A primeira sessão do Sínodo sobre o futuro da Igreja Católica, que terminou no domingo passado, abriu caminho para progressos significativos, especialmente sobre a questão do lugar das mulheres. Mas ainda existem grandes incertezas...
A reportagem é de Bernadette Sauvaget, publicada por Témoignage Chrétien, 02-11-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
No seu relatório final, que será discutido nas Igrejas locais nos próximos meses, a assembleia sinodal – da qual participaram 54 mulheres pela primeira vez na história do catolicismo – considera “urgente” garantir um papel para as mulheres no governo da Igreja. Para ancorar esse desejo à realidade, discutiu-se a possibilidade de ordenar as mulheres ao diaconato. Para alguns, como consta no relatório, isso seria “inaceitável”, uma ruptura com a Tradição. Outros argumentam que seria um retorno à prática da Igreja primitiva. Outros ainda consideram que seria “uma resposta adequada e necessária aos sinais dos tempos”.
O diaconato feminino promete ser o campo de batalha dos próximos meses. Embora tenha se tornado uma questão central, a batalha está longe de estar vencida. É um dos pontos mais contestados no resumo final de 42 páginas da primeira sessão do Sínodo. Os dois parágrafos relativos ao tema foram “os menos votados”, com 69 e 67 votos contra entre os 346 eleitores, uma verdadeira oposição, dado que o documento foi redigido de forma a obter o parecer favorável da assembleia.
Até agora o próprio Papa deu a impressão de hesitar, já tendo instituído duas comissões teológicas para refletir sobre a questão. Ele não decidiu, mas ao mesmo tempo deixou a porta aberta - um modo de proceder bergogliano. O relatório de transição exorta “a continuar a investigação teológica e pastoral sobre o acesso das mulheres ao diaconato”. Para encontrar argumentos para convencer os contrários? É pouco provável que isso seja suficiente.
Além disso, o relatório quase ignora a questão dos direitos LGBT, especialmente a bênção dos casais homossexuais. A sigla, embora utilizada no Instrumentum laboris, literalmente desapareceu do texto final. Em suma, a primeira sessão do Sínodo parece ter tornado a questão invisível. Por medo de uma fratura muito radical? Essa atitude reflete a relutância, aliás, o medo, do Sínodo em abordar publicamente a questão da bênção de casais do mesmo sexo.
Uma figura importante na luta pela inclusão das pessoas homossexuais na Igreja Católica, o jesuíta estadunidense James Martin, expressou a sua decepção após a reunião. “Imagino”, declarou ele ao National Catholic Reporter, “que a maioria dos católicos LGBTQ ficará desapontada por sequer ser mencionada no resumo final”. Para o padre isso é difícil de entender.
Segundo ele, "o documento tal como foi tornado público não reflete o fato de esse tema [...] ter sito tratado várias vezes, tanto nas discussões como nas sessões plenárias, e despertou pontos de vista muito conflitantes". No estado atual, seria imprudente concluir que o Sínodo tenha rejeitado a bênção dos casais homossexuais em si. Mas dadas as divisões, é pouco provável que a questão seja reaberta na próxima sessão.
A obrigação do celibato para os padres também gerou discussão. "Alguns se perguntaram se sua adequação teológica para o ministério presbiteral deve necessariamente traduzir-se numa obrigação disciplinar na Igreja Latina", consta no resumo final. Alguns dos pilares do Sínodo, como os cardeais Óscar Maradiaga, outro amigo próximo de Francisco, e Jean-Claude Hollerich, jesuíta, relator geral do Sínodo, já tomaram posição no passado a favor da ordenação de homens casados. No que diz respeito ao exercício do poder dentro da Igreja Católica - teoricamente no centro dos trabalhos do Sínodo - o relatório levanta alguns obstáculos, em particular a necessidade de ampliar a instituição dos conselhos episcopais para todas as dioceses. A escolha e nomeação dos bispos, uma verdadeira caixa preta, foi objeto de amplo debate. No seu relatório, o Sínodo pediu uma maior participação dos leigos nesse processo atualmente demasiado opaco.
A segunda sessão do Sínodo, marcada para outubro de 2024, terá, portanto, muito trabalho. Segundo as informações disponíveis, os participantes deverão ser mais ou menos os mesmos e as decisões finais caberão ao Papa, que publicará uma exortação apostólica na forma clássica, provavelmente no início de 2025.
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Sínodo: o diaconato feminino, a mãe de todas as batalhas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU