01 Novembro 2023
"Aqueles como eu que acompanharam o desabrochar e o desenvolvimento da sinodalidade na Igreja desde a década de 1990, puderam se dar conta da parábola da sinodalidade e de como ela veio se impor na Igreja Católica de forma surpreendente com o advento do Papa Francisco", escreve Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, membro da comunidade Casa Madia, em artigo publicado por Vita Pastorale, novembro de 2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
O processo sinodal em curso não é apenas um acontecimento eclesial como aqueles que a Igreja viveu ao longo dos séculos no Oriente e no Ocidente, mas é um caminho novo e inédito que teve uma preparação extremamente lenta.
Nos últimos cinco anos houve uma aceleração que levou à aquisição por toda a Igreja Católica de algumas convicções sólidas, percebidas como inspiradas pelo Espírito Santo e amadurecidas na história. Desde que o Papa João no início do Concílio Vaticano II introduziu com parrésia a distinção entre o núcleo incandescente da fé e as doutrinas que tentam expressá-lo no tempo e nas culturas, desde que sugeriu que os “sinais dos tempos” estão presentes na bússola que guia a Igreja, para serem ouvidos e obedecidos, foi iniciada uma dinâmica, foi dada atenção ao desenvolvimento e foi favorecido o aprofundamento e crescimento da doutrina.
Se não nos detivermos no aspecto superficial do Sínodo, o que realmente aparece, a novidade - gerada pelo Papa Francisco - está nessa dinâmica típica de quem pretende não só preservar e confirmar, mas também renovar, sem medo da criatividade, do novo, da audácia, da liberdade que sempre acompanham o Espírito Santo na sua ação. Aqueles como eu que acompanharam o desabrochar e o desenvolvimento da sinodalidade na Igreja desde a década de 1990, puderam se dar conta da parábola da sinodalidade e de como ela veio se impor na Igreja Católica de forma surpreendente com o advento do Papa Francisco. Nós temos que ser claros. O Cardeal Bergoglio, na verdade, nunca havia aprofundado a sinodalidade como forma da Igreja, e como todos os bispos da sua geração havia concentrado a atenção na colegialidade, tema presente nos textos do Vaticano II, diferentemente da sinodalidade, evocada apenas pelos Padres conciliares orientais. É por isso que, no início do seu pontificado, Francisco afirmou que devemos aprender com os ortodoxos e com as Igrejas Orientais práxis sinodais nunca antes conhecidas no Ocidente. Bergoglio aderia a uma crença comum atestada, mas não suficientemente informada nem boa conhecedora da sinodalidade praticada no Oriente...
No entanto, era o início de uma evolução que, justamente a partir da convicção de que a Igreja é povo de Deus, constituído por cristãos dotados de sensus fidei e aptos a serem testemunhas de Cristo, levará Francisco à ideia de que podem e devem falar e atuar no mundo de forma qualificada. Então, aos poucos, também apareciam os problemas: se o Sínodo é um órgão episcopal, como fazer com que os fiéis também possam participar? Os modelos históricos das Igrejas Ortodoxas e das Igrejas da Reforma no passado viveram sem conhecer organizações nas quais os fiéis estivessem presentes e pudessem dar uma contribuição direta às decisões finais. E as mulheres, que em toda a história da Igreja nunca estiveram presentes na elaboração, no discernimento e na assunção de responsabilidades, como podem dar a sua contribuição?
Muitos de nós, inclusive eu, nos questionamos, vivendo também o temor de que muitas das palavras de Francisco não passassem de votos e não conseguissem se tornar práxis, também por estarem em contradição com o atual Código de Direito Canônico. Mas o Papa prosseguiu a sua busca com um desejo autêntico de sinodalidade a ser implementada em fidelidade ao Evangelho, à grande Tradição e aos “sinais dos tempos”. E ele não esteve sozinho nessa oficina sinodal: outros teólogos (especialmente Dario Vitali, professor da Universidade Gregoriana) já há anos vinham indicando possibilidades de sinodalidade em conformidade com a doutrina católica. E com audácia e criatividade apresentaram hipóteses que confirmavam uma eclesiologia de comunhão, aquela que surgiu do Vaticano II, mas também diretamente inspirada pelas eclesiologias do Novo Testamento.
Assim, em 2018, se chegou à Episcopalis communio, um texto que já marca um ponto de virada na compreensão e práxis sinodal. Contudo, nos últimos cinco anos, muitas das escolhas de Francisco contribuíram para esclarecer e tornar esse texto eloquente: cerca de setenta fiéis não-bispos foram admitidos como padres sinodais (padres, religiosos, leigos); estes tiveram a oportunidade de votar como aos bispos e há também entre eles mulheres, religiosas e leigas. Essas são as novidades radicais: a Igreja não deixa de ser hierárquica porque são a bispos que a governam, pois são chamados pelo Espírito para cuidar do rebanho. Mas a Igreja é também uma fraternidade de pessoas batizadas com igual dignidade e responsabilidade compartilhada.
Dessa forma toda a comunidade eclesial é ouvida - quando isso já aconteceu em 2.000 anos? —, todos os crentes podem se expressar, participar na elaboração de propostas e decisões, mesmo que depois caiba aos bispos o discernimento final para a promulgação das indicações sinodais. É precisamente esse caminho dinâmico escolhido por Francisco e percorrido pela Igreja que assusta uma parte dela, aquela dos tradicionalistas que são obcecados pela mudança, pela ideia de que o nascimento de novo leva a uma ruptura com a Tradição. O Papa Francisco quis que estivessem presentes no Sínodo, acolhendo as duas dubia e esperando que no confronto fraterno, longe de todo enrijecimento ideológico e de toda polarização, se possas chegar a uma compreensão mais profunda das diferentes posições doutrinárias sem cair em conflito permanente ou no cisma. Este é o Sínodo da grande paciência, isto é, da makrothymía de Deus, à qual a nossa deve corresponder.
A sinodalidade não é um atentado ao ministério do sucessor de Pedro, não representa uma ameaça para do seu serviço de comunhão, mas é uma ajuda porque o Papa, justamente enquanto muda a forma do exercício do Papado, possa exercer ainda melhor o seu ofício. Hoje o primado de Pedro é um sinal de contradição e muitas vezes fonte de escândalo para as Igrejas irmãs, mas poderia ser invocado se realmente se colocasse a serviço da comunhão de todas as igrejas. Sim, quero insistir na novidade avassaladora: a escolha da dinâmica, da evolução da fé. Permanece o Evangelho que é sempre o mesmo, tudo o resto pode mudar.
Ratzinger escrevia: “Só o Espírito Santo nunca muda, mas sendo Creator Spiritus cria e provoca mudanças em nós!".
Nesta hora, mais do que nunca, há uma necessidade urgente de uma oração incessante de toda a Igreja ao Espírito Santo para que inspire e torne dóceis os corações dos participantes no Sínodo para acolher o que Ele quer dizer hoje à sua esposa, a Igreja. O Sínodo não deve terminar num “aborto”, mas mostrar que a sua direção foi exercida pelo Senhor. E ao mesmo tempo essa oração, que invoca discernimento e obediência, deve ser acompanhada de uma insistente oração pela unidade e comunhão da Igreja. No horizonte da vida da Igreja são sempre possíveis conflitos, divisões que se tornam cismas escandalosos e enfraquecem a graça da Igreja. Os cristãos devem aprender, hoje mais do que nunca, a viver a diversidade reconciliada, a complexidade harmoniosa, visivelmente atraídos apenas para o Senhor Jesus Cristo, que confessam na mesma fé. Na Igreja há lugar para todos. E todos os cristãos aguardam aqueles dias em que na Igreja se viverá na paz, sem algozes, sem eclesiásticos exercitados apenas para julgar e condenar, sem sentir medo no desempenho do seu serviço e em obedecer à própria vocação, como se estivesse sempre sob a aprovação dos homens da lei e da religião, que nunca conheceram a misericórdia. Esse processo sinodal nos mostrará alguma libertação?
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A grande novidade gerada por Francisco. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU