20 Outubro 2023
"Precisamos entender que não há mais tempo", afirmam Gilberto Natalini e Marcus Eduardo de Oliveira, em artigo enviado ao Instituto Humanitas Unisinos — IHU.
Gilberto Natalini é médico-cirurgião, vereador por cinco mandatos na Câmara Municipal de São Paulo. Foi secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente (2017) e candidato a governador de São Paulo pelo Partido Verde, em 2014. Atualmente, ocupa o cargo de secretário do Clima da cidade de São Paulo.
Marcus Eduardo de Oliveira é economista e ativista ambiental. Autor de Economia Destrutiva (CRV, 2017) e Civilização em Desajuste com os Limites Planetários (CRV, 2018).
Frente à emergência climática e a destruição do mundo natural, resta pouca dúvida de que estamos aumentando os impasses ecológicos de nossa civilização e modificando radicalmente o planeta que nos acolhe, quer dizer, afrontando a capacidade de suporte da Terra. Sendo objetivo, faz tempo que pressionamos as “fronteiras planetárias”, ou seja, os limites vitais. Sobre isso, a ciência segue nos avisando: o planeta está agora “bem fora do espaço operacional seguro para a humanidade”.
Nesse contexto, antes de mais nada, é triste reconhecer que já atingimos um ponto amplamente conhecido em que não dá mais como disfarçar: tal qual se apresenta nosso antropocentrismo dominador - força impulsionadora da devastação do meio ambiente – muito bem combinado à práticas capitalistas (economias hiperglobalizadas), custos e riscos impactantes tanto à própria sociedade humana, quanto à natureza em si, se proliferam com muito mais rapidez, e nos mostram, em geral, o que há de pior no mundo em termos da destruição da natureza. Em particular, o saldo é desfavorável à causa ambiental, uma vez que já fomos longe demais com a quebra de equilíbrio na relação sociedade-natureza.
Ora, deve ter ficado claro que estamos avançando além dos limites físico-ecológicos. Agora mesmo, empurrados pela globalização contemporânea que vincula o alcance de bem-estar ao que se compra e se consome, pela primeira vez estamos nos limites da biosfera, ferindo o ecossistema finito. E nem mesmo conseguimos aliviar nossa pegada ecológica, o que dificulta sobretudo a defesa da vida (de todas as formas de vida conhecidas).
Serve de exemplo: com a destruição de redutos da vida selvagem, já é estarrecedora a escala de perda de biodiversidade. Isso significa esclarecer que, na mesma Casa Comum onde compartilhamos a vida com milhões de espécies catalogadas, incluindo populações selvagens, raças de plantas, animais domésticos e assim por diante, 10% dessas formas de vida são eliminadas a cada década; e, hoje sabemos, “30% das espécies poderão desaparecer até a metade do corrente século”. [1]
O que vivemos hoje em dia, falando às claras, tem nome certo: crise de extinção em massa. Como força desse acontecimento, nem mesmo conseguimos perceber o básico: “ao atacarmos a biodiversidade”, como ensinou ninguém menos que Edward O. Wilson (1929-2021), “atacamos a nós mesmos”.
Moral da história: a partir do uso que fazemos desse conhecido modelo econômico dominante que opera fora do limite planetário, aumentamos (e muito) as adversidades hostis à vida. Tudo indica que nos especializamos em fazer o planeta todo arder. Sem cerimônias, o Serviço de Mudanças Climáticas do observatório europeu Copernicus avisa: o planeta Terra teve o mês de setembro (2023) mais quente já registrado na história. Muito provavelmente, o ano de 2023 quebrará os recordes de temperatura atingidos em 2016.
Olhando de perto para a realidade atual, os especialistas não cansam de dizer que já conseguimos “transformar” a Amazônia na segunda área (depois do Ártico) mais vulnerável do planeta em relação à mudança climática. Ali, o quadro é agora mesmo muito preocupante. Assistimos a um período de seca devastador. Há um aquecimento elevado das águas do oceano Atlântico Tropical Norte, inibindo a formação de chuvas e secando severamente rios da região (barcos que abastecem o comércio local já não conseguem navegar). A estiagem no sul amazônico (que poderá se alongar até 2024), de tão intensa que é, castiga paisagens conhecidas. No Amazonas, cidades estão ficando isoladas e sem alimentos. Ao menos 17 municípios já estão em estado de alerta.
Em tempo real: voltando ao assunto central – os abusos comuns do antropocentrismo que respondem pelas desastrosas agressões ambientais e que guardam relação direta com a emergência climática – não é segredo que dois terços dos maiores rios do mundo tem sido moderadamente e severamente fragmentados pela construção de represas ou reservatórios.
E mais ainda. Usando um termo sóbrio, todos sabem bem que já “plastificamos” o planeta inteiro. Os números conhecidos nos mostram o tamanho dessa loucura: em apenas 70 anos (1950 a 2020), a humanidade toda conseguiu produzir quase 9 bilhões de toneladas de plástico – 70% disso virou lixo e alcançou as águas oceânicas, atingindo 92% dos recifes de corais rasos do planeta e, tragicamente, provocando a morte de 100 mil animais marinhos. Situação que se repete ano após ano.
Em tais condições, diante da grave trajetória de colapso socioambiental, contemporâneo ao avanço do modo capitalista, insistimos com nossa peculiar concepção de mundo. Até aqui, nem mesmo hesitamos em alimentar um tipo de progresso insustentável, inimigo da boa causa ecológica.
Ocorre que com nosso modo de produção e consumo (indicadores do crescimento) que nega os limites ecológicos e faz a regência dos conteúdos capitalistas, deixamos o planeta em condições de colapsar. De longe, esse é o ponto mais delicado diante de nós. Para começo de conversa, não custa lembrar que todos os anos o mundo perde aproximadamente dez bilhões de árvores. [2] São quinze bilhões removidas contra 5 bilhões plantadas (30% de perda global anual). Menos vegetação tropical significa, inicialmente, menos absorção de toneladas de carbono. Aliás, só as árvores amazônicas absorvem 70 bilhões, das mais de 200 bilhões de toneladas de carbono que mandamos para a atmosfera. À parte esse complicador, frente a emergência climática e ambiental, há um saldo tenebroso que não se pode deixar escapar à compreensão: mais de 13 milhões de mortes por ano em todo o mundo se devem a causas ambientais evitáveis, assim anuncia em diversos relatórios a Organização Mundial da Saúde, OMS.
Medindo as avaliações e pensando o futuro do planeta, mudar essa lógica hoje dominante é a condição exigida para a nossa sobrevivência e para tudo aquilo que se entende por qualidade ambiental. Por fim, tocando na ferida, precisamos entender que não há mais tempo.
De toda forma, precisamos agir, e com rapidez. Nas precisas palavras de David Attenborough, “(...) acima de tudo será necessário haver uma mudança de perspectiva. Uma mudança – de encararmos a natureza não como algo opcional ou ‘legal de se ter’, mas sim como nosso maior aliado em restaurar o equilíbrio do nosso mundo”.
[1] É isso, nesses justos termos, o que destaca o estudo “Accelerated modere human–induced species losses: Entering the sixth mass extinction”, Science Advances, 2015. (19 jun 2015, Vol 1 Issue 5. Disponível aqui.
[2] Disponível aqui.
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Emergência climática e ambiental - Instituto Humanitas Unisinos - IHU