samuel Ruiz foi designado bispo de San Cristóbal de las Casas). "Seja na forma de catequistas, posseiros ou insurgentes, falamos de um mesmo povo cuja luta assume várias formas, dependendo das circunstâncias", resume Zibechi.
Subcomandante Marcos. Foto: Jose Villa | Wikicommons
O autor de "Territorios en Resistencia" (2011) destaca o componente ético do zapatismo, a importância da coerência e "colocar o corpo atrás do que se diz". Também destaca a capacidade e o trabalho dos líderes do EZLN de se afastarem para que outros assumam responsabilidades. Um aspecto atual do zapatismo é a rejeição da política entendida - no sentido ocidental - de acordo com a "lógica da guerra" e a luta pela hegemonia. Além disso, o discurso do EZLN é simples e não dogmático, com uma direção do movimento que se situa no indígena camponês e não em uma classe média iluminada. As regiões "libertadas" em um conflito não são meios para a guerra sob o controle do partido, mas, ao contrário, objetiva um desenvolvimento autônomo.
Mapa do Istmo de Tehuantepec, no extremo sul de Chiapas. Fonte: ThingLink
"O ponto central é a prática", conclui Zibechi. Cumprir a justiça não é aplicar a pena de prisão estabelecida em um código penal, mas uma sanção moral e coletiva. "A tomada do poder? Não, apenas algo mais difícil: um novo mundo", escreveu o subcomandante Marcos. No último dia 4 de janeiro, o Congresso Nacional Indígena e o Conselho do Governo Indígena saudaram o 25º aniversário do levante e alertaram sobre algumas das ameaças atuais: os pactos com as mineradoras, os megaprojetos no istmo de Tehuantepec, o Tren Maia, a devastação e privatizações "para semear plantações florestais industriais" na Selva Lacandona ou nas Zonas Econômicas Especiais.
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México. O movimento zapatista e Chiapas, 25 anos depois - Instituto Humanitas Unisinos - IHU