23 Junho 2023
O engenheiro agrônomo José Esquinas (Ciudad Real, Espanha, 1945), lança um novo livro que funciona como um chacoalhão e, ao mesmo tempo, uma espécie de última chamada para mudar esse caminho da Humanidade rumo ao precipício. De fato, seu livro se chama Rumbo al Ecocidio e foi escrito com a colaboração da jornalista e divulgadora Mónica G. Prieto.
José Esquinas é humanista, ativista, doutor em Genética e mestre em Horticultura pela Universidade da Califórnia, além de professor universitário e pesquisador. Durante 30 anos, trabalhou para a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e, por uma década, presidiu o seu Comitê de Ética.
A entrevista é de Alejandro Sacristán, publicada por El Periódico de España, 21-06-2023. A tradução é do Cepat.
O título de seu último livro “Rumbo al Ecocidio” parece um grito de alarme, uma espécie de última chamada, e parece que deseja apresentar em uma palavra todas as crises e processos que ameaçam a Humanidade e todos os seres vivos. O que podemos fazer a esse respeito?
O livro pretende ser um chacoalhão na consciência sobre a perigosa situação em que estamos. Todas essas crises e ameaças que enfrentamos têm uma origem comum em uma única crise, em uma falta de valores, falta de ética e falta de responsabilidade.
Para mim, existem dois elementos-chave: tomar consciência de e agir imediatamente sobre. A tomada de consciência de que a mudança climática é o maior problema da humanidade. A civilização nunca enfrentou um problema igual. O livro pretende conscientizar que o problema da mudança climática é consequência das ações do ser humano e está apenas em nossas mãos detê-lo. Há uma enorme responsabilidade de uma geração.
Hoje, temos a tecnologia e a capacidade de alterar o equilíbrio do planeta e isso está ocorrendo não só em nível local, mas também em nível global, como consequência da própria globalização. Esquecemos que somos parte da natureza. O que está em jogo é a sobrevivência de nossa espécie e se arruinamos a natureza, estamos arruinando a nós mesmos.
Para deter essa loucura provocada pela ambição de alguns e pela responsabilidade de todos, não podemos perder um minuto. Podemos e devemos agir em dois níveis, temos a responsabilidade moral de agir a nível individual e público.
Do lado individual, é necessário implementar o que foi dito na Conferência da Terra, em 1992: pense globalmente e aja localmente. Temos que passar de súditos a cidadãos, como disse Federico Mayor Zaragoza, ex-diretor da UNESCO. Temos que agir como sociedade civil e podemos transformar nosso carrinho de compras em um carro de combate. Consumir não é um ato inofensivo, é um ato político. Quando consumimos uma coisa ou outra, estamos incentivando ou desestimulando um tipo ou outro de produção.
Agora que estamos em tempos de eleições [na Espanha], é imprescindível eleger líderes que entendam a ciência e a importância de proteger a natureza, que entendam que todos sofreremos os efeitos da mudança climática e da destruição dos ecossistemas. Se não pararmos a destruição de nosso planeta, nada mais terá importância. Trata-se de compreender que a natureza não precisa de nós, mas nós precisamos da natureza para sobreviver.
Os poderes econômicos, a partir dos meios de comunicação de massa, juntamente com o poder político, propagam uma série de narrativas que escondem e minimizam o impacto ambiental da industrialização e da agricultura intensiva, do agronegócio. Além disso, a crise da biodiversidade é ainda mais grave e interage com a mudança climática. Estamos ignorando essa interação e a gravidade do impacto fica oculta. Por quê?
Estamos ignorando isso, acredito que sim, e a razão está no conflito, aparente, entre economia e ecologia. Mas, observe que é uma falácia, porque as duas palavras significam exatamente o mesmo em sua origem. Quando Aristóteles usa a palavra economia, no sentido do cuidado de sua casa, da gestão da casa pequena, sua casa, e da casa grande, da nossa casa comum, da natureza, o cuidado está em tudo.
Posteriormente, esta palavra foi sendo desvalorizada, deturpada, assimilada ao crescimento mercantil, ao crescimento do PIB. Foi necessário inventar outra palavra que, em sua origem, significa o mesmo que economia, e esta palavra é ecologia. No momento atual, estamos antepondo o crescimento econômico à ecologia, que é o crescimento da vida na Terra, incluindo o nosso e o de todos os seres vivos.
Os recursos se tornam atrativos para serem privatizados e especulados pelo fato de passarem a ser escassos e serem limitados e perecíveis. Há uma competição para produzir mais e mais barato, sem considerar o estrago que se faz. Quando não se leva em conta essas externalidades, ocorre uma ação de concorrência desleal. A agroindústria não paga pelas externalidades e, assim, é competitiva com a agricultura tradicional ecológica.
Se fosse cumprido o mandato da Cúpula da Terra, de que quem polui paga, com a agricultura em equilíbrio com a natureza, a chamada agroecologia seria competitiva. É necessário retirar os subsídios ocultos ao agronegócio.
No início de sua carreira como pesquisador na FAO, percebeu que a diversidade era fundamental. Por que os recursos genéticos estavam/estão sendo perdidos e que novas ameaças pairam sobre a soberania alimentar e a diversidade genética?
Ao longo de 10.000 anos de agricultura, desenvolveram-se centenas de milhares de variedades agrícolas alimentares relacionadas aos solos e climas locais. Já no século passado, as variedades tradicionais começam a diminuir. A diversidade dessas variedades tradicionais foi substituída por escassas variedades estáveis que também necessitam, vêm, dos agroquímicos, tendo no mesmo pacote agrotóxicos e fertilizantes químicos, e que substituem as centenas de milhares de variedades dos agricultores.
Em definitivo, substituímos a riqueza de diversas variedades tradicionais por um pequeno grupo de variedades uniformes e estáveis, que são mais vulneráveis em uma época de mudanças climáticas. Segundo dados da FAO, o ser humano já utilizou mais de 10.000 espécies para se alimentar e, hoje, cultivamos apenas 150 espécies alimentícias. Os dados dizem que, ao longo do século XX, desapareceram 95% das variedades utilizadas pelos agricultores tradicionais.
Após uma série de grandes fusões, apenas 3 grandes corporações multinacionais controlam 75% das sementes comerciais e 73% dos agroquímicos necessários, 75% do sistema agroalimentar. E, além disso, agora, estão em conversas com as empresas que controlam a maquinaria agrícola para estabelecer futuras fusões que constituirão uma grande ameaça à soberania alimentar, à diversidade. Esse controle leva à perda da soberania alimentar das nações e a depender dessas multinacionais.
A FAO continua sendo essa organização onde, após muitas dificuldades, depois de 25 anos, chegam-se a acordos internacionais para equilibrar as coisas. Em especial, o tratado mais importante é o Tratado Internacional de Recursos Fitogenéticos, também chamado de tratado internacional de sementes, que aborda os direitos dos agricultores tradicionais, promove a conservação e a distribuição dos benefícios entre agricultores e multinacionais.
O que está falhando em um sistema agroalimentar que produz 60% a mais do que o necessário para alimentar a humanidade e, no entanto, nos últimos anos, o número de pessoas afetadas pela fome não diminui?
Esse sistema agroalimentar está cheio de contradições, produz muito mais do que o necessário e carrega consigo uma forte poluição ambiental. Vamos nos perguntar: o que está falhando nesse sistema agroalimentar? É justo? É eficiente? É sustentável? É saudável? É justo se permite que mesmo que se produza mais do que o necessário, mais de 800 milhões de pessoas passam fome, se permite que morram 35.000 pessoas por dia pela fome? Não é justo.
É eficiente se isso acontece, essa fome e mortalidade? É claro que não, produzimos muito mais do que precisamos e permitimos que as pessoas morram de fome. Não é eficiente, ou só é eficiente para as empresas e pessoas que se enriquecem com esse negócio. Não é eficiente para todos.
E para onde vai o que não consumimos? Um terço se perde ou se desperdiça no caminho, no transporte. Na Espanha, por exemplo, até 30% dos alimentos são jogados fora em embalagens que não foram abertas porque venceram. Outra boa porcentagem acaba como lixo em nosso estômago. A comida lixo, que assim chamamos, é lixo para o nosso corpo, engorda e contribui para nos adoecer.
É sustentável? Das emissões de gases do efeito estufa, 28% são emitidas por este sistema agroalimentar e industrial de distribuição. São 11 bilhões de toneladas métricas de gases do efeito estufa que contribuem para a mudança climática, a partir deste sistema. O alimento médio que chega às nossas bocas, na Espanha, percorreu previamente de 2.500 a 4.000 km. Utilizamos 300 milhões de barris de petróleo para transportar alimentos que vão ser jogados no lixo. É uma loucura insustentável.
É saudável? Com esse sistema agroalimentar, estamos sobrealimentando a população. Atualmente, o número de obesos e com sobrepeso já é mais do que o dobro do número de pessoas famintas, sem ter diminuído estas em termos absolutos.
A grande tragédia é que os alimentos que foram sagrados, ao longo da história da humanidade, beijava-se o pão quando caía no chão, hoje, são apenas um negócio.
Durante toda a sua vida, você se destacou por ser um pesquisador rigoroso, mas também comprometido com a sociedade e a luta contra a fome, de seus tempos de ativismo na Universidade da Califórnia Davis até sua última participação com o grupo Scientist Rebellion Espanha. Por que decidiu se envolver novamente nas manifestações de rua, em sua idade?
Lembre-se que Gabriel Celaya, em seu poema La poesía es un arma cargada de futuro, dizia que a primeira coisa é ser homem e a segunda poeta. Eu o reformularia dizendo que a primeira coisa é ser homem, membro da humanidade, pessoa, e a segunda cientista.
Nós, cientistas, estamos vendo o problema em toda a sua dimensão e é preciso soar o alarme. Conscientizar E se for preciso, rebelar-se, rebelar-se contra o suicídio coletivo a que a ambição de alguns e a irresponsabilidade de muitos nos conduz. Não esqueçamos que, no início da Declaração dos Direitos Humanos, reconhece-se o direito dos povos a se rebelar. Povos impelidos à rebelião. Essa rebelião é imprescindível quando o destino de toda a humanidade está em jogo.
É preciso despertar esse espírito de rebelião, como a rebelião científica. Scientist Rebellion reuniu cientistas de todo o mundo, incluindo muitos espanhóis, sob o lema “Quem tem o privilégio de saber, tem a obrigação de agir” - uma frase de Albert Einstein - para criar uma consciência visível do ecocídio para o qual nos dirigimos.
A invasão da Ucrânia pela Rússia ocorreu pouco antes do momento em que iniciaria o processo de liberação da venda das altamente produtivas “terras negras” a grandes proprietários ocidentais. A nova guerra do Sudão reinicia poucos meses após a interrupção da chegada de grãos do leste europeu. Até que ponto a crise de soberania alimentar, em grande parte induzida pelo agronegócio, está entre as causas dessas guerras locais? Isto será uma constante, caso não detenhamos o ecocídio?
Não tenho como saber se será assim, nem se é isso, neste caso. Contudo, o fato de estabelecer guerras e adentrar nos limites de outros povos, outros Estados, para conquistar terras mais férteis, foi uma constante na história da humanidade. Hoje, as “terras negras” da Ucrânia e as “terras negras” da Rússia são consideradas, sobretudo para grãos, o grande celeiro do mundo.
A importância dessas terras negras é histórica. E hoje não é só o Sudão que depende delas, também o Egito e muitos outros países africanos, por exemplo. Um dos problemas que incidem sobre a fome mundial é a importação de grãos produzidos nestas terras e em outras muito férteis para alimentar animais nas macrogranjas, em particular na Espanha, tirando o alimento das pessoas. Henry Kissinger disse que “quem controla o petróleo controla os governos, e quem controla os alimentos controla os povos”.
Como última pergunta: Você fala da irresponsabilidade desta sociedade com as gerações futuras. O que quer dizer?
O meio ambiente tem, sim, rosto humano: o de nossos filhos e nossos netos, com os nossos sobrenomes e genes, à custa do futuro que queiramos lhes deixar. É necessário desenvolver um marco de justiça intergeracional que integre os Direitos das Gerações Futuras sobre os recursos naturais do planeta, com a finalidade de garantir a sua capacidade de sobrevivência e manter suas opções para enfrentar um futuro incerto e imprevisível.
É necessária a criação de um Defensor das Gerações Futuras que seja incluído em nossos órgãos representativos. Esse defensor seria o grilo falante que, quando uma lei estiver para ser aprovada, levantará a mão e dirá qual o impacto que ela poderá ter nas futuras gerações. É a mesma coisa que fazem em muitos povos indígenas, quando o grupo de sábios ou anciãos, antes de tomar uma decisão, perguntam-se como isso afetará as próximas cinco ou dez gerações.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Se não pararmos a destruição de nosso planeta, nada mais terá importância”. Entrevista com José Esquinas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU