13 Junho 2016
O Patriarca Atenágoras tem sido um homem e um cristão de grandíssimos méritos, enamorado pela unidade, a ponto de ter chegado a pedir ao Papa Paulo VI concelebrar a Eucaristia. De tal modo teria sido reconhecida a superação da divisão entre a Igreja do Oriente e a Igreja do Ocidente, já sancionado de certo modo com o cancelamento das excomunhões recíprocas da memória das igrejas que tinha sido feita com uma declaração solene na conclusão do Concílio, aos 17 de dezembro de 1965. Diante desta solicitação Roma tergiversou, dando-se conta da complexidade do problema e temendo novas divisões na Ortodoxia, até que a morte do Patriarca Atenágoras pôs fim a esta oportunidade.
A reflexão é de Giovanni Cereti, padre de Gênova, doutor em Jurisprudência e em Teologia, deu cursos de Teologia ecumênica e de diálogo inter-religioso em diversas Faculdades eclesiásticas, publicada por Viandanti, 06-06-2016. A tradução é de Benno Dischinger.
Giovanni Cereti, é consultor do Secretariado para as atividades ecumênicas (SAE) e membro da Fraternidade dos Anawim, aderente à Rede dos Viandantes.
Não é um problema de teólogos
A visão entusiasta, mas talvez ingênua do patriarca Atenágoras seria bem sintetizada pela frase que lhe é frequentemente atribuída: “eu pegarei todos os teólogos das diversas igrejas, levá-los-ei a uma das nossas ilhas e os constrangerei a permanecerem ali enquanto não se colocarem de acordo e não tiverem superado todos os problemas que ainda nos mantêm divididos”.
O fato é que isto não é um problema de teólogos. Inumeráveis diálogos ecumênicos, em nível local e em nível internacional, fruto do trabalho de centenas de comissões de diálogo oficialmente incumbidas pelas igrejas, têm enfrentado os problemas doutrinas que os dividem, e segundo o parecer de teólogos entre os maiores não existem mais problemas doutrinais que obriguem as igrejas a permanecerem divididas por razões de fé. No entanto, as conclusões de todos estes documentos quase não tiveram eco nas nossas comunidades e não produziram efeitos sensíveis ao nível dos responsáveis de igrejas [1].
Da ortodoxia à ortopraxia
A vida da igreja de fato não se reduz à doutrina, mas é uma realidade infinitamente mais complexa. Por isso, não é suficiente superar os motivos de divisão que pareciam justificar a separação no plano doutrinal, mas é necessário avançar contemporaneamente para a unidade em todas as frentes, como o Papa Francisco parece querer indicar. Na via do ecumenismo espiritual, aprendendo a orar pela unidade, a orar juntos, a solicitar-nos e oferecer-nos reciprocamente perdão. Na via do ecumenismo secular, dando conjuntamente testemunho do evangelho, unindo as forças no serviço ao irmão e à irmã em dificuldade, colaborando para concretizar um mundo de paz, de justiça, de maior atenção à salvaguarda da criação. Na via do ecumenismo pastoral, impregnando-se conjuntamente por uma vida de fé mais fervorosa nas nossas comunidades, trabalhando juntos pelo estudo e a difusão da Sagrada Escritura, promovendo a fé e o encontro espiritual no interior dos casais e das famílias interconfessionais que na sua igreja doméstica já antecipam uma igreja reconciliada.
Empenhando-se, enfim e seriamente na reforma e na renovação das nossas igrejas, a partir de uma séria renovação no interior da comunidade católica e precisamente a partir do seu coração, a igreja de Roma e a Santa Sé, mas também provendo aos problemas mais urgentes para a vida da comunidade, como aquele da ordenação de homens casados e, o quanto antes no futuro, também de mulheres. Numa palavra: não é suficiente assegurar a ortodoxia na fé através dos diálogos doutrinais e dos documentos de consenso entre as igrejas. É preciso estar atentos à ortopraxia, a um empenho concreto e correto por um caminho de reaproximação entre as igrejas cristãs, conduzido em todos os níveis e em cada setor.
O crescimento na comunidade eclesial
A convergência das grandes famílias eclesiais na concepção da Igreja de Cristo como uma comunhão de igrejas tem constituído um passo fundamental neste caminho de reaproximação. Analisando os diversos aspectos da comunhão eclesial, esta é descrita sobretudo como uma comunhão na fé. Esta comunhão já está em ampla medida realizada, tanto na fides qua creditur [na fé pela qual se crê], quanto na fides quae creditur [na fé que crê]. Esta última está contida nas mensagens das Escrituras, que hoje lemos e interpretamos conjuntamente. Ela se expressa nos símbolos da igreja antiga e, sobretudo no símbolo niceno-constantinopolitano e no símbolo apostólico, os quais constituem pontos de referência para a fé em todas as nossas igrejas históricas.
O próprio problema do Filioque, que por tanto tempo tem sido considerado motivo de divisão entre a igreja do Oriente e a igreja do Ocidente, hoje pode ser considerado como superado, depois que a igreja católica, na Dominus Iesus, recordou que a sua fé é expressa no Credo aprovado em Éfeso sem o Filioque, o qual permanece no uso litúrgico sem que isso deva ser considerado como divisor. A comunhão na fé não exclui expressões diversas da mesma fé, por causa das diversas culturas nas quais o Evangelho se encarnou, no âmbito de uma visão da unidade no respeito a toda legítima diversidade.
Vida sacramental e ministério
Em segundo lugar, a comunhão eclesial é comunhão na vida, e principalmente na vida sacramental. Nela já estamos unidos pelo único e mesmo batismo, conferido em todas as igrejas históricas que praticam o batismo das crianças aos filhos daqueles que participam da vida e da fé da Igreja. Em todo o caso, dificuldades não substanciais existem com as igrejas que não reconhecem o batismo das crianças e que por isso rebatizam os adultos que frequentam as suas comunidades, uma escolha que parece dar demasiada importância à ação do homem e não reconhecer o agir gratuito de Deus. A comunhão na vida se manifesta depois na Eucaristia: hoje a presença de Cristo no mistério eucarístico é reconhecida praticamente em todas as igrejas e os problemas que permanecem se referem acima de tudo ao saber sobre quem é qualificado para presidir a Eucaristia.
De fato, o terceiro elemento da comunhão na comunidade eclesial é a comunhão no ministério. As igrejas de tipo católico solicitam que a ordenação ao ministério ocorra na sucessão apostólica. As igrejas evangélicas retêm que a sucessão apostólica se realize sobretudo na fidelidade ao ensinamento dos apóstolos. Mas, esta comunhão no ministério se pode reconhecer considerando o modo como as comunidades reconhecem os seus ministros.
De fato, poder-se-ia perguntar se o princípio aplicado na igreja católica, para a qual, quando a gente se encontra ante um ministro não validamente ordenado pelas normas dos cânones, mas considerado verdadeiro ministro da comunidade, supplet Spiritus Sanctus in Ecclesia [supre o Espírito Santo na Igreja], para a qual os atos que ele realiza são igualmente portadores de graça, não se deveria aplicar também perante ministros das outras igrejas, por respeito com estes ministros e as suas comunidades?
A comunhão, enfim, se realiza no testemunho comum ao Evangelho bem como na vida cotidiana da igreja impregnada por uma conduta de amor e de serviço aos outros.
O princípio da hierarquia das verdades
O Papa Francisco, na Evangelii Gaudium fez por várias vezes referência, precisamente em tema de ecumenismo, ao princípio da hierarquia das verdades. Nas coisas essenciais estamos unidos, nas coisas não necessárias ou livres podem existir expressões diversas; em todo o caso, é preciso praticar a caridade. Este princípio, que seria muito importante para permitir às igrejas de manifestarem a sua unidade já existente, graças ao compartilhamento dos principais ministérios da fé, se revela, todavia difícil de aplicar.
Por exemplo, no que se refere aos dogmas da Imaculada e da Assunção, o recurso a isso tem sido negado na encíclica Mortalium Animos de 1928, foi reconhecido útil num documento do Secretariado para a União dos cristãos de 1970, tendo sido remetido em discussão na encíclica Ut Unum Sint.
Para os dogmas marianos e para aqueles de 1870, que fundamentam a autoridade, é melhor seguir a indicação dada já por Paulo VI, pela qual o concílio Vaticano I, celebrado em estado de separação, pode ser considerado um concílio geral do Ocidente e não um concílio ecumênico.
Mas, este princípio da hierarquia das verdades deveria poder ser utilizado pelo menos a propósito da ordenação da mulher ao ministério, que é verdadeiramente um aspecto secundário de um elemento que não pertence ao coração das verdades da fé, como o ministério. As igrejas que ordenam as mulheres e aquelas que não as ordenam podem viver em comunhão umas com as outras, na perspectiva de um futuro caminho comum, como já afirmava o documento anglicano-católico de Versalhes, de 1976.
Envolver todos os cristãos
Concluindo, se a grande estação do diálogo se encerrou, porque os problemas doutrinais que dividiam as igrejas parecem resolvidos (se talvez se exclua o tema dos ministérios), hoje é a vida do povo cristão que a partir da base deve reconhecer que “o rei está nu”, que as divisões entre as igrejas vivem mais na mentalidade dos fiéis do que na realidade do mistério da igreja, e que portanto devemos aprender a ‘caminhar juntos’ na vida de cada dia, sentindo-nos cada dia mais irmãos e irmãs como os cristãos de todas as igrejas, como quer mostrar-nos cotidianamente o Papa Francisco. O empenho por procurar a unidade dos cristãos já não pode mais ser um fato de elite, mas deve envolver todos os cristãos (cf. UR 5), até gerar um movimento que, no respeito às legítimas diversidades, ultrapasse todas as separações que se incrustaram na história, para fazer-nos tomar consciência da comum pertença de todos os batizados à única igreja de Cristo e ao único Povo de Deus.
Nota:
[1] As edições Dehonianas de Bolonha que, com a colaboração do Centro Pro União de Roma, têm publicado o Enchiridion Oecumenicum, que constitui a coletânea mais completa de documentos do diálogo ecumênico entre todas as coleções análogas existentes hoje nas diversas línguas, tiveram que suspender ou postergar a publicação dos volumes que propõem os documentos mais recentes, porque parece quase que estas coletâneas fiquem não vendidas porque interessam sempre menos o povo cristão, o qual pensa que não são motivos de fé aqueles que continuam a dividir as igrejas e que a reconciliação seja perseguida por outras vias.
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O ecumenismo, dos teólogos ao povo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU