25 Outubro 2023
"Os valores positivos do silêncio só podem ser compreendidos se tivermos a coragem para encarar o seu lado negativo", escreve Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, membro da comunidade Casa Madia, em artigo publicado por La Reppublica, 23-10-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "nesta hora trágica para a humanidade, “em que no mundo uma guerra é senhora da terra”, gritos e clamores elevam-se das vítimas em direção ao céu vazio para muitos; mas também seria necessário que nós soubéssemos ouvir também o “silêncio mudo”, gerado pelo esgotamento do respiro. Alguns acreditam que até Deus conhece esse silêncio".
O que é o silêncio? A primeira dificuldade consiste justamente em falar sobre isso, pois o silêncio só é verdadeiramente compreendido quando é experimentado na solidão; além disso, é elementar, mas essencial, lembrar que o silêncio não é uma realidade igual para todos e, para a mesma pessoa, pode mudar nas diferentes idades da vida.
Quando se tenta sondar as profundezas do silêncio, é preciso especificar que o silêncio não é principalmente uma experiência espiritual, mas uma experiência humana e cada pessoa experimenta diferentes silêncios ao longo da vida, alguns positivos e necessários, outros negativos e mortíferos. O silêncio não é um bem absoluto, mas só pode encontrar sentido sob certas condições, quando é vivido com consciência e orientado para um propósito. Os valores positivos do silêncio só podem ser compreendidos se tivermos a coragem para encarar o seu lado negativo.
Realidade ambígua, o silêncio pode ser sem vida e assumir a forma de mutismo. A rejeição da comunicação humilha a palavra e o silêncio, acabando por encerrar o homem numa espécie de prisão. Essa patologia se manifesta quando o equilíbrio psíquico está prejudicado; quem conheceu o abismo do mutismo nas pessoas afetadas pela loucura, sabe o que isso significa: é uma rejeição da vida.
Mas há também um silêncio ruim, que se alimenta do ódio. Elias Canetti escreveu: “Alguns alcançam a maior maldade no silêncio”.
Julgamento negativo sobre os outros, desprezo, desejo de não ter outra pessoa por perto porque a diversidade incomoda, torna-o nosso inimigo: não o cumprimentamos, o tratamos como se já estivesse morto. Não é preciso chegar à hostilidade manifesta, esta hostilidade surda e muda é mais perversa. Não é essa a realidade que habita as nossas famílias e as comunidades?
Outra forma de silêncio negativo é a autoilusão: um silêncio mantido para preservar a imagem que se tem de si mesmo a partir da comparação com a realidade e com os outros.
Isso depois se traduz em formas de vida “autistas”, cuja representação mais eficaz é a de um deserto povoado por fantasmas que acabam dominando o infeliz. O silêncio pode se tornar um lugar de desespero: silêncio imposto pelo torturador à vítima, ou escolhido livremente por quem se encaminha por vias mortíferas. Em ambos os casos, vale o que Elie Wiesel escreveu no seu Testamento de um Poeta Judeu Assassinado: “Nenhum mestre tinha me dito que o silêncio poderia tornar-se uma prisão. Eu não sabia que se pode morrer de silêncio como se morre de dor, de cansaço, de fome."
Com realismo é preciso admitir que esse silêncio não nos é estranho: o importante é estar ciente disso e transformá-lo naquele silêncio vital de qual brotam uma vida e uma palavra cheia de sentido.
Nesta hora trágica para a humanidade, “em que no mundo uma guerra é senhora da terra”, gritos e clamores elevam-se das vítimas em direção ao céu vazio para muitos; mas também seria necessário que nós soubéssemos ouvir também o “silêncio mudo”, gerado pelo esgotamento do respiro. Alguns acreditam que até Deus conhece esse silêncio.
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Vamos escutar o silêncio. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU