A inauguração do ano acadêmico 2023-2024 da Pontifícia Faculdade Teológica da Itália Meridional coincidiu este ano com a outorga do Doutorado Honoris causa em sagrada teologia ao Patriarca Ecumênico Bartolomeu I (23 de novembro de 2023). O evento, celebrado na Aula magna da Seção “San Tommaso” na presença de estudantes, professores e autoridades, abriu-se com as saudações das autoridades acadêmicas e a “laudatio” de D. Gaetano Castello (vigário episcopal da Faculdade de Teologia e para o diálogo ecumênico). A conclusão da cerimônia, com a outorga do título, foi confiada ao Grão-Chanceler da Faculdade, D. Domenico Battaglia, Arcebispo de Nápoles. O Patriarca Ecumênico aceitou o reconhecimento que lhe foi concedido pelo seu longo empenho no diálogo ecumênico, proferindo uma lectio magistralis da qual reproduzimos o texto.
Reproduzimos a seguir o texto da conferência do Patriarca Ecumênico Bartolomeu I, publicado Settimana News, 25-11-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Excelência Arcebispo Metropolitano de Nápoles, Dom Domenico Battaglia, Grão-Chanceler do Instituto, Ἱερώτατε Μητροπολίτα Ἰταλίας καί Μελίτης, κ. Πολύκαρπε, Ilustríssimo Magnífico Reitor, Prof. Francesco Asti, Distintas Autoridades Acadêmicas, Eminências, Excelências, Autoridades todas, prezados convidados,
Irmãos e Irmãs em Cristo,
Com sentimentos de verdadeira gratidão, encontramo-nos mais uma vez nesta esplêndida e histórica cidade de Nápoles, para receber um prestigioso reconhecimento de parte desta Pontifícia Faculdade Teológica, pelo nosso empenho e contribuição ao diálogo inter-religioso e ao movimento ecumênico.
Agradecendo desde já pela vossa atenção, desejamos aceitá-lo não tanto pela nossa Modéstia, mas pelo empenho que a Igreja de Constantinopla, o Patriarcado Ecumênico, assumiu ao longo dos séculos em manter e soldar a comunhão canônica entre as Igrejas Irmãs que compõem a Igreja Ortodoxa, ou seja, os antigos Patriarcados e as Igrejas Autocéfalas. Mas também pelo empenho assumido na busca da recomposição da unidade cristã visível entre as várias Igrejas do Oriente e do Ocidente.
Essa diaconia particular da Grande Igreja de Cristo expressa a sua visão e missão profética e essencial ao longo dos séculos, fato que a nossa Modéstia assumiu inteiramente no próprio ministério patriarcal e espiritual, que pela benevolência de Deus continua há mais de trinta e dois anos.
A história eclesiástica do primeiro milênio é certamente uma história de excepcional riqueza e produção teológica, na qual - graças às formulações dos Grandes Concílios Ecumênicos e Locais e ao surgimento da teologia patrística - cristologia, eclesiologia, fé e oração da Igreja e antropologia cristã – encontram o seu desenvolvimento fundamental, que estará na base da vida da Igreja até os nossos dias, no grande conceito de Tradição viva que de certa forma cumpre a profecia bíblica e o anúncio do Salvador, tornando-os uma mensagem “sempre a mesma e sempre nova” ao longo dos séculos.
A tal respeito, da Igreja dos primeiros séculos achega até nós hoje a expressão digna de nota do grande Padre São Atanásio, Patriarca de Alexandria, que afirmava existir "ἐξ ἀρχῆς παράδοσις καί διδασκαλία καί πίστις τῆς καθολικῆς Ἐκκλησίας, ἥν μέν Κύριος ἔδωκεν, οἱ δέ Ἀπόστολοι ἐκήρυξαν, καί οἱ πατέρες ἐφύλαξαν. Ἐν ταὐτῃ γάρ ἡ Ἐκκλησία τεθεμελίωται" - "desde o início tradição, doutrina e fé da Igreja Católica, que o Senhor entregou, os Apóstolos anunciaram e os Padres guardaram. Nela, portanto, a Igreja foi fundada”.
Esse processo não tem sido indolor na história eclesiástica, devido a divisões que surgiram muitas vezes por causa do uso de diferentes categorias de pensamento e de linguagens muitas vezes pouco inclusivas. O estranhamento entre Famílias Cristãs, causado por diversos fatores, não só eclesiásticos, mas culturais e também por causa das convulsões políticas da época, produziu uma divisão que pesou, não só na esfera estritamente eclesiástica ou, melhor, eclesiológica, mas acima tudo sobre a capacidade de incisividade do anúncio evangélico, cujas consequências favoreceram o surgimento de novas identidades religiosas.
Esse fervor e fermento do pensamento e da atitude já podem ser encontrados na Comunidade de Jerusalém e no Concílio dos Apóstolos. Contudo, a riqueza teológica e as consequentes divisões que produziram cismas e heresias, na história cristã do primeiro milênio, não ofuscaram a própria identidade da Igreja na qual o ditado paulino continua a ser uma das pedras angulares fundamentais: “Já não há judeu ou grego; não há escravo nem livre; á homem nem mulher, pois todos são um em Cristo Jesus” (Gálatas 3,28).
Não só existe a autoconsciência de ser um em Cristo, mas sobretudo há um mandato preciso do Senhor para ser um: “Para que todos sejam um, como tu, ó Pai, o és em mim, e eu em ti; que também eles sejam um em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste" (João 17,21), representação de um esplêndido mosaico em que cada pedra tem sua justa posição.
Mas se uma pedra se danifica e deteriora o mosaico ou, melhor ainda, deteriora o que nele está representado (Escritura, Eucaristia, Igreja), essa pedra NÃO deixa de pertencer ao mosaico como um todo. Significa que mesmo as comunidades surgidas depois dos Concílios de Éfeso e de Calcedônia, apesar do cisma ou da heresia, continuam a formar a consciência da pertença ao único mosaico.
Em outras palavras, a divisão - cisma ou heresia - mesmo que privem da comunhão, não privam da pertença à única Igreja de Cristo, assim como uma doença de um órgão do corpo não torna o órgão estranho ao corpo.
A Grande Igreja Bizantina, nos séculos VIII e IX e depois no século XI, no auge de um confronto entre Oriente e Ocidente, mais sociocultural do que eclesiológico, ainda que muitas vezes polêmico, não levanta a dúvida de que todos pertencem ao único Corpo do Senhor.
Apesar das excomunhões entre o Cardeal Umberto di Silva Candida, legado do Papa Leão IX e o Patriarca Miguel I Cerulário em 16 de julho de 1054, a consciência de ser “a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica” ainda é comum.
Essa consciência, apesar da evolução de uma eclesiologia diferente, de tipo mais jurisdicional no Ocidente e de tipo mais dogmático e canônico-disciplinar no Oriente, será abalada em 12 de abril de 1204 com o saque de Constantinopla e com a entronização de Patriarcas latinos em Constantinopla, Antioquia e Jerusalém. Mas só a polêmica de perceber costumes diferentes e a absolutização das próprias tradições levaram as Igrejas – como escreveu o teólogo Yves Congar – “a encontrarem-se divididas sem nunca se terem formalmente separado”.
Essas divisões formais e implicações não produziram, contudo, uma perda de consciência da identidade cristã de pertencer à única Igreja de Cristo. E graças a essa consciência, as tentativas unionistas no Concílio de Lyon em 1274 e no Concílio de Ferrara-Florença nos anos 1431-1443, para além dos resultados alcançados, não podem ser consideradas historicamente fenômenos de “englobamento”, antecipações da teoria do “retorno” do Oriente a Roma, fenômeno, aliás, então desconhecido, e nem sequer uma mera posição política de defesa dos Imperadores Bizantinos face ao avanço dos Turcos.
Certamente não podemos negar uma motivação dada pela situação contingente; no entanto, a participação das Igrejas nesses Concílios manifesta concretamente o reconhecimento “a priori” do outro na sua comum identidade eclesiológica. E mesmo as polêmicas e discussões acaloradas debatidas na época continuam a ser o elo entre o Oriente e o Ocidente.
A incapacidade dos Cristãos da época, especialmente das hierarquias eclesiásticas, de encontrar soluções para a diferente abordagem ao pensamento teológico, certamente favoreceu, séculos depois, o surgimento de uma nova “identidade” da Igreja, que brotou primeiro da Reforma Protestante e posteriormente da Contrarreforma e das suas consequências.
Devemos reconhecer que existe, até a Contrarreforma, alguma forma de diálogo (δια-λόγος) entre as grandes famílias Cristãs da época.
A Reforma e a contrarreforma não podem ser consideradas uma problemática ou situação dinâmica e contingente da Igreja Ocidental. O afirmar o valor “absoluto” da Igreja Romana na Cristandade modifica os pressupostos da sinfonia e da sinodalidade da Igreja do primeiro milênio e abre um fosso intransponível também com o Oriente.
Lutero e os Reformadores inicialmente olharam com bons olhos para aquela parte de Cristandade não sujeita ao bispo de Roma, e procuraram uma ligação com a Cristandade Oriental, no pressuposto de uma pertença única à Igreja. Mas os argumentos apresentados ao Patriarca de Constantinopla e as observações formuladas pelos teólogos orientais e pelo Patriarca Germanos II Trànos aos Teólogos de Tübingen não satisfazem os Reformadores.
Os encontros entre Ortodoxia e Reforma, no entanto, expressaram o desejo de escuta, temos os exemplos do Patriarca Cirilo Lukeris, ou as esplêndidas páginas escritas sobre a relação dos Pastores Luteranos Alemães com o Czar da Rússia, Ivan, o Terrível. A Confessio Augustana chega ao Oriente traduzida para o grego, mas o Oriente responde com a sua fidelidade à Tradição da Igreja Indivisa.
A Contrarreforma, para conter a onda protestante, absolutiza a sua presença, e o diálogo torna-se monólogo (μόνος-λόγος). O mosaico inicial é dividido, as pedras – os laços entre as Igrejas – mesmo que enfraquecidas, já não são mais reconhecidas como parte da mesma obra de Deus.
Surge assim a teoria do “retorno” que produziu páginas trágicas nas relações entre Oriente e Ocidente: o Uniatismo. Esse fenômeno, pelo qual uma Igreja Oriental local, mantendo toda a sua bagagem litúrgica e soteriológica, reconhece a supremacia do Romano Pontífice (Ucrânia – União de Brest-Litovsk 1596; Rutênia – União de Uzhhorod, 1646; Transilvânia – União de Alba Julia, 1698) marcará uma das páginas mais sombrias da história eclesiástica do segundo milênio, cujas consequências pesaram nas relações entre as Igrejas quase até aos dias de hoje.
Mas o monólogo priva da oportunidade do encontro com o outro, do crescimento e da capacidade de saborear todos os dons que Deus entregou à Igreja. Portanto, mesmo tal situação de isolamento produziu alguns frutos, cujos resultados serão visíveis no século XX, na era do Ecumenismo e do encontro.
Os Bispos de Roma do século XIX procuram novamente uma aproximação com o Oriente, através das cartas aos Patriarcas Orientais do Papa Pio IX em 1848 e posteriormente do Papa Leão XIII em 1895. A resposta à primeira carta está expressa na Encíclica dos Patriarcas Orientais, que representa um verdadeiro tratado teológico que lançará posteriormente as bases das Encíclicas Patriarcais de 1902, 1920 e 1952 sobre a unidade das Igrejas Cristãs.
Nessa Encíclica a primeira hipótese do diálogo teológico é expressa de forma clarividente: “... a unidade deveria ser feita sem nenhum retorno - como diz Sua Santidade (Pio IX), mas sem pressa... depois de consultas com os mais sábios, religiosos amantes da verdade e bispos, teólogos e doutores prudentes, que se encontram hoje, graças à boa providência de Deus, em todas as nações do Ocidente”.
Na Encíclica, os Patriarcas dirigem-se a Pio IX chamando-o, porém, de “Bispo da Roma Antiga”, pois no Oriente permanece a consciência daquela Única pertença, que nem o erro pode destruir: “A Igreja de Cristo não pode ser dividida!”.
A resposta do Patriarca Anthimos IV a Leão XIII também contém elementos dignos de nota: entre eles o apelo aos “povos amantes de Cristo dos gloriosos países do Ocidente” para convidá-los a “não retornar”, mas a “redescobrir a saudável fé de Cristo, presente em cada coisa e conforme à Sagrada Escritura e às Tradições Apostólicas, sobre as quais se baseia o ensinamento dos Padres divinos e dos Sete Concílios Ecumênicos”.
Sem essa breve digressão histórica, não podemos compreender a envergadura dos acontecimentos do século XX para toda a Igreja. Um famoso teólogo católico, Pe. Le Guillon dizia que o Movimento Ecumênico veio simplesmente para cumprir uma vocação vinda de dentro do próprio mundo ortodoxo.
Referia-se às Encíclicas Patriarcais, a primeira de 1902, na qual o Patriarcado Ecumênico convidava as Igrejas Ortodoxas a uma maior colaboração entre si e a “perguntar-se se amadureceu o tempo para uma reunião preparatória para uma aproximação mútua e amigável” com as outras “Vinhas do Cristianismo", "... fazendo uso de concessões, onde for lícito, não considerando como um pré-requisito indispensável a rigidez e a estática uniformidade em coisas não substanciais, acostumada (a Igreja) desde a sua vida colegial à unidade na variedade" , e depois a segunda Encíclica de 1920, dirigida “A todas as Igrejas de Cristo em toda a parte”, que com razão pode-se afirmar que representa o primeiro manifesto do ecumenismo contemporâneo, claro e rico de propostas.
Elaborada por teólogos da renomada Faculdade Teológica de Chalki (Constantinopla), dirige um convite às Igrejas para constituírem uma “κοινωνία τῶν Ἐκκλησιῶν” – uma comunhão das Igrejas e convida as Igrejas a colaborar para eliminar desconfianças, fortalecer o amor cristão, para poder depois chegar a reuniões de tipo dogmático. Ou seja, propõe um Conselho de Igrejas, na esteira da constituída Liga das Nações.
Recordemos, aliás, que o Conselho Mundial de Igrejas nascerá 28 anos depois, em Amsterdã, em cuja assembleia para a Igreja Ortodoxa participariam apenas o Patriarcado Ecumênico e a Igreja Russa da Diáspora. Em 1925, em Estocolmo, no primeiro Congresso Mundial de “Vida e Trabalho”, estarão presentes as Igrejas de Constantinopla, Alexandria, Jerusalém, Romênia, Bulgária, Grécia e Chipre, bem como em Oxford, em 1937.
Não podemos deixar de mencionar a figura de um dos nossos grandes predecessores, o Patriarca Atenágoras, um visionário, um sonhador da unidade das Igrejas de Cristo, o profeta do “diálogo do amor”. A sua famosa Encíclica de 1952 chamava às Igrejas Ortodoxas para encontrarem formas e meios de colaboração entre as Igrejas e para participarem no Conselho Mundial das Igrejas.
O impulso, após a convocação do Concílio Vaticano II, para preparar um futuro Concílio da Igreja Ortodoxa através das Conferências Pan-Ortodoxas de Rodes (1961, 1963, 1964), do encontro com o Papa Paulo VI em Jerusalém, Roma e Constantinopla, o cancelamento recíproco das “excomunhões”, são todos elementos que caracterizaram o seu patriarcado, mas também abriram um caminho sem volta ao encontro de todas as Igrejas Cristãs.
O primeiro resultado de todos esses acontecimentos foi o fato de se reconhecerem como “Igrejas Irmãs” (no início parecia mais apropriado definirem-se como “Igrejas amigas”) e de iniciarem os grandes diálogos teológicos:
a) com a Igreja Romano-Católica;
b) com as Antigas Igrejas Orientais;
c) com a Igreja Vétero Católica e a Igreja Anglicana;
d) com a Igreja Luterana e com as Igrejas Reformadas.
Os anos 1970 e 80 foram anos ricos sob essa perspectiva.
Ao mesmo tempo, vários diálogos bilaterais também foram realizados. O Conselho Mundial de Igrejas também desenvolveu numerosos temas comuns de natureza social, com os quais, no entanto, a Igreja Ortodoxa muitas vezes não concordou totalmente.
A isso soma-se o grande impacto que teve a Escola de Paris, no encontro dos grandes teólogos da Diáspora com o Ocidente, entre os quais recordamos N. Nissiotis, P. Nellas, P. Evdokimov, A. Schmemann, J. Meyendorff, O. Clement, D. Stanilaoe, D. Popescu, representantes da síntese teológica neopatrística, mas também G. Florovskij, P. Florenskij, S. Bulgakov, V. Lossky, P. Afanassiev, C. Yannaras e outros.
Infelizmente, o século XX, assim como a sua história geral foi prenúncio de grandes descobertas e melhorias na vida humana, foi também prenúncio de grandes catástrofes humanas com guerras mundiais, conflitos e genocídios em muitas partes do mundo.
Da mesma forma, a vida das Igrejas, revigorada pelo novo rumo da história teológica e do diálogo, também teve de enfrentar novos desafios, súbitas desacelerações e por vezes até conflitos ditados pelo nacionalismo, por um certo sectarismo, pela crise econômica, por uma liberdade - após a queda do muro - que em vez de abrir corações e mentes, sustentava medos e vinganças entre os cristãos. Até os próprios diálogos teológicos sofreram repensamentos. No entanto, recordamos pessoalmente a todos o lema: “persistência e paciência” (Creta 2009).
Caríssimos amigos,
Pela graça do Senhor, estamos sentados no Trono Apostólico e Patriarcal de Constantinopla há mais de 30 anos, e também seguindo o brilhante exemplo dos nossos beatos Predecessores, nunca tivemos dúvidas de que o diálogo é o único caminho que o Senhor nos indica, se quisermos ser seus discípulos: "...para que todos sejam um" (Jo 17,21).
A Santa e Grande Igreja de Cristo, o Patriarcado Ecumênico, não possui grandes recursos; “A fragilidade dos recursos humanos e materiais de Constantinopla, o seu sufocamento e o seu sofrimento nas atuais circunstâncias históricas são o que garante a perenidade da sua imparcialidade e aumenta o seu prestígio”. Como diz o Senhor ao apóstolo Paulo: “O meu poder se aperfeiçoa na fraqueza” (2 Cor 12, 9).
Com essa certeza enfrentamos o papel que os Concílios Ecumênicos confiaram à Igreja da Constantinopla dentro da Ortodoxia e no mundo Cristão. E por isso nunca tivemos dúvidas sobre a importância do diálogo, promovendo e assumindo iniciativas proeminentes para apoiar o movimento ecumênico, contribuindo para o crescimento do Conselho Mundial das Igrejas e da Conferência das Igrejas Europeias.
Não menos importante, para aqueles que se arvoravam em zelotes e defensores da Ortodoxia, proclamamos que “...A Igreja Ortodoxa não precisa nem de fanatismo nem de intolerância para se proteger. Qualquer um que acredite que a Ortodoxia tem a verdade não teme o diálogo, porque a verdade nunca é posta em perigo pelo diálogo. Pelo contrário, quando todos hoje tentam superar as suas diferenças através do diálogo, a Ortodoxia não pode proceder com intolerância e fanatismo. Tenham plena confiança na vossa Mãe Igreja. Ela preservou a Ortodoxia inalterada ao longo dos séculos e a transmitiu aos outros povos. E ainda hoje se esforça, sob condições difíceis, para preservar a Ortodoxia vital e venerável em todo o mundo” (Domingo da Ortodoxia de 2010).
Nosso papel patriarcal é expresso em quatro axiomas principais:
1) Unidade visível da Igreja Ortodoxa;
2) Diálogo e colaboração com todas as Igrejas Cristãs;
3) Diálogo e colaborações com as fés do mundo e principalmente com o Judaísmo e o Islã;
4) Justiça, Paz, Unidade da Família Humana e Salvaguarda da Criação.
Desde a nossa ascensão ao Trono Ecumênico, reunimos várias Sinaxes dos Primazes das Igrejas Ortodoxas, para regular temas de interesse comum, resolver mal-entendidos para um testemunho comum no mundo.
O nosso papel como Patriarca Ecumênico, apesar daqueles que gostariam de nos afixar o título de Papa do Oriente, e de acordo com os cânones da Igreja, nunca foi percebido como um modelo secular de expansionismo, mas é propriamente espiritual e de serviço à Igreja. É por isso que apoiámos e atuamos para o sucesso das Conferências e Comissões preparatórias do Grande Concílio, que - apesar de algumas deserções por ambição ou por hesitações - realizou-se na ilha de Creta em 2016.
O Santo e Grande Concílio da Igreja Ortodoxa produziu documentos muito importantes para a vida da Igreja e dos Cristãos de hoje e abriu o caminho para novos aprofundamentos sobre muitos temas do mundo moderno.
Não nos assusta hoje a posição de algumas Igrejas locais, críticas do nosso papel: nos assusta mais o seu apoio a uma guerra injusta, como infelizmente ainda observamos na Ucrânia, e nos assusta a relutância de outras Igrejas em condenar essas atitudes.
Quisemos ter relações não só de estima, mas de verdadeira e fraterna amizade com os Primazes das Igrejas Cristãs. Em particular, recordamos os encontros com três Papas e que, pela primeira vez na história, um Patriarca Ecumênico esteve presente na entronização do Bispo de Roma, o Papa Francisco, com quem partilhamos o empenho em muitos campos.
Os diálogos teológicos continuam e, mesmo diante das dificuldades, o empenho continua impertérrito. Podemos dizer que a dificuldade de linguagem teológica foi superada com as Antigas Igrejas Orientais e o diálogo agora está quase concluído.
Com a Igreja de Roma foram abordados os maiores temas e sobretudo conseguiu-se concluir a compreensão do papel do Bispo de Roma no Primeiro e no Segundo Milênio. Os diálogos continuam também com a Igreja Vétero Católica e a Igreja Anglicana e com as Igrejas da Reforma estão levando a excelentes frutos.
Os encontros com o Islã são obviamente uma constante da Ortodoxia, desde os tempos de São João de Damasco, dado que muitas das nossas Igrejas vivem diariamente em contato com os nossos irmãos e irmãs Muçulmanos e também com os irmãos e irmãs Judeus.
Acreditamos que o nosso conhecimento e compreensão comuns promovem não só a tolerância mútua, mas também a convivência pacífica e a colaboração em muitos temas da humanidade. O que vemos nestes dias no Médio Oriente nada tem a ver com a fé desses povos, mas muitas vezes a fé tem sido usada para justificar fanatismo e fundamentalismo que vezes demais desembocam na violência. Ninguém ouse usar o nome de Deus para justificar qualquer violência.
É impensável que a paz prevaleça no mundo se as religiões não assumirem a atual regra de ouro da convivência, recordada no Evangelho de Lucas: “Como vós quereis que os homens vos façam, da mesma maneira lhes fazei vós, também” (Lc 6,31). Não há paz sem justiça e não há justiça sem paz.
Devemos estar atentos às necessidades dos mais pobres, o que não significa mera assistência, mas compreender as necessidades do outro; a unidade da família humana passa pelo respeito por todos os aspectos da vida com a salvaguarda de toda tradição cultural, religiosa, artística e social e pelo respeito pela própria terra e tradição. Por essa razão, o nosso Patriarcado Ecumênico e nós pessoalmente promovemos e participamos em todas as iniciativas que colocam a paz, a justiça e a solidariedade no centro de sua missão.
Assim, nos últimos anos também pedimos a atenção de toda a humanidade pela salvaguarda do meio ambiente natural, com tudo o que ele contém, dom de Deus e que nele nos colocou como bons ecônomos e não como gananciosos exploradores. A nossa batalha não é ecológica, mas espiritual, pois reconhecemos o pecado contra a Criação “muito boa”. E nos sentimos consolados pelo fato de o nosso irmão Francisco e muitos outros líderes cristãos e não-cristãos se juntarem a nós nesse caminho.
Com esse espírito, a Igreja de Constantinopla ao longo dos séculos e nós pessoalmente também hoje continuamos no diálogo sincero e cheio de amor para caminhar cada vez mais profundamente na relação entre os Cristãos ainda separados.
Devemos proclamar a cada crente e a cada pessoa de boa vontade que o diálogo enriquece e não tira nada. Só assim conseguiremos banir fanatismos e conflitos, porque estamos convencidos de que “a paz de Deus excede todo o entendimento” (Fl 4,7), bem como que “A caridade é paciente, a caridade é bondosa. Não tem inveja. A caridade não é orgulhosa. Não é arrogante. Nem escandalosa. Não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se rejubila com a verdade. Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. A caridade jamais acabará” (1Cor 13,4-8).
Que a paz e o amor do Senhor desçam sobre todos vocês.
Obrigado pela atenção
Pontifícia Faculdade Teológica da Itália Meridional – Seção San Tommaso, 23 de novembro de 2023.
Sua Santidade BARTOLOMEU I,
Arcebispo de Constantinopla – Nova Roma e Patriarca Ecumênico