31 Outubro 2023
A entrevista é de Victorino Pérez Prieto, publicada por Religión Digital, 29-10-2023.
Por ocasião do Sínodo na Sombra, do qual falei em posts anteriores neste blog, estivemos em Roma com Raúl Vera, bispo emérito de Saltillo (México). Tive a oportunidade de uma entrevista em 13/10/2023, na qual ele foi acompanhado por Emilie Smith, presbítera evangélica argentino-canadense que é co-presidente com ele do Serviço Internacional Cristão de Solidariedade com os Povos da América Latina "Óscar Romero" (SICSAL), e outros membros desta organização: o australiano radicado na América Central Sean O'Cleri e Teresa Subieta, atual embaixadora da Bolívia no Vaticano.
Don Raúl, qual é a razão da sua presença neste "sínodo na sombra" sobre os Direitos Humanos na Igreja ("Human Rigths in the Emerging Catholic Church") organizado pela Spirit Unbounded, um grupo católico internacional que tem o nome expressivo de "Espírito sem limites"?
Estamos aqui para caminhar juntos à luz do evangelho, para ser fermento no trabalho de construção do Reino anunciado por Jesus. Para que possamos incorporar todos neste processo sinodal, como o Papa deseja. E para que possamos caminhar juntos como membros da Igreja com o nosso mundo de hoje. Acredito que o Papa lançou Laudate Dominum no início do sínodo precisamente para a inclusão de todos em uma única comunidade para caminhar juntos. Queremos ampliar a tenda para incluir todas as pessoas de boa vontade. Estamos aqui com os membros mais fracos da Igreja, que são principalmente as mulheres, as pessoas LGBTI+ e outros grupos, ouvindo o clamor do Espírito. Especialmente com as mulheres presbíteras da Igreja Católica, que enfrentaram sanções canônicas. Estamos do lado mais profético da Igreja, que a Igreja deve ouvir. O Vaticano II já iniciou a mudança em muitas coisas, abrindo as portas para o mundo. Essa nova realidade é um chamado que a Igreja deve atender para toda a humanidade, fazendo esse chamado, especialmente às pessoas mais marcadas, marginalizadas e demonizadas.
Qual é a sua opinião sobre as "dubia" apresentadas ao Papa Francisco por um grupo de bispos: o celibato opcional para os padres, a ordenação de mulheres e a bênção de casais homossexuais?
Essas questões fazem parte da abertura necessária que a Igreja deve fazer a todos os seus membros. A Igreja precisa avançar muito mais no caminho que o Concílio abriu; naquela época, foi com os chamados "irmãos separados", e agora deve fazê-lo com aqueles que são diferentes do que é estabelecido nas normas da Igreja.
Raúl Vera. (Foto: Reprodução | Religión Digital)
Mas parece que essas questões não estarão realmente presentes no Sínodo. Você acha que será dada uma solução positiva ou será como em outras ocasiões? É o que aconteceu com o fracasso do celibato opcional quase decidido no tempo de Paulo VI, mas que não avançou; ou com Francisco, a ordenação de homens casados, que parecia estar resolvida com suas palavras no Sínodo da Amazônia. E muito menos com as mulheres presbíteras. Embora seja um fato que já existem sacerdotes casados que continuam a celebrar a eucaristia e mulheres presbíteras na Igreja Católica. O que você acha do fato de haver presbíteras ordenadas na Igreja Católica?
Aqui está um exemplo do que penso. No SICSAL, sou co-presidente com uma mulher ordenada da Igreja Anglicana. O Papa pediu no Sínodo da Amazônia que fossem ordenados homens casados, mas... não o fizeram. No entanto, na Diocese de San Cristóbal de las Casas, em Chiapas, ao ver que não havia sacerdotes suficientes e que os indígenas não aceitavam como líderes pessoas que não fossem casadas e não tivessem família, ele pegou esses indígenas, deu-lhes uma formação muito completa e os tornou diáconos permanentes para atender às comunidades. Em pouco tempo, eles se multiplicaram. Quando Dom Samuel fez isso e enviaram um sacerdote para ver o que estava acontecendo, ele ficou maravilhado com essa realidade. Isso foi o que o Papa queria fazer, mas não deixaram. Parece-me que temos a eucaristia sequestrada e não permitimos que o povo tenha acesso a ela, ao restringir a ordenação sacerdotal a homens celibatários.
Dom Raúl, diga algumas palavras sobre o SIGSAL.
Temos aqui a co-presidente, Emily Smith, é melhor que ela explique.
Emily Smith: Eu estou aqui como presbítera da Igreja Anglicana do Canadá. E vim me perguntando: "O que devo fazer neste sínodo? Não sendo da Igreja Católica Romana, parece que não teria nada a oferecer." Mas amigas e amigos me disseram que eu deveria ser uma testemunha para mostrar as coisas que resolvemos na Igreja Anglicana. Há quinhentos anos, os presbíteros e bispos, em primeiro lugar, se casaram oficialmente. E nos últimos cinquenta anos, vimos que era incorreto impedir que houvesse mulheres presbíteras, e até mesmo bispos. Finalmente, vimos que era injusto que pessoas de diferentes orientações sexuais não pudessem se casar ou acessar esses ministérios; e há alguns meses aprovamos um ritual, uma liturgia, para pessoas trans que tornaram pública sua identidade e adotaram um nome diferente. A Igreja Anglicana resolveu algumas questões. Conheci D. Raúl há vinte e cinco anos e, ao participar de uma cerimônia na catedral, vi que só havia fileiras de homens no altar... E percebi que era uma pobreza a ausência da metade da população, as mulheres. Estou aqui para compartilhar essa experiência. Esta é uma reunião ecumênica na qual estou feliz em participar.
Emilie Smith e Sean O'Cleri. (Foto: Reprodução | Religión Digital)
Mas, qual é a razão de existir do SICSAL?
Emily Smith: Isso pode ser explicado por outro colega, Sean O'Cleri, australiano-latino-americano.
Sean O'Cleri: Sou de origem australiana; cresci na Austrália e conheci Dom Hélder Câmara em uma visita em 1986. Participo do SICSAL desde 1995, quando estava trabalhando em El Salvador. Embora eu tenha conhecido Dom Sergio Méndez Arceo, bispo de Cuernavaca (México) e fundador do SICSAL, em 1988. O SICSAL nasceu para acompanhar os processos de libertação das igrejas na América Latina, em seu compromisso com as causas dos pobres. Acompanhar as lutas dos povos, especialmente em sua luta contra o colonialismo e a globalização capitalista, que oprime os mais pobres. O SICSAL busca ser Igreja em relação aos problemas dos povos. Foi assim que Méndez Arceo, Samuel Ruiz, Pedro Casaldáliga... viram como fazer com que os processos de libertação dos povos da América Latina também fossem a causa da Igreja. O que marcou minha vida desde que vim para a América Latina foi a descoberta da Igreja dos pobres e suas lutas pela libertação. Há décadas venho me perguntando como podemos "contaminar" as igrejas do Norte com esse espírito de compromisso com os pobres da América Latina e do Sul, que desejam viver no espírito do evangelho.
Teresa Subieta: Eu sou boliviana, atual embaixadora da Bolívia no Vaticano. Faço parte do SICSAL há quinze anos. Não podemos esquecer nossos mártires de São Salvador, Guatemala e Bolívia. Eu mesma fui torturada em meu país. Nosso movimento de solidariedade para a América Latina quer que esses mártires sejam reconhecidos; alguns eram religiosos e religiosas, mas muitos eram leigos. Fiquei impressionada que tenhamos este encontro paralelo ao sínodo para mostrar como estamos com os mais deslocados e ignorados, que têm o Jesus libertador em suas vidas. Com eles, estamos promovendo os processos de mudança que começaram há anos em nossa Bolívia e em toda a América Latina na luta pela dignidade dos povos indígenas, das mulheres e dos pobres.
Teresa Subieta. (Foto: Reprodução | Religión Digital)
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Raúl Vera, bispo mexicano: “Restringindo a ordenação sacerdotal a homens celibatários, temos sequestrada a eucaristia” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU