27 Setembro 2023
Reproduzimos a seguir a carta aberta, da comunidade cristã de base de São Paulo, direcionada ao Papa Francisco, publicada por Finestimana, 16-09-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Caro Papa Francisco,
com muita alegria lhe informamos sobre um evento que acontecerá em Roma, organizado pela nossa comunidade, nascida há mais de 50 anos na Basílica de São Paulo, em Roma, em torno do então Abade Giovanni Franzoni. Este ano marca o 50º aniversário da publicação de sua carta pastoral, “A terra pertence a Deus” e da nossa saída da basílica. Iremos celebrá-lo no dia 30 de setembro próximo.
Você conhece a história de Giovanni Franzoni. Aproveitamos esta oportunidade para contar um pouco sobre nós e a nossa história - mas a nossa história está intrinsecamente ligada à dele – que continua seis anos após a morte de Giovanni: como só os grandes mestres sabem fazer, ele nos ensinou s seguir sem ele.
Com ele aprendemos o valor do acolhimento incondicional, trabalhou para acolher na Igreja “todos, todos, todos”, para usar as suas palavras, mesmo aqueles sobre cujas cabeças pairava e paira a excomunhão por suas posições políticas. Ele tinha 85 anos quando, em 2013, você foi eleito Papa e vocês nunca se encontraram. Não sabemos o que vocês teriam conversado, mas em seus olhos já opacos de pessoa já sem visão você poderia ter percebido a centelha de sua profecia.
Forçado a renunciar ao cargo de Abade em 1973, juntamente com ele saímos da basílica e continuamos a nossa jornada nas instalações de via Ostiense 152/b, de propriedade da abadia.
Naquelas salas está toda a nossa história. Lá muitos de nós se casaram, nossos filhos foram batizaram e fizeram a primeira comunhão. Lá aprendemos a ler a Bíblia e a deixa-la fazer parte do nosso tempo e das nossas vidas. No início Giuseppe Barbaglio nos ajudava no grupo bíblico, frequentado na época também pelo então jovem seminarista Arturo Sosa. Muitos refugiados políticos encontraram acolhimento dentro daqueles muros. Muitas experiências que nos enriqueceram.
As festas, os encontros com os ciganos, com os homossexuais, quando as portas das paróquias para eles eram fechadas, as celebrações em que nos despedimos dos irmãos e irmãs que nos deixaram. Aquele 29 de junho de tantos anos atrás, quando recebemos naquele salão a procissão liderada pelo Abade Nardin - corajoso em ir até lá com uma procissão tradicional. A visita de Mons. Clemente Riva, bispo auxiliar de Roma-Sul, que nos reconheceu como realidade eclesial da sua diocese, e mais recentemente aquelas do Cardeal Paolo Lojudice e de D. Dario Gervasi. O envolvimento também emotivo que percebemos no rosto do Cardeal Arrigo Miglio quando, como Visitador Apostólico, esteve na nossa sede: havíamos pedido ajuda a ele e ao Cardeal Matteo Zuppi porque no período de pandemia, não conseguíamos mais pagar o aluguel. Aquela saudação especial para Franca, uma irmã judia que frequentava a nossa comunidade, numa celebração junto com o Rabino Di Segni. Nos domingos com os afegãos que fugiram da guerra, que cozinhavam a sua comida, ouviam a sua música e dançavam: Pashtun e Azara juntos. A escola de italiano para requerentes de asilo estrangeiros.
O acolhimento dos sem-teto durante a pandemia, em colaboração com Santo Egídio.
A distribuição de cestas básicas para os pobres, em parceria com os escoteiros.
Naquela noite, de seis anos atrás, em que ficamos em vigília por Giovanni a noite toda, o abade Roberto Dotta e dois monges cantaram para ele um canto gregoriano e na manhã seguinte o levamos para fora, o caixão carregado nos ombros dos jovens, cantando We shall overcome, enquanto os sinos da basílica dobravam.
Aqueles muros contam uma história de liberdade, feita de dificuldades, momentos felizes, tropeços, incoerências, nas quais procuramos anunciar a Boa Nova de Jesus aos excluídos e pisoteados e viver o risco da fé. A história de um pedaço de Igreja marginal que cresceu junto com aquele católico marginal que foi Giovanni Franzoni.
Se às vezes, indo à Basílica de São Paulo, você quiser percorrer mais alguns metros para vir nos visitar, teremos o maior prazer em recebê-lo em nossa sede, que em todos esses anos, ao mesmo tempo que chegava a vida noturna e cresciam as iniciativas comerciais ao nosso redor, resistiu a toda lógica de mercantilização, para continuar a ser a casa de todos, a começar pelos mais marginalizados pela sociedade e pela Igreja. Casa de todos e de todas ou, para usar as palavras de Giovanni na sua carta pastoral, “terra de Deus”.
Com afeto e estima,
A comunidade cristã de base de São Paulo
Roma, 16 de setembro de 2023.
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Carta aberta ao Papa Francisco da comunidade cristã de base de São Paulo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU